É irônico que, perante essa nova e lucrativa
tendência dos Estúdios Disney de refazer em filmes com atores suas animações
clássicas, tenha sido outro estúdio, a Universal Pictures, quem repaginou em
tons realistas o clássico maior da Disney, “Branca de Neve e Os Sete Anões”.
Claro que, por conta disso, “Branca de Neve e O
Caçador” tem liberdades poéticas necessárias que afastam o risco de um processo
autoral –como o fato de serem oito anões, e não sete (!), além da presença
consideravelmente menos importante deles na trama.
Aqui, quem ganha destaque, como o próprio
título já trata de esclarecer, é o breve personagem do Caçador (que Chris
Hemsworth interpreta com propriedade e carisma) numa manobra narrativa um
bocado comum, onde se aventa uma ‘história não contada’ dentro da própria
história já muito difundida –e “Branca de Neve” é certamente uma das histórias
mais famosas de todos os tempos.
Com uma austeridade narrativa que remete à obras
de mitologia mais adulta como “O Senhor dos Anéis”, “Excalibur” ou “O Feitiço de Áquila”, a trama do filme se inicia com a pequena e doce menina Branca de
Neve perdendo a mãe e vendo ela ser substituída, não muito depois, pela
belíssima Ravena (Charlize Theron, espetacular em todas as facetas da personagem).
Entretanto, Ravena se revela uma feiticeira
perigosa e nem um pouco interessada em desposar um rei –ela quer (e, de fato,
consegue) é tomar-lhe seu reino, sagrar-se rainha e arremessar todos os súditos
num regime tirânico e aterrorizante.
Com seu pai morto, Branca de Neve é convertida
em prisioneira, crescendo no alto de uma torre nos anos seguintes –e adquirindo
com isso as feições de Kristen Stewart; que não é a boa atriz, nem a linda
mulher que é Charlize Theron, mas cujo protagonismo na série “Crepúsculo” lhe
garantia estrelato o suficiente para ser aqui a personagem principal.
Se há algo que valoriza “Branca de Neve e O
Caçador” é o fato de que, ainda em seus primeiros vinte minutos, já fica
evidente a disposição entusiasmada do diretor Rupert Sanders em incorporar um
cinema vistoso, assumidamente comercial e visualmente bem acabado para moldar
um filme sedutor ainda que amparado numa história batida, e que com frequência
não consegue escapar –a despeito de suas intenções de seriedade –das características
pueris presentes no conto de fadas: Apesar de tudo, Ravena continua obcecada em
manter o título de ‘Mulher Mais Bela’ aos olhos do onisciente Espelho Mágico
(cuja personificação visual me lembrou as criaturas dos filmes de Guillermo Del
Toro) e, quando Branca de Neve atinge idade o bastante para tomar-lhe tal
honraria, a insatisfeita Ravena ordena sua execução.
É quando –em outro momento perigosamente
implausível com os quais a trama flerta –Branca de Neve aproveita o ensejo e
consegue sozinha fugir do palácio (!), terminando desaparecida na lúgubre e
assustadora Floresta Negra.
Indignada com a inépcia de seus soldados, a
rainha convoca o único homem capaz de encontrar alguém extraviado por lá, o
Caçador.
Beberrão e desesperançado desde que se tornou
viúvo (background mais aprofundado na continuação “O Caçador e A Rainha do Gelo”), o Caçador recebe da rainha uma oferta irrecusável: Ela usará seus
poderes para ressuscitar sua amada se ele lhe trouxer o coração de Branca de
Neve.
No entanto, após encontrar Branca de Neve, o
Caçador começa a compreender as razões para a extrema atenção que a ira da
rainha dedica a ela: A jovem é a única capaz de tirar Ravena de seu trono e
restaurar harmonia ao reino.
Segue-se assim uma aventura episódica onde o
diretor leva esse casal central a encontrar os agora oito anões, grupo de
personagens que soa mais como alívio cômico do que como um adendo relevante da
narrativa, embora entre eles hajam participações ilustres como Bob Hoskins,
Eddie Marsan, Ray Winstone, Nick Frost e Ian McShane (todos miniaturizados por
computador, como Peter Jackson fez com os hobbits em “O Senhor dos Anéis”).
E também, o providencial ‘príncipe encantado’,
na forma do apaixonado amigo de infância William (Sam Claffin, de “Jogos
Vorazes-Em Chamas”) cujo exército contribui para a inevitável batalha final,
reflexo condicionado do sub-gênero de filmes épicos que o trabalho de Sanders,
em seu caráter evocativo, não resistiria.à tentação de incluir.
Há também a clássica passagem da maçã envenenada,
seguida do igualmente clássico momento do beijo que faz Branca de Neve
despertar –aqui, o trabalho de Sanders também aproveita para inserir uma sutil
intenção transgressora ao sugerir que, longe dos olhos de testemunhas, foi o
beijo do Caçador, e não o do príncipe quem despertou a protagonista –um
prenúncio de triângulo amoroso que talvez estivesse nos planos da vindoura
continuação, mas que foi completamente modificado em função da polêmica que
envolveu a divulgação do filme: A atriz Kristen Stewart e o diretor Rupert
Sanders, ambos comprometidos, foram flagrados juntos por paparazzis, o quê
afastou ambos do segundo projeto, “O Caçador e A Rainha do Gelo”.
Contudo, se a continuação,
por todas essas razões de afastamento, resultou fraca, aqui obtem-se uma
produção fluente, de encher os olhos e satisfatória para os aficcionados de aventuras
de espada & magia, num esforço até que válido, mas ocasionalmente banal,
para ocultar os traços infantis de conto de fadas da história original.
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