terça-feira, 31 de outubro de 2017

À Espera de Um Milagre

O fato de ter entregado, já em seu primeiro filme, uma das grandes obras do cinema com “Um Sonho de Liberdade” foi, de certa maneira, um fantasma que assombrou a carreira do diretor Frank Darabont: Isso estabeleceu para todos os seus trabalhos posteriores um patamar altíssimo e injusto com o qual serem comparados.
E Darabont certamente sentiu essa pressão, prova disso é que seu filme imediatamente seguinte partilhava de várias características em comum com aquela que é (e que sempre vai ser) sua obra-prima: “À Espera de Um Milagre” era, também ele, adaptado de uma obra de Stephen King –que, ao contrário de “Um Sonho de Liberdade” flerta mais abertamente com seus artifícios sobrenaturais –e também tinha como ambientação as paredes opressoras de uma prisão no Maine, desta vez, o corredor da morte ou, como os próprios presos costumam chamar “a milha verde” –como o título original “The Green Mile”.
Darabont ainda adicionou à mistura a presença protagonista de Tom Hanks, mas (embora o filme seja muito querido por uma boa parcela do público) ele não chega nem perto de se equiparar a altíssima qualidade de “Um Sonho de Liberdade”.
Mas, é um belo filme.
Desta vez, deixando o ponto de vista dos prisioneiros para adotar o dos guardas carcerários (Tom Hanks interpreta o papel de chefe deles, como logo é informado no início, quando um flashback começa a resgatar a história), o filme de Darabont registra a rotina dos guardas que trabalharam no corredor da morte nos anos 1930. Eles vivem a atroz rotina de conviver com os condenados à cadeira elétrica, uns ironicamente dóceis e afáveis, outros, psicóticos e estranhos. O grupo de guardas (que além de Hanks, inclui David Morse, Barry Peper, de “O Resgate do Soldado Ryan”, Jeffrey DeMunn, de “Cidadão X” e Doug Hutchison, ator que teve uma breve e memorável presença na série “Arquivo X”) tem uma série de comportamentos e atitudes específicas por meio das quais conseguem conviver (com os prisioneiros, inclusive) numa certa harmonia diante do peso mórbido e obscuro da natureza daquele trabalho.
Há, portanto, uma novidade desestabilizadora quando eles recebem John Coffey, um gigantesco prisioneiro (Michael Clarke Duncan, um achado) condenado à cadeira elétrica pelo brutal assassinato de duas meninas. O novo detento, entretanto (apesar do tamanho descomunal) em nada parece um criminoso; Coffey tem o comportamento amável, tímido e por vezes diz ter medo do escuro.
No entanto, o quê o chefe da carceragem, um tanto perplexo, logo descobrirá, é que Coffey é um anjo de Deus na Terra, e que tem os dons de curar os males das pessoas, incluindo o câncer que consome a vida da benevolente esposa do diretor da prisão (James Cronwell). Mas, Coffey está condenado à morte.
É então um dilema existencial e tanto que o filme de Darabont propõe ao personagem de Hanks –e, por conseqüência, devido à insuspeita capacidade do ator em obter identificação, ao expectador também: Permitir que um anjo capaz curar muitos males com suas habilidades seja morto pelas leis corruptíveis dos homens ou tentar algo para salvá-lo? Mesmo que ele próprio esteja disposto à encarar o corredor da morte; na interpretação emotiva e emocionada de Clarke Duncan, Coffey é como uma criança ferida em sua inocência, ávida por regressar para o céu onde não precisará testemunhar a crueldade diária dos homens aqui na terra.
Por isso, por sua pouco econômica carga dramática e por sua capacidade invulgar de, por vezes, levar os expectadores às lágrimas, “À Espera de Um Milagre” é, apesar do lugar secundário que ocupa na filmografia de Darabont, um melodrama celebrado.

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