Para uns a ideia da revisão de um filme tão extenuante, impactante e incômodo como “Requiem Para Um Sonho” pode parecer loucura; para mim, contudo, significa a chance de rever e redescobrir uma das mais sensacionais obras de cinema realizadas nos anos 1990 –até então ainda o melhor trabalho de Darren Aronofsky –relembrar o porque de minha obcecada paixonite por Jennifer Connelly durante aqueles idos (plenamente justificada neste filme e em outros projetos excelentes) e profundar-me ainda mais nos códigos e detalhes subliminares que proporcionam novas impressões da obra. Sim, pois embora seja comum afirmar que alguns filmes devem ser revistos de tempos já que eles mudam, minha opinião é outra: Somos NÓS que mudamos. Nossa bagagem cultural e sentimental muda, nos tornando capazes de perceber nuances que já estavam lá, mas não nos foi possível apreender.
E não tenham dúvidas, isso acontece com
“Requiem Para Um Sonho”, desde seu prosaico início, numa cena em tela dividida
que lembra as experimentações de Brian De Palma, quando vemos o viciado Harry
(Jared Leto, melhor que no oscarizado “Clube de Compras Dallas”) tomar, pela
enésima vez, a televisão da mãe (Ellen Burstyn) a fim de vendê-la e usar o
dinheiro para comprar drogas.
Adaptado do livro de Hubert Shelby Jr. o filme
de Aronofsky divide-se em três capítulos graduais, incisivos e inevitáveis:
“Verão”, “Outono” e “Inverno”, qual as estações do ano. Neles, testemunhamos a
derrocada dos quatro protagonistas –Ellen Burstyn, Jared Leto, Jennifer
Connelly e Marlon Mayans –deflagrada pelo vício.
Em “Verão”, acompanhamos Harry e Tyrone
(Mayans) colhidos no êxtase de seu consumo de cocaína, na empolgação radiante
em tornarem-se, de usuários para fornecedores, no fascînio de, em princípio,
ver esse plano dando certo.
Acompanhamos também a linda Marion (Jennifer
Connelly, e bota linda nisso!), namorada de Harry, às voltas com seu romance,
com os pais ricos dos quais ela buscou se desvencilhar, com o sonho de abrir
uma loja de roupas. E ainda há Sara, a mãe de Harry, cujo vício era até então
apenas sua compulsão em ver TV –mais especificamente um programa picareta de
compras e vendas.
O sonho de Sara –de aparecer, ela própria nesse
programa –parece magicamente querer realizar-se quando ela recebe um inesperado
telefonema dos negociadores de participações no programa. A ideia arrebatadora
de ver-se na TV logo acende em Sara o desejo de entrar num antigo vestido
vermelho no qual ela não cabe mais. Sara decide emagrecer. E após as penosas
tentativas de fazer regime, ela cede à sugestão das amigas para tomar
anfetaminas receitadas por um médico.
Em “Outono”, a espiral de tormento começa a dar
as caras nas trajetórias de todos. Harry e Tyrone já não conseguem manter a
prosperidade de antes, e uma guerra de gangues nos arredores de Coney Island
torna as drogas que consomem escassas nas ruas, obrigando a própria Marion a
fazer alguns sacrifícios que não queria, entre eles, pedir dinheiro ao sórdido
e libidinoso personagem vivido por Sean Gullette (protagonista de “Pi”, o filme
anterior de Aronofsky) a um custo doloroso e ultrajante. Sara, por sua vez, vai
se tornando cada vez mais dependente das anfetaminas –a medida que o efeito
desejado por elas vai rareando –sem notar as mudanças comportamentais e
fisiológicas que as drogas prescritas lhe infligem.
Em “Inverno”, vemos tudo desandar. Harry e
Tyrone resolvem ir para a Flórida negociar com os próprios fornecedores de
drogas, mas jamais chegam lá de fato: Acabam encarcerados antes disso,
sobretudo, Harry cujo braço já ostentava uma terrível pústula, resultado de
frequentes picos de heroína sem qualquer prevenção. Marion, por fim, acaba se
prostituindo como única maneira de prover o vício que lhe consome as entranhas.
E Sara, perde em definitivo a sanidade –no que pode ser visto como um filme de
terror sem os elementos do terror –singrando alucinada e decadente pelas ruas
até ser internada e submetida a eletrochoques.
Nenhum comentário:
Postar um comentário