Em meados dos anos 1980, o diretor Francis Ford
Coppola deixou-se fascinar pela trajetória de Preston Tucker, o criador do
Tucker Torpedo, um automóvel que, nos anos 1940, ostentava inovações técnicas
tão a frente de seu tempo que encontrou diversos empecilhos circunstanciais
que, por anos, impediram seu criador de ser reconhecido por seus méritos.
Coppola certamente enxergou ali um reflexo de
si mesmo: O artista sem saber o que fazer diante do resultado fenomenal (e
frequentemente incompreendido) de sua própria criação.
O diretor vinha de uma década de 1970 onde
entregou “O Poderoso Chefão Parte I e Parte II” e “Apocalypse Now”, obras que
provocaram um abalo sísmico no panorama no cinema mundial –e permanecem
influentes até hoje –mas, viu-se um tanto quanto intimidado, ao adentrar a
década de 1980, com a pressão de manter o mesmo nível altíssimo de qualidade
criativa.
Sua ideia para o filme –que já datava dos anos
1970 –envolvia experimentalismos narrativos e até mesmo a possibilidade de
realizar um musical (obsessão que Coppola saciou com “O Fundo do Coração”), no
entanto, muitas dessas aspirações foram por terra quando o estúdio de Coppola,
a American Zoetrope, faliu.
Retomado em 1988 graças à colaboração do amigo
(e, aqui, produtor) George Lucas, o projeto adquiriu assim uma nova orientação
–se antes (leia-se com sua própria produtora) Coppola podia conceber a
maluquice cinematográfica que tivesse em mente, agora as coisas eram
diferentes. “Tucker” migrou, de uma realização cheia de liberdades poéticas e
expedientes inovadores para um trabalho financiado, com necessidade prática de
se fazer comercial e, portanto, assolado por algum convencionalismo.
Preston Tucker é, assim, vivido por Jeff
Bridges com uma série magistral de trejeitos planejados, e nas mãos dele, acaba
sendo um protagonista cujo ímpeto de invenção lhe parece irreprimível.
Após um prólogo de virtuoso fôlego narrativo
–onde Coppola imula elementos do marketing da época –ao contar a juventude de
Tucker, onde seu espírito inventivo de inovação não passava despercebido,
acompanhamos o personagem principal a partir dos anos 1940, quando a ideia de
um automóvel inovador lhe ocorre; “O carro do futuro!” como ele costumava
dizer.
Contudo, o pioneirismo é uma faca de dois gumes
e a mesma característica que fazia o projeto de Tucker ser tão a frente de seu
tempo também assustava seus financiadores, representados, de um modo geral,
pelo pessimista Abe Karatz (Martin Landau).
A saída também lhe é peculiar: Tucker coloca um
anúncio numa revista e, diante da enorme procura pelo automóvel ali divulgado,
os financiadores resolvem investir em sua ideia.
Mas, como ele e Karatz descobrem mais a frente,
fabricar um carro –ou toda uma linha de carros –não é tarefa simples. E, por
mais irônico que possa parecer, tal dificuldade não diz respeito à logística
complicada do desenho de produção, nem ao dinheiro necessário à demanda ou
mesmo à disponibilidade da matéria-prima principal, o aço –questão resolvida
com a inesperada intervenção do excêntrico e lendário Howard Hugues (Dean
Stockwell, inspirado) –a maior dificuldade corresponde aos empecilhos em todos
os campos possíveis (técnicos, judiciais e até políticos) plantados pelas três
grandes produtoras de automóveis da época (a Ford, a Crysler e a General Motors,
jamais diretamente mencionadas), para que o carro de Tucker não visse a luz do
dia –ou, em última instância, para que seu criador tivesse tão pouca
credibilidade junto à opinião pública que seus carros, verdadeiramente
fabricados, não chegassem ao conhecimento do povo americano.
A verdade era que o carro de Tucker era
simplesmente bom demais para as “Três Grandes” permitirem sua criação.
Acusado de fraude e de um sem fim de outros
delitos, Tucker vai ao tribunal –no julgamento que ocupa os últimos vinte
minutos de filme –basicamente incriminado de apropriar-se de dinheiro público e
não construir carro algum com ele. Detalhe: Os cinquenta perfeitos exemplares
do Tucker Torpedo que sua fábrica conseguiu produzir (antes de ser confiscada
pelo governo para produzir casas pré-fabricadas) estavam estacionados do lado
de fora do tribunal; bastava que qualquer um fosse até a janela para olhá-los e
comprovar sua existência.
Nem isso o promotor e o juiz quiseram permitir
(!).
Narrado num envolvente
ritmo de jazz, e decupado numa execução primorosa e diferenciada de iluminação,
“Tucker” não é uma obra maiúscula como aquelas pelas quais Coppola é
reconhecido, mas é um trabalho de um diretor visionário, espirituoso para com
as engrenagens que impulsionam a realização cinematográfica, fluido, bonito e
agradável.
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