sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Branca de Neve e O Caçador

É irônico que, perante essa nova e lucrativa tendência dos Estúdios Disney de refazer em filmes com atores suas animações clássicas, tenha sido outro estúdio, a Universal Pictures, quem repaginou em tons realistas o clássico maior da Disney, “Branca de Neve e Os Sete Anões”.
Claro que, por conta disso, “Branca de Neve e O Caçador” tem liberdades poéticas necessárias que afastam o risco de um processo autoral –como o fato de serem oito anões, e não sete (!), além da presença consideravelmente menos importante deles na trama.
Aqui, quem ganha destaque, como o próprio título já trata de esclarecer, é o breve personagem do Caçador (que Chris Hemsworth interpreta com propriedade e carisma) numa manobra narrativa um bocado comum, onde se aventa uma ‘história não contada’ dentro da própria história já muito difundida –e “Branca de Neve” é certamente uma das histórias mais famosas de todos os tempos.
Com uma austeridade narrativa que remete à obras de mitologia mais adulta como “O Senhor dos Anéis”, “Excalibur” ou “O Feitiço de Áquila”, a trama do filme se inicia com a pequena e doce menina Branca de Neve perdendo a mãe e vendo ela ser substituída, não muito depois, pela belíssima Ravena (Charlize Theron, espetacular em todas as facetas da personagem).
Entretanto, Ravena se revela uma feiticeira perigosa e nem um pouco interessada em desposar um rei –ela quer (e, de fato, consegue) é tomar-lhe seu reino, sagrar-se rainha e arremessar todos os súditos num regime tirânico e aterrorizante.
Com seu pai morto, Branca de Neve é convertida em prisioneira, crescendo no alto de uma torre nos anos seguintes –e adquirindo com isso as feições de Kristen Stewart; que não é a boa atriz, nem a linda mulher que é Charlize Theron, mas cujo protagonismo na série “Crepúsculo” lhe garantia estrelato o suficiente para ser aqui a personagem principal.
Se há algo que valoriza “Branca de Neve e O Caçador” é o fato de que, ainda em seus primeiros vinte minutos, já fica evidente a disposição entusiasmada do diretor Rupert Sanders em incorporar um cinema vistoso, assumidamente comercial e visualmente bem acabado para moldar um filme sedutor ainda que amparado numa história batida, e que com frequência não consegue escapar –a despeito de suas intenções de seriedade –das características pueris presentes no conto de fadas: Apesar de tudo, Ravena continua obcecada em manter o título de ‘Mulher Mais Bela’ aos olhos do onisciente Espelho Mágico (cuja personificação visual me lembrou as criaturas dos filmes de Guillermo Del Toro) e, quando Branca de Neve atinge idade o bastante para tomar-lhe tal honraria, a insatisfeita Ravena ordena sua execução.
É quando –em outro momento perigosamente implausível com os quais a trama flerta –Branca de Neve aproveita o ensejo e consegue sozinha fugir do palácio (!), terminando desaparecida na lúgubre e assustadora Floresta Negra.
Indignada com a inépcia de seus soldados, a rainha convoca o único homem capaz de encontrar alguém extraviado por lá, o Caçador.
Beberrão e desesperançado desde que se tornou viúvo (background mais aprofundado na continuação “O Caçador e A Rainha do Gelo”), o Caçador recebe da rainha uma oferta irrecusável: Ela usará seus poderes para ressuscitar sua amada se ele lhe trouxer o coração de Branca de Neve.
No entanto, após encontrar Branca de Neve, o Caçador começa a compreender as razões para a extrema atenção que a ira da rainha dedica a ela: A jovem é a única capaz de tirar Ravena de seu trono e restaurar harmonia ao reino.
Segue-se assim uma aventura episódica onde o diretor leva esse casal central a encontrar os agora oito anões, grupo de personagens que soa mais como alívio cômico do que como um adendo relevante da narrativa, embora entre eles hajam participações ilustres como Bob Hoskins, Eddie Marsan, Ray Winstone, Nick Frost e Ian McShane (todos miniaturizados por computador, como Peter Jackson fez com os hobbits em “O Senhor dos Anéis”).
E também, o providencial ‘príncipe encantado’, na forma do apaixonado amigo de infância William (Sam Claffin, de “Jogos Vorazes-Em Chamas”) cujo exército contribui para a inevitável batalha final, reflexo condicionado do sub-gênero de filmes épicos que o trabalho de Sanders, em seu caráter evocativo, não resistiria.à tentação de incluir.
Há também a clássica passagem da maçã envenenada, seguida do igualmente clássico momento do beijo que faz Branca de Neve despertar –aqui, o trabalho de Sanders também aproveita para inserir uma sutil intenção transgressora ao sugerir que, longe dos olhos de testemunhas, foi o beijo do Caçador, e não o do príncipe quem despertou a protagonista –um prenúncio de triângulo amoroso que talvez estivesse nos planos da vindoura continuação, mas que foi completamente modificado em função da polêmica que envolveu a divulgação do filme: A atriz Kristen Stewart e o diretor Rupert Sanders, ambos comprometidos, foram flagrados juntos por paparazzis, o quê afastou ambos do segundo projeto, “O Caçador e A Rainha do Gelo”.
Contudo, se a continuação, por todas essas razões de afastamento, resultou fraca, aqui obtem-se uma produção fluente, de encher os olhos e satisfatória para os aficcionados de aventuras de espada & magia, num esforço até que válido, mas ocasionalmente banal, para ocultar os traços infantis de conto de fadas da história original.

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