sábado, 25 de julho de 2020

Exótica

Culturalmente o Canadá é um país curioso, próximo dos EUA, no entanto, existencialmente distante devido à ruptura entre suas duas populações, anglófona e francófona, uma condição que gera expressões autorais voltadas às mais imprevistas idiossincrasias.
Ao lado de David Cronenberg, o diretor Atom Egoyam é certamente um realizador que representa muito bem esse olhar incomum sobre a condição humana, sobre a manifestação e a manutenção do drama e de como esses elementos agem, interagem e reagem.
Em “Exótica”, as sub-tramas que constituem sua história principal parecem fios soltos num infinito vazio, inicialmente determinados a convergirem pelo que parece ser uma série de caprichos casuais e menos uma determinância do roteiro –embora certamente o seja.
Talvez por isso, seu princípio se dá com personagens que não têm grande importância à trama (dois guardas alfandegários travando um diálogo), galga para um coadjuvante dotado de um pouco mais de significado (Thomas, vivido por Don McKellar, de “O Gênio e Excêntrico Glenn Gould Em 32 Curtas”) e só então desliza na direção de seus protagonistas.
“Exótica”, à propósito, é o nome do strip-club que o personagem principal, Francis (Bruce Greenwood), frequenta. Em torno desse lugar, basicamente, orbitam as almas perdidas cujas trajetórias Egoyam tratará de colidir.
Francis é o cliente fidedigno da dançarina Christina (a bela Mia Kirshner, de “Dália Negra”), para quem ela faz sua dança sensual (ao som de “Everybody Knows”, de Leonard Cohen) todas as noites –desde que seja cumprida a regra irrevogável do clube de que clientes não podem tocar as dançarinas. Francis é também um auditor fiscal, e durante seus dias refaz a contabilidade da loja de peixes que Thomas herdou do pai.
Assolado por tendências homossexuais, Thomas aceita a inércia de sua existência encontrando satisfação em pequenos atos de excentricidade: Vai à apresentações de balé onde paga o ingresso de alguns rapazes com quem flerta mal-disfarçadamente e, sobretudo, contrabandeia ovos raros de espécimes aquáticas.
Logo, Thomas se torna um instrumento para Francis quando ele cai numa armadilha elaborada por Eric (Elias Koteas), o D.J. do Exótica que, secretamente apaixonado por Christina, incita Francis a tocá-la, como pretexto para expulsa-lo do lugar.
Em sua angústia insondável, Francis tem motivos para alimentar hábitos que soam inicialmente injustificáveis: Ele perdeu a filha pequena e, talvez, a pureza sugerida nas apresentações de Christina lhe proporcione algum alívio em sua dor.
Não é só: Todas as noites, Francis também paga para que Tracey (Sarah Polley), filha de seu irmão (Victor Garber, de “Argo”), fique em sua casa como babá, cuidando de uma criança que não se encontra mais lá...
São essas pequenas disfunções de ordem dramática que compõem o panorama elaborado por Atom Egoyam que, a julgar por suas obras, não se prende à expedientes convencionais para expor a dor e a agonia de seus personagens, preferindo um tortuoso e labiríntico jogo narrativo de descobertas –é por isso que, a quebrar seguidamente o fluxo urbano e soturno da história, há um flashback ensolarado num campo aberto, onde vemos Eric e Christina conhecendo-se pela primeira vez; são fagulhas que, somadas ao longo do filme, irão esclarecer melhor o fino véu que une todas essas almas aflitas num único rumo de existência.
Os detratores poderão dizer que Atom Egoyam transfigura um drama humano conceitualmente simples numa floreada e pretensiosa miríade de histórias paralelas, mas a verdade é que, na elegância enigmática de suas diversas sub-tramas assim encenadas, “Exótica” emprega o conceito do próprio clube que lhe dá o nome como alegoria suprema: Os dramas pessoais de cada personagem, assim como as conexões inesperadas entre eles estabelecidas em seu passado e em seu presente, nos são reveladas como em um striptease no qual a descoberta gradual se faz do belo domínio narrativo de seu diretor.

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