quinta-feira, 2 de abril de 2020

A Sombra e A Escuridão

Em meados da década de 1990, era comum no sistema hollywoodiano empregar uma mescla de conceitos para se vender um filme –na verdade, tal prática ainda persiste, nos dias de hoje –por exemplo, a ficção científica “Vida” (de 2017) era um conceito que unia “Gravidade” e “Alien-O 8º Passageiro”, ou “Velocidade Máxima” (daquele período) trazia o conceito de “Duro de Matar” a bordo de um ônibus.
Embora sua notável premissa tenha o respaldo de ser baseado num surpreendente episódio real (conhecido nos livros de história como Os Leões de Tsavo), o filme dirigido por Stephen Hopkins (de “O Predador 2”) não deixa de ser, por assim dizer, um conceito: Une o suspense visceral em torno de uma fera assassina de “Tubarão” com uma ambientação de cinema clássico e vistoso, nos moldes de “Lawrence da Arábia” ou “Gunga Dim”.
Com efeito, “A Sombra e A Escuridão” também remete inadvertidamente ao Eco-Horror (onde os animais normalmente se voltavam contra o homem), um sub-gênero do terror que deixou de ser realizado com o politicamente correto.
1898. O engenheiro inglês John Patterson (Val Kilmer) é enviado para a África, continente no qual a Inglaterra, a Alemanha e a França disputavam uma espécie de corrida na ânsia por colonizar suas regiões inexploradas. Uma vez lá, a tarefa de Patterson –como bem lembra tão rudemente seu superior, vivido por Tom Wilkinson –é construir uma ponte que permita aos ingleses transpor as corredeiras do Rio Tsavo e assim avançar na sua disputa com os alemães e os franceses.
Contudo, Patterson encontra um obstáculo inesperado: Dois grandes leões passam a aterrorizar os trabalhadores locais, demonstrando comportamento absolutamente incomum para leões; atacam seres humanos (e não presas animais) sistematicamente, aparentando fazê-lo por esporte e não por fome; invadem os acampamentos ignorando vestígios deixados para espantá-los; sobem em árvores e exibem força, resistência, ferocidade e atrevimento fora do normal.
Quando o número de mortos pelos leões atinge o número de quatro dezenas, essas características desiguais levam as feras predadoras a ganhar uma aura lendária entre os trabalhadores –são chamados de a Sombra e a Escuridão –que ameaçam rebelar-se contra Patterson em função do medo.
Para auxiliá-lo é chamado o mais próximo que se pode chegar de um especialista numa situação dessas: O caçador irlandês Charles Remington (Michael Douglas, no único personagem fictício do filme) cujo instinto e as técnica audazes de caçada podem dar cabo de feras tão imprevisíveis.
Esteta de reconhecido capricho visual, Stephen Hopkins não resiste à tentação de referenciar o cinema ostensivo e épico da Velha Hollywood, que tem em David Lean seu nome maior; na bela fotografia do especialista Vilmos Zsigmond, no vasto aparato técnico da produção e até mesmo na atuação rica em teatralidade de Michael Douglas que recria trejeitos de uma escola mais antiquada de interpretação (o que o destoa de seus pares em cena), o diretor transforma “A Sombra e A Escuridão” numa obra cheia de charme devido aos elementos inusitados que agrega.
Pena que nem tudo sejam flores: O roteiro do prestigiado William Goldman (de “Butch Cassidy”, “Todos Os Homens do Presidente” e “Chaplin”) não encontrou o escritor em seus melhores dias e as situações que ele constrói, bem como os diálogos que escreve oscilam entre o medíocre e o inspirado. Sem falar que há algo de muito errado com um filme quando percebemos que sua melhor cena é o breve trecho de um sonho (!).

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