quarta-feira, 3 de março de 2021

Obrigado Por Fumar


 Filme que revelou o diretor Jason Reitman, de “Juno” e “Amor Sem Escalas”, e filho do também diretor Ivan Reitman, “Obrigado Por Fumar” deixa em bastante evidência o talento de seu jovem realizador e sua predisposição em trilhar caminhos nada usuais da narrativa, optando por exemplo, pela improvável escolha da loquacidade em detrimento da ação física, algo que, pelo bons resultados obtidos, já faz dele um cineasta mais talentoso que o pai.

O audaz roteiro de “Obrigado Por Fumar” contrapõe a habilidade verbal de seu protagonista a situações inicialmente ingratas e incontornáveis.

Prova disso é já sua cena inicial: Nick Naylor (o ótimo Aaron Eckhart no papel que habilitou-o para interpretar o Duas-Caras em “Batman-Cavaleiro das Trevas”) é um lobista. Sua função é tornar comercialmente viável um produto controverso, no caso, o cigarro, alvo de constantes campanhas contra o câncer de pulmão e outros males. Quando o filme começa, o vemos numa programa de auditório, confrontado por membros de organizações contrárias ao tabagismo e –pasmem! –junto de um garoto com câncer no pulmão (!).

Contra as probabilidades mais pessimistas, Naylor escapa dessa e de outras arapucas mais; sua lábia é, portanto, o fator que o torna inestimável em seu ofício, mesmo em face de um chefe invejoso e recalcado (J.K. Simmons), e de um senador (William H. Macy) dedicado a sabotar a indústria de tabaco norte-americana condenando seus malefícios em cadeia nacional.

Como rege aos conceitos de um arco narrativo que se preze existe, na trajetória de Naylor, elementos que desfraldarão seu lado humano –sobretudo, a relação com o filho (Cameron Bright, de “Reencarnação”), único indivíduo que alcança seu afeto; e o flerte esperançoso e tórrido com uma jovem e bela repórter (Katie Holmes, de "Batman Begins") –e, por meio deles, o diretor Reitman vislumbra também a derrocada de todas as suas certezas e convicções: O súbito esvaziar dos argumentos quando ele é colocado numa situação delicada, o que acarreta o desaparecimento dos cínicos que lhe davam tapinhas nas costas fingindo amizade.

Diante de sua queda, resta a Naylor somente os amigos verdadeiros e os laços genuínos que construiu, entre os quais, os amigos de mesa de bar –cujas cenas surgem quase como interseções na narrativa –interpretados por Maria Belo, de “Marcas da Violência” (ela uma lobista da indústria de bebidas alcoólicas), e por David Koechner, de “O Âncora-A Lenda de Ron Burgundy” (ele, lobista da indústria de armas de fogo).

Não há, no entanto, nesse arco assim esboçado, apesar das aparências, a intenção de se converter esses percalços em drama: Reitman é hábil no manuseio dos expedientes de comédia e ressalta, ao longo dessa espécie de via-crusis, o raciocínio ferino e rápido de seu protagonista, refletindo na narrativa sua propensão em enxergar pelo prisma da ironia e não da comiseração os revezes que sobre ele se abatem.

A construção plena de brilhantismo de “Obrigado Por Fumar” termina por sublinhar o auspicioso talento de todos os envolvidos, neste filme um tanto surpreendente.

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