segunda-feira, 14 de junho de 2021

À Beira-Mar


 Astros de renome internacional, Angelina Jolie e Brad Pitt afirmaram ter realizado “À Beira-Mar” por tratar-se do tipo de projeto que adoram participar, mas para o qual, na qualidade de celebridades do primeiro escalão hollywoodiano, nunca são chamados: Filmes de arte pequenos, singelos, amparados no intimismo e na composição sempre silenciosa e intuitiva de seu elenco.

Talvez por isso, não pareça ser por acaso que imediatamente “À Beira-Mar” remete, visual e dramaticamente, aos trabalhos do francês Eric Rohmer, nos quais pequenos detalhes do dia-a-dia ganham o centro da narrativa.

Assumindo as função de roteirista, diretora, produtora e atriz principal, Angelina Jolie é Vanessa, esposa do escritor Roland (Pitt), ao lado do qual chega à uma pequena estância balneária da França da década de 1970. Lá, eles instalam-se no pitoresco hotel regional, e imediatamente dão início a uma modorrenta rotina: Ele sai todos os dias, embriagando-se no bar local, dirigido pelo calejado e paternal Michel (o ótimo Niels Arestrup); ela fica no quarto ou dá ocasionais passeios, incapaz de extrair disso qualquer ânimo para viver. Nem Roland encontra, nessa inércia, qualquer inspiração para a escrita, nem o casamento dos dois ameaça deslocar-se da crise na qual afunda.

É uma trama que à princípio parece tirar certo proveito da química entre Jolie e Pitt (então, casados na vida real), enquanto conta uma elíptica história sobre um amor chegando numa difícil fase outonal, ao mesmo tempo em que a roteirista Jolie tira proveito de uma espécie de protagonista muito interessante e promissor aos olhos dos contadores de história: O escritor que se põe num certo lugar à espera de sua inspiração (como visto em diversos filmes, desde “Pergunte Ao Pó”, até “A Escolha deSofia”, passando por “Swimming Pool-À Beira da Piscina” e “Barton Fink-Delírios de Hollywood”).

Entretanto, o filme só ganha mais cores, e algum propósito de fato, quando entra em cena um outro casal, a ocupar o quarto ao lado onde os protagonistas estão hospedados. Recém-casados, os jovens e ardentes Lea (Melanie Laurent) e François (Melvin Poupaud, ator, não por acaso, de “Conto de Verão”, de Eric Rohmer) transam toda a hora –como bem percebem Vanessa e Roland, a observá-los por um indiscreto buraco na parede.

Esse exercício de voyeurismo reaproxima Roland e Vanessa, e elucida as razões pelas quais ela arrasta seu casamento para uma escuridão de distanciamento sentimental e falta de comunicação, ao mesmo tempo que revela suas ambíguas intenções para com a amizade que constroem com aqueles jovens.

Cheio de intenções bastante salutares no que tange às predisposições dramáticas que assume, e certamente válido no traquejo interpretativo que evidencia em Angelina Jolie e principalmente em Brad Pitt (cujo estrelato realmente impede de vivenciarem papéis mais arrojados do ponto de vista da atuação), “À Beira-Mar” é uma obra feita deliberadamente para ir contra a corrente do que se supõe comercial, a despeito de trazer dois dos maiores astros no cinema atual à sua frente.

É um drama sobre crise matrimonial, sobre neuroses ocultas nas sombras do silêncio, logo transfigurado num discreto jogo velado de seduções omissas que demoram um bocado para revelar algo de mais intenso ao público –e essa baixa voltagem também me parece algo proposital –falta, contudo, à diretora Jolie um senso maior de drama e, talvez, um pouco mais de confiança no material que produziu: Na direção absolutamente atenta aos minimalismos estéticos, ela imprime ao seu trabalho uma beleza tão extrema –seja no figurino, na direção de arte, nos ângulos de câmera e na iluminação –que por vezes o esmaga.

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