Ainda no início da década de 2000, o formato de
câmera digital era uma técnica que começava a ser assimilada por alguns
realizadores mais audazes.
Em geral, esses cineastas –como Michael Mann,
David Lynch e o japonês Takashi Miike –enxergavam a compensação de uma filmagem
solta, dinâmica e propícia à inventividade e ao improviso, em relação à perda
de um certo esplendor visual, de uma resolução satisfatória na imagem
(especialmente em relação ao espectro de luz) e de trucagens mais elaboradas de
fotografia: Um sacrifício que se fazia, em prol de realizar o filme que bem
entendesse.
A esse senso de novidade e urgência trazido
pela câmera digital, o escocês Danny Boyle acrescentou o inusitado, levando tal
estilo (empregado para emoldurar tramas urbanas de invariável apelo realista)
ao sub-gênero dos mortos-vivos com “Extermínio”.
É preciso notar que, à época, os mortos-vivos
ainda não eram lugar-comum na cultura pop como o são hoje –obras como a
refilmagem “Madrugada dos Mortos”, a sátira “Todo Mundo Quase Morto” ou a
comédia “Zumbilândia” estavam longe de serem lançadas –ou seja, a iniciativa de
Boyle pulsava de originalidade.
Inclusive, seus mortos-vivos sequer são
“mortos-vivos” (!), na verdade, eles são ‘infectados’, seres vivos que padecem
de um vírus que nada mais é que uma versão extrema e anabolizada da raiva,
levando-os a adquirir comportamento irracional e selvagem anseio por carne
humana –em suma, mortos-vivos embasados pela ciência.
A origem de tudo isso se dá na primeira cena,
quando ativistas ambientais invadem um laboratório londrino e tentam soltar
chipanzés usados como cobaias experimentais, sem saber que neles está inoculado
o vírus da raiva.
O corte escurece a tela e surge o inscrito: “28
Days Later...”
Cheio de objetividade, o filme de Boyle não
apenas faz desse o seu título original, como o usa para prontamente ambientar a
trama, afinal, é exatamente ’28 dias depois’ que a história se reinicia, quando
o incauto entregador Jim (Cillian Murphy) desperta de um coma num hospital onde
esteve desde que foi atropelado, quando o mundo ainda era normal –o ponto de partida da trama, exatamente igual ao da série de zumbis “The Walking Dead”,
lançada anos depois é, até hoje, fonte de debate entre os expectadores: Se
teria o escritor dos quadrinhos que inspiraram aquela série, Robert Kirkman, se
baseado na ideia deste roteiro original de Alex Garland, ou vice-versa
–particularmente, eu acredito que tudo foi uma grande coincidência.
Perambulando por uma Londres completamente
deserta –cujas cenas de uma metrópole desolada e desabitada são tão impactantes
quanto as de “Eu Sou A Lenda” –Jim encontra os sobreviventes Selena (Naomi
Harris, de “Piratas do Caribe-No Fim do Mundo”) e Mark (Noah Huntley) que lhe
inteiram dos fatos acerca do novo mundo em que agora vive: Uma Inglaterra de
cidades evacuadas e população escassa, onde os dias são abandonados e
solitários e as noites, perigosas e arriscadas, com a ameça dos infectados a
espreitar a todo momento.
Não há sinal de rádio ou de TV. Nem informações
acerca do que ocorre no resto do mundo. Há dias, a eletricidade e a água
encanada deixaram de chegar e, cidade após cidade, tudo foi devastado. Os
infectados tomaram tudo e mataram quase todos –os poucos sobreviventes devem
evitar o contágio expondo-se à mordida dos infectados; descuido que Mark
comete, levando-o logo em seguida a perder a vida.
Mais tarde, Jim e Selena encontram Frank (o
ótimo Brendan Gleeson) e Hannah (Megan Burns), pai e filha que os acolhem num
apartamento do centro, contudo, a escassez de água e a proximidade dos
infectados leva-os a pegar a estrada tentando chegar num refúgio que, segundo
uma transmissão de rádio, se encontra numa base miliar nas proximidades de
Manchester.
Entretanto, não será lá que encontrarão abrigo
ou segurança, mas, sim um tentativa truculenta e autoritária de recomeçar a
civilização a partir das noções misóginas e prepotentes de seu comandante, o
Major West (Christopher Eccleston).
Uma apaixonante e
apaixonada homenagem ao gênero dos mortos-vivos, perpetrada com o talento
singular de Danny Boyle e de sua prodigiosa equipe (além do roteirista Garland,
certamente merece menção seu arrojado diretor de fotografia, Anthony Dod
Mantle), “Extermínio” é composto de um arco narrativo precisamente divido em
três atos que representam, em si, uma citação a cada episódio da “Trilogia dos
Mortos-Vivos”, de George Romero, a cartilha do cinema moderno de zumbis: Na
primeira parte, temos o protagonista às voltas com a situação básica em
ambientes residenciais (a premissa de “A Noite dos Mortos-Vivos”); na segunda,
com mais cenas envolvendo edifícios e a cidade grande, o apocalypse zumbi é
colocado em perspectiva do próprio consumismo metafórico da modernidade
(reflexão presente nas entrelinhas de “Despertar dos Mortos”, do qual
“Madrugada dos Mortos”, citado acima, é refilmagem); e, por fim, na terceira
parte, os personagens se vêem num confinamento militar, uma promessa de
salvação que se converte num pesadelo ainda pior graças ao potencial para a
crueldade, para a coerção e para o abuso inerente ao ser humano (reflexo do que
termina ocorrendo também no terceiro filme, “Dia dos Mortos”).
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