Optando por uma trama intimista de primorosas e
bem engendradas repercussões românticas, “Sussurros do Coração” é uma daquelas animações
com orientação quase adulta no tratamento profundo de mazelas sentimentais, que
fazem a animação japonesa como um todo estar tão à frente, temática e
narrativamente, do resto do mundo.
A menina Shizuku atravessa aquela fase da
adolescência em que as imaturidades da infância começam a ficar para trás,
substituídas por ponderações adultas que trazem melancolia e crises
existenciais à sua vida –não, porém,
completamente destituídas de ingenuidade.
Há a novidade dos interesses amorosos pelos
garotos que se reflete, sobretudo, na paixão inesperada de sua melhor amiga,
Yuko, pelo jovem e distraído Sugimura; que termina confidenciando que gosta, na
realidade, de Shizuku!
Essas cirandas de amores juvenis são pontuadas
pelas irreprimíveis inclinações artísticas de Shizuku, como a poesia –ela e as
amigas ensaiam, envergonhadas, uma versão japonesa para a letra da canção “Take
Me Home, Country Roads”, de John Denver, de autoria da própria Shizuku; canção
esta, aliás, essencial para a animação –e a literatura –ela vive na biblioteca
onde o próprio pai trabalha, pois impôs, a si mesma, a meta de ler vinte livros
até o final de sua férias.
É entre os livros que, ironicamente, Shizuku
encontra indícios da existência de um ‘príncipe encantado’: Um certo nome, Seiji
Amasawa, aparece no cartão bibliotecário de praticamente todos os livros que
ela emprestou. É, portanto, alguém com o mesmo gosto literário dela.
Aos poucos, e com a sutileza característica da
cultura japonesa, Shizuku vai fantasiando com a possibilidade de encontrar o
tal Seiji e, sem dar-se conta, vai seguindo pequenas pistas que podem apontar
sua proximidade; ele é filho de um professor; tem a mesma idade dela; estudam
na mesma série (!).
Quem é Seiji parece ser uma questão que
perturba Shizuku tanto quanto a decisão que ela precisa tomar em relação aos
rumos de sua vida –Continuar como aluna do ensino fundamental? Desvencilhar-se
da família e da mediocridade suburbana à qual parece condenada? Quais são os
meios para isso?
Paralelo à esses dilemas –manifestados com
expressividade intimista na narrativa quando muitos diretores bateriam a cabeça
para acomodá-los num filme convencional –Shizuku deixa-se acirrar com os
sucessivos encontros e desencontros com um rapaz, neto do dono de uma loja de
antiguidades na qual a estátua de um gato chamado Barão lhe inspira a começar a
escrever seu primeiro livro completo.
A história desse livro, por sinal –apresentada
em acréscimos elípticos aqui –é completamente vertida num longa-metragem
animado em “O Reino dos Gatos”, animação posterior do Estúdio Ghibli que serve
como derivado deste daqui.
O futuro profissional e as
iniciações românticas são assim o inesperado combustível para esta animação
graciosa, adornada de uma postura salutar em relação a temas tão improváveis para
este gênero: Talvez por isso, o afinco e a delicadeza com que seus realizadores
se lançam neles sejam assim tão comoventes e encantadores.
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