domingo, 28 de abril de 2024

Intruso


 Mais intrigante do que instigante, o filme de Garth Davis (diretor de “Lion-Uma Jornada Para Casa”, filme indicado ao Oscar 2016) é uma adaptação do livro de Iain Reid, um conto sucinto e objetivo de suspense e ficção científica. Antes de sua estréia a obra até vinha sendo especulada para alguns prêmio, mas sua péssima recepção (sobretudo, de público) talhou essas intenções. Uma pena: Há certos méritos a serem apontados neste filme, embora ele realmente se posicione antagonicamente às obras do circuito comercial com sua narrativa lenta e contemplativa e seu viés melancólico.

O ano é 2067. A Terra e seus recursos naturais –como já é alardeado nos dias de hoje! –já não albergam a sanha de consumo da raça humana. Uma incursão iminente no espaço sideral se faz necessária. O casal de fazendeiros Hen (Saoirse Ronan, sempre fabulosa) e Júnior (Paul Mescal, ótimo), até por morarem num rincão distante dessas celeumas, consideram esses assuntos alheios à eles. Isso até a noite em que recebem a visita de um certo Terrance (Aaron Pierre, de “Tempo”) que afirma ser enviado de uma empresa, a Outer More, cujos voos espaciais planejados para alguns anos incluem a presença obrigatória de Júnior.

Negar em função de sua vida na fazenda ao lado de Hen –e da comodidade que sempre o norteou como pessoa –não é uma opção: Júnior TEM que ir, afirma Terrance. Entretanto, a empresa, disposta a tornar o processo mais, digamos, fácil para ambos, enviará Terrance algum tempo depois a fim de colher dados do casal com um objetivo estranho e específico; eles irão criar uma duplicata de Júnior (!) para fazer companhia a Hen durante sua ausência, de modo que ela praticamente não sinta a sua falta.

Após largar essa revelação bombástica ao jovem casal –cuja relação, as primeiras cenas já parecem sugerir, não ia lá muito bem dar pernas –o engravatado Terrance parte, retornando pouco mais de um ano depois, levando Júnior e especialmente Hen a se indagar se a circunstância do casamento dos dois será capaz de sobreviver a essa imprevista provação.

A exemplo da narrativa do próprio livro em que se baseia, o filme de Garth Davis é econômico nas informações que entrega ao expectador, reservando dessa forma uma grande surpresa em seu desfecho, embora seja possível, aos aficcionados de tramas com guinadas inesperadas, presumir qual é a grande reviravolta final.

Contudo, o trabalho de Garth Davis ainda consegue o não tão comum feito de ombrear (ou até ultrapassar) a qualidade de sua fonte literária devido ao esmero no quesito visual (o enredo elabora todo um ambiente de futurismo agrícola, incomum no cinema, o qual é materializado em cena graças à hábil e prodigiosa conjugação dos bons trabalhos de fotografia, direção de arte e efeitos digitais), e à presença luminosa de seu casal central –e nesse sentido, não há como não colocar o nome de Saoirse Ronan à frente: No papel da introvertida e estranhamente angustiada Hen, a talentosa Saoirse potencializa e valoriza cada um dos tópicos sobre relacionamento a dois que pontua a grande totalidade da reflexão que o filme propõe dando expressividade insuspeita e palpitante a uma personagem de poucas palavras, que se comunica mais com o olhar, e ainda assim, administrando elementos que preservam a surpresa que aguarda o expectador em seu desenlace.

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