Embora não possa ser considerado um astro, o
veterano Terence Stamp tem uma carreira das mais notáveis: Participou de
expressivas obras do cinema italiano, como “Teorema” e “Divina Criatura”, tem
pelo menos um personagem bastante cultuado (o General Zod de “Superman 2”) e se
mantém em atividade até hoje, sem jamais perder um certo prestígio.
Uma pena que sejam poucos os filmes como este
“O Estranho” a colocá-lo na mira dos holofotes e fazê-lo protagonista.
Na pele de Wilson, um criminoso inglês que vem
aos EUA para esclarecer a morte da filha, Stamp é metódico, irônico e
contundente.
Também comparece para dar ao filme um notável
adendo diferencial –uma vez que a premissa soa um tanto genérica –o traquejo
desigual do diretor Steve Sodenbergh, um mestre em adulterar narrativas
arrancando-as do convencionalismo.
Sodenbergh relata a trama atento aos pormenores
inesperados, indo e vindo no tempo sem aviso, fragmentando os acontecimentos
tornando-os nebulosos, desafiando o expectador a compreender sua história e acrescentando
a ela um senso de humor dos mais peculiares –o sotaque britânico ‘cockney’ do
personagem principal por vezes o leva a se perder em monólogos que soam
incompreensíveis aos seus interlocutores americanos.
Sodenbergh usa dos improvisos perpetrados pelos
atores de modo sistemático, intercalando cenas que, se parecem confusas de
imediato, também adquirem um aspecto enigmático, intrincado. E são muitos os
recursos que, nesse sentido, ele acaba por lançar mão: Wilson chega aos EUA tão
logo sai da prisão onde esteve por nove anos. Eduardo (Luis Guzman), o homem
que lhe informou sobre a morte de sua filha Jenny (Melissa George, de “30 Dias
de Noite” e “Turistas”), insiste que ela morreu num acidente de carro.
Wilson sente nas entranhas que não.
Suas suspeitas recaem assim sobre Terry
Valentine (Peter Fonda), o namorado de meia-idade de Jenny, um empresário do
ramo fonográfico (e entusiasta dos anos 1960) cujo poder e influência o tornam
quase uma espécie de gangster –e daí para o crime e a impunidade é só uma
questão de uma ou outra coisa dar errado.
Ao lado de Eduardo e de Elaine (a maravilhosa
Lesley Ann Warren, de “Victor Ou Victória”), amiga de Jenny, Wilson inicia as
investigações definidas por seu temperamento truculento.
O que termina chamando a atenção do consultor
de segurança de Valentine, Avery (Barry Newman, de “Corrida Contra O Destino”)
que coloca no encalço de Wilson dois matadores de aluguel, seguidos, por sua
vez, de agentes do Departamento de Narcóticos Norte-Americano, o DEA (numa ótima
ponta do ator Bill Duke, de “O Predador”).
Sodendbergh adora referências cinematográficas
incomuns de características ainda menos ortodoxas que Quentin Tarantino; aqui,
ele menciona com frequência clássicos do cinema inglês, como “Carter-O
Vingador” (na simplicidade da premissa onde ele enxerga um protagonista tão
perverso e corruptível quanto os elementos que enfrenta, distinguido somente
por seu desejo transparente de vingança), o clássico “À Queima-Roupa”, de John
Boorman (na constante sobreposição de cenas da montagem), e o pouco conhecido
“Poor Cow”, de Ken Loach, de cujas sequências, brilhantemente editadas e
calibradas com cenas deste filme, ele se vale para mostrar um Terence Stamp
jovem, como se fossem lembranças do passado ocasionadas por este mesmo personagem.
Na espiral de obsessão vingativa que o diretor
registra com um raro senso de ironia, as cenas de enfrentamento de praxe, que
poderiam amargar o filme na previsibilidade, são exatamente o que lhe confere
ineditismo: Sodenbergh dirige com noção apurada do realismo a ser imposto à
narrativa, com absoluta consciência das limitações etárias do seu protagonista
(na verdade, de modo geral, grande parte de seu elenco traz talentos oriundos
dos anos 1960 e 70) e com perene observação acerca do fatalismo inerente à
dramaticidade de seu estilo.
Essa postura somada à
edição autoral, extraída de saudáveis reflexos do cinema independente, fazem de
“O Estranho” uma obra notável em sua inquieta solidez.
Vou conferir ...
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