Certamente, uma das maiores estrelas da nova geração de atrizes de Hollywood, a jovem Milly Bobby Brown praticamente cresceu em frente às câmeras desde sua auspiciosa revelação como a personagem Eleven na série da Netflix “Stranger Things”. De lá pra cá, além das quatro temporadas da série, ela fez, entre outros trabalhos, o infanto-juvenil “Enola Holmes” e sua continuação, também eles, produções da Netflix. Agora, ela torna a reaparecer numa produção da Netflix, este “Donzela” –ou, no original, “Damzel” –que procura claramente se afastar do tom infantil de seus trabalhos anteriores mirando num público mais adulto e amplo. Vale lembrar que, além de protagonista, Milly Bobby Brown atua também como produtora.
“Damzel” é dirigido pelo espanhol Juan Carlos
Fresnadillo (de “Intacto” e “Extermínio 2”), mas, sequer há necessidade para
que o expectador procure maiores similaridades de estilo: A direção de
Fresnadillo é tão apagada, tão submetida a decisões de comitês que poderia bem
ser qualquer um sentado na cadeira de direção; nenhuma personalidade autoral
aparece nos cento e dez minutos de filme.
Não significa que não hajam intenções bastante
pontuais a orientar o projeto –como fica perfeitamente claro, “Damzel” é uma
releitura da fórmula ancestral dos contos de fantasia onde uma donzela em
perigo é invariavelmente salva de um dragão por um príncipe galante. No roteiro
de “Damzel” (escrito por Dan Mazeau) todas essas figuras arquetípicas (a
donzela, o dragão e o príncipe, além de outras que vão aparecendo) são
colocadas em questão. A começar, obviamente, pela donzela: Jovem plebéia, ainda
que de uma família suficientemente abastada de seu vilarejo, a destemida Elodie
(a própria Milly Bobby Brown) já deixa evidente, na primeira cena, que não planeja
acomodar-se no papel de mocinha em perigo. Não que sua trama deixe de
conduzi-la por tais caminhos. Incluída por seu pai (Ray Winstone, de “Noé”, “A Lenda de Beowulf” e “A Proposta”) num casamento arranjado, Elodie vai com a
família –ela, seu pai, sua madrasta (Angela Basset) que, olhe só, não é malvada
(!) e sua irmã mais nova (Brooke Carter) –rumo ao reino que lhe comprou o dote,
livrando com isso todo o seu vilarejo da fome.
Inicialmente, tudo parece correr como o
esperado. A Família Real é altiva e melindrosa, mas minimamente acolhedora, a
rainha (Robin Wright) tem a dubiedade dos aristocratas; e o príncipe (Nick
Robinson, de “Jurassic World”), a futilidade dos rapazes mimados da realeza.
Ainda assim, Elodie é recebida bem, isso pelo menos, até o casamento se
consumar. A partir daí, a verdade em torno da tradição casamenteira da Família
Real é revelada: De tempos em tempos, com periodicidade alarmante, o rei e a
rainha negociam a mão de uma jovem donzela de algum vilarejo pobre e, após
realizar um ritual dentro da caverna (a mão da garota é cortada para que seu
sangue se misture com o do príncipe), ela então é jogada lá dentro a fim de
saciar o dragão que lá vive.
Elodie não foi a primeira (as ossadas e até
mesmo indícios deixados pelas vítimas anteriores do labirinto de cavernas
denunciam isso) e pode também não ser a última (pois, caso não baste para
saciar a fome do dragão, a próxima pode vir a ser sua irmã!).
Assim, no enredo elaborado com certa
descontração pela narrativa, não há ninguém para salvar Elodie do perigo, a não
ser ela própria e sua capacidade de perseverança e resiliência. E esses estão
longe de ser os únicos elementos em pauta nos dias atuais que aparecem
empregados com imensa insistência no desenrolar do filme.
Há certamente a mensagem de empoderamento
feminino a definir a trajetória da personagem principal de ponta a ponta (e com
isso, perde qualquer elemento de galanteio ou de heroísmo os personagens do
príncipe, este submisso à mãe, e do pai, um homem amargo, indeciso e
relutante), além da questão da sororidade (a confiança e a cooperação entre
mulheres) levando a personagem da madrasta, normalmente associada ao papel de
vilã, a ganhar um retrato simpático e amoroso, e até mesmo o próprio dragão
(que é fêmea!) a adquirir uma nova roupagem trágica, onde é pivô de um plano
cruel –o dragão, por sinal, é dublado pela atriz Shohreh Aghdashloo, indicada
ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “A Casa de Areia e Névoa”.
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