segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Deixe-O Partir


 O trabalho criterioso e singular do diretor Thomas Bezucha (especialista, pasmem, em comédias!) vale-se em grande medida da concepção hoje saturada que o expectador médio tem do cinema norte-americano comercial de modo geral. Afinal, temos dois protagonista prontamente reconhecíveis (Kevin Costner e Diane Lane interpretaram, juntos, os pais do Superman em “Homem de Aço”), e esse reconhecimento é usado por Bezucha para ludibriar o público.

Com eles em cena –a despeito da excelência interpretativa que aqui ambos conseguem obter, sobretudo, Diane –tem-se a impressão de que a produção seguirá por caminhos convencionais, como tantos outros filmes que eles mesmos protagonizaram.

É quando o filme de Bezucha começa a subverter brilhantemente as pressuposições do público: “Deixe-o Partir” trabalha com tempos mortos, silenciosos, onde nada em princípio parece acontecer, são momentos de calmaria na superfície onde se sugere profundidades insondáveis nas quais, aí sim, se escondem as verdadeiras aflições;

George e Margaret Blackledge (Costner e Diane) perderam seu filho. A nora, junto do neto deles, casou-se com outro homem e foi morar em outra cidade, desligando-se da relação que tinha com eles.

Guiados por uma necessidade sentimental e irreprimível de rever o neto e, em última instância, perseguir um vínculo com o filho falecido, o casal empreende uma busca pelas cidades interioranas da América em busca do paradeiro da nora que, indicam as pistas, casou-se com um homem violento que oferece potencial perigo para ela e para a criança.

A narrativa de Bezucha não tem a menor pressa em entregar respostas instantâneas e satisfazer com imediatismo qualquer ansiedade plantada no expectador: A direção transforma a angústia de seus protagonistas na angústia do próprio público ao frustrar as expectativas da resolução de seu suspense, desacelerando o ritmo nos momentos em que mais queríamos que ele se acelerasse.

E, nesse sentido, tudo se intensifica ainda mais: Quando por fim descobrem o que houve com sua ex-nora, Lorna (Kayli Carter), George e Margaret a encontram, e ao seu neto, vivendo com a família do novo marido, os Weboy, um clã de interioranos violentos, sórdidos e potencialmente psicóticos –a matriarca da família (vivida primorosamente por Leslie Manville, de “Trama Fantasma”) é particularmente insidiosa, grosseira, ameaçadora e abusiva.

Se a premissa não sugere uma originalidade maior da parte desta obra do diretor Bezucha, é porque muitas das informações que a tornam desigual são mais bem aproveitadas quando não se sabe nada sobre elas –personagens coadjuvantes posicionados estrategicamente; fortes atmosferas levantadas com parcimônia –configurando esta interessante mescla de drama (o elenco, para tanto, é formidavelmente habilidoso), road movie (proporcionando sua notável transição do idílico ao visceral), faroeste moderno (o personagem de Costner, à propósito, é um ex-xerife) e filme de terror ao estilo “O Massacre da Serra Elétrica”.

Com uma condução de uma tensão dilacerante, o filme gradualmente acentua sua propensão ao perturbador entregando cenas que atingem certo extremismo em seu terço final, caminhando rumo a um desfecho brutal, tenso e apoteótico, potencializado pela ênfase ao drama humano –ou seja, mesmo não estando entre os realizadores mais reconhecidos e aclamados da atualidade, Thomas Bezucha se comporta aqui como um deles ao moldar um filme feito de corajosas escolhas, de pequenos detalhes, de um salutar intimismo em detrimento às convenções de sempre. Tudo isso transforma a tortuosa jornada de um casal na busca pela reconstrução de sua família em uma experiência que testa os nervos de qualquer expectador.

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