Eram inúmeras as obras passíveis que comparação quando o diretor Christoph Gans (do ainda não superado “Pacto dos Lobos”) arriscou-se a realizar este projeto: Além da fabulosa animação da Disney, houve depois também seu live-action, perpetrado pela própria Disney em 2017, e o clássico surrealista francês de Jean Cocteau, de 1946.
Sendo também este um filme francês (procedência
também do famoso conto de fadas que inspirou a todos esses projetos), Christoph
Gans foi habilidoso nas referências que adotou: Ele foca, acima de tudo, no
filme de Cocteau, temática e visualmente, a fim de imprimir uma presumida
originalidade ao seu material (partindo do princípio, infelizmente correto, de
que provavelmente poucos expectadores têm hoje conhecimento do clássico tão
antigo), sem, no entanto, deixar de lado similaridades deliberadas com a
produção da Disney, usando dessa semelhança como apelo de público –com efeito,
é exatamente esse detalhe que equilibra “A Fera e A Fera” numa corda bamba
entre o contundentemente artístico (tendência para a qual ele parece o tempo
todo querer ceder) e o abertamente comercial.
Seguindo uma vibração mais aproximada com a do
conto original, o pai de Bela, Maurice (André Dussollier, de “Vidocq-O Mito” e
“MicMacs-Um Plano Complicado”) acaba perdendo-se numa floresta e, mais tarde,
num estranho e surreal palácio onde, ao tentar tomar uma rosa para sua filha,
termina prisioneiro do monstro conhecido como Fera (vivido por Vincent Cassel).
Maurice até regressa para seu lar, apenas para dar a terrível notícia: Caso ele
não volte para seu cativeiro junto de Fera, o monstro matará um a um todos os
seus filhos (valentões e desonestos) e filhas (fúteis e imaturas, exceto a
protagonista) –e nesta versão, como se pode ver, eles são numerosos!
Sentindo-se culpada (a rosa era um presente para ela), a filha mais nova, Bela
(vivida por Lea Seydoux, uma escolha óbvia já que ela havia sido revelada
naqueles tempos no aclamado “Azul É A Cor Mais Quente”) foge com o cavalo e
toma o lugar do pai como prisioneira de Fera, num castelo mágico o qual, em
princípio, ninguém é capaz de encontrar.
Como no conto original –bem como em alguns
filmes anteriores à animação dos anos
1990, tal qual a produção estrelada por Rebecca De Mornay e John Savage em 1987
–o filme francês apresenta a sucessão de jantares em que Bela e Fera ficam
frente a frente um do outro, no mesmo local e no mesmo horário, dia após dia; e
a relação, que se inicia apreensiva, cheia de rancores e desconfianças,
progride para um curioso descobrimento um do outro; e no processo, a narrativa
não deixa de revelar esperteza, introduzindo flashbacks onde a trama envolvendo Fera –um príncipe amaldiçoado
por questões e elementos conspiratórios mais intrincados aqui do que em
qualquer outra versão anterior –antecipa várias características ao expectador
(inclusive a aparência do príncipe tornado monstro que, até mesmo na animação
da Disney, falha em conquistar o público mais que o próprio monstro sensível),
além de tornar um pouco mais verossímil e razoável a gradual aceitação de Bela
ao seu amor.
Ao longo dessa narrativa –que, claro, inclui
outros elementos mais que incrementam a trama com inusitado rebuscamento ao
gosto do cinema francês –o diretor Gans exercita sua perspicácia visual criando
um espetáculo de imagens inacreditáveis que ratificam inúmeros valores de
produção –o figurino esplendoroso e colorido; a direção de arte inquieta,
suntuosa e rica; e, sem sombra de dúvidas, os requintados efeitos visuais, que
materializam um sem-fim de cenas espantosas, criaturas de fantasia e assombros
inesperados.
Prestando uma contínua homenagem à Cocteau –até
mesmo a Fera, em termos estéticos, remete ao protagonista personificado por
Jean Marais naquele filme –Christoph Gans cria aqui um conceito onde a magia obedece
a uma série de regras específicas e pouco elucidativas, numa postura que agrega
densidade à obra, afastando-a de comparações com outras realizações
norte-americanas.
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