sábado, 29 de agosto de 2020

A Fortaleza Escondida

Na forte influência que o belíssimo “A Fortaleza Escondida” teve sobre “Star Wars” podemos perfeitamente enxergar os personagens de Minoru Chiaki e Kamatari Fujiwara, dois camponeses simplórios, simpáticos e destrambelhados, como correspondentes de R2-D2 e C-3PO, assim como o personagem de Toshiro Mifune, o samurai Rokurota Makabe, é a base nítida e evidente para Obi-Wan Kenobi, enquanto a Princesa Yuki de Akizuki (Misa Uehara), inspirou as características e a personalidade da Princesa Léia de Carrie Fisher –é sabido, inclusive, que George Lucas desejava Mifune para interpretar Obi-Wan!
Além de certos elementos percebidos, sobretudo, em seu ponto de partida, e de evidentes enquadramentos e conceitos visuais aproveitados desses personagens (como os ângulos que justapõe os dois camponeses quando caminham pelo deserto; ou a primeira aparição de Makabe, em meio à desfiladeiros de pedra parecidíssimos com os do planeta Tatooine), outra coisa usada por George Lucas em sua saga espacial tirada daqui são as transições de uma cena para outra, mostradas por um linha lateral que desliza pela tela substituindo a imagem.
Contudo, “A Fortaleza Escondida” está longe, muito longe, de ser tão somente o filme que inspirou “Star Wars”: É um trabalho onde se pode apreciar o estilo do mestre Akira Kurosawa plenamente consolidado na sua capacidade de conceber um espetáculo riquíssimo, inteligente, vibrante e tecnicamente irrepreensível.
Introduzidos como personagens praticamente principais (veja só, manobra narrativa esta também aproveitada por George Lucas!), os desajeitados Tahei e Matashichi (Chiaki e Fujiwara) só querem voltar para sua morada em Hayakawa. No entanto, eles se encontram em Akizuki, região tomada pela guerra contra o território de Yamana; soldados estão por todos os lados matando opositores e a recompensa pela princesa Yuki, última representante do clã, é alta.
Tudo o que Tahei e Matashichi querem, porém, é poder voltar para casa, e com algum ouro se possível: É que eles, em algum momento, foram capturados e colocados como escravos a fim de procurar uma reserva de ouro deixado no depredado Castelo Akizuki. Ouro este que jamais chegou a aparecer. Após uma fuga espetacular –precedida por uma sequência de rebelião de escravos que só um gênio do quilate de Kurosawa seria capaz de conceber na tela –eles descobrem, quase por acaso, onde de fato está o tesouro; oculto em peças minúsculas, colocadas dentro de gravetos de lenha.
Agora, lhes resta o plano para sair de Akizuki e chegar a sua região-natal, Hayakawa: A intenção deles é atravessar o patrulhado território de Yamana onde as fronteiras, contudo, não se encontram tão visadas. Esse plano acaba sendo aprovado por Rokurota Makabe (Mifune), personagem que herda, deste ponto em diante, o protagonismo da dupla atrapalhada, um samurai que eles encontram numa noite, refugiado nas construções erguidas no seio de um vale pedregoso e inacessível, a tal ‘fortaleza escondida’. Lá, se encontra com ele também a Princesa Yuki que, a despeito do temperamento forte e beligerante, concordou em passar-se por muda –inclusive em frente à Tahei e Matashichi –para que todos possam passar despercebidos pelos soldados de Yamana, como meros camponeses transportando lenha.
Nessa tensa e arriscada aventura em torno da travessia de um território inimigo, Kurosawa empresta elementos de seu anterior “Os Homens Que Pisaram Na Cauda do Tigre” potencializando-os com seu cinema do mais alto nível, dando-lhes um ritmo primoroso e arrojado (capaz de minimizar qualquer enfado diante de sua longa duração) e entregando sucessivas cenas audaciosas em seu suspense, divertidas na dinâmica construída entre seus ótimos personagens e extremamente sofisticadas nas técnicas em que capturam a ação –talvez, o caso mais perceptível seja a formidável perseguição de cavalos, em que Mifune subjuga seus oponentes em movimento; certamente uma sequência tremendamente intrépida para sua época.

Nenhum comentário:

Postar um comentário