sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

A Bela e A Fera

A iniciativa dos Estúdios Disney de conceber versões em live-action de suas animações sempre esbarrou num problema: O fato de algumas dessas obras serem produções louvadas pelo público e, não raro, criações cinematográficas irretocáveis.
Mal essa tendência havia se tornado lucrativa –com os sucessos de “Alice No País das Maravilhas”, de Tim Burton, “Malévola”, de Robert Stromberg (com Angelina Jolie), “Cinderella”, de Kenneth Branagh, e “Mogli-O Menino Lobo”, de Jon Favreau –e a Disney já resolveu segurar o touro pelos chifres e adaptar uma de suas mais aclamadas obras: O desenho animado que, entre outras honrarias, foi a primeira animação a ser indicada ao Oscar de Melhor Filme, “A Bela e A Fera”.
O escolhido para a empreitada foi o diretor Bill Condon que, diante do dilema criativo entre recriar fielmente a animação (realizando assim um trabalho sem alma) e executar uma obra dotada de sua própria inspiração e inventividade, saiu-se com uma alternativa sábia e travessa: “A Bela e A Fera”, o filme, se ampara, sim, na tão elogiada animação –até porque fãs e apreciadores se ressentiriam se fugisse muito de sua fonte –mas, ele se baseia também, em muitas de suas pontuações narrativas, na bem-sucedida adaptação teatral para os palcos da Broadway.
A dica já se acha no prólogo: Diferente dos vitrais que sugerem o prenúncio da trama na animação, a encenação mostra a festa onde o príncipe em questão (Dan Stevens, magnífica escolha) rejeita o pedido de ajuda de uma mendiga para descobrir que ela era uma feiticeira.
Indignada com o desprezo dele por sua aparência, ela o amaldiçoa: Transforma-o em monstro e todos os súditos de seu castelo nos móveis que o decoram. Para quebrar tal maldição, somente se ele conseguir fazer com que alguém apaixone-se por ele, a despeito de sua forma bestial.
Entra em cena, então, a mocinha Bela (Emma Watson, que deve ter aceitado este papel musical pelo arrependimento de ter recusado a proposta para estrelar “La La Land-Cantando Estações”).
Moradora de uma aldeia francesa, Bela é recebida com estranhamento pelos demais moradores, incomodados por sua independência, sua articulação e inteligência. Contudo, sua grande beleza (ainda que Emma não seja tão bela assim quanto o papel pede), não passa despercebida de Gaston (Luke Evans), o mais bonito e disputado (e arrogante!) rapagão local, que a quer como esposa de qualquer jeito.
Bela vem a se encontrar com Fera quando o pai dela, Maurice (Kevin Kline), perde-se numa viagem, indo parar inadvertidamente no castelo da Fera; e acaba seu prisioneiro.
Mais tarde, ao descobrir as atribulações do pai, Bela propõe uma troca e, agora, será ela quem Fera terá como prisioneira.
Entretanto, os demais personagens que orbitam esse par improvável (como são improváveis todos os pares de desenlaces românticos da ficção) haverão de contribuir para tornar este um romance, entre eles, o candelabro Lumiére (voz de Ewan McGregor), o relógio Cogsworth (voz de Ian McKellen, com quem o diretor Condon fez o premiado “Deuses e Monstros”), o bule de chá Madame Samovar (voz de Emma Thompson) e vários outros.
Ignorando a restrição que a obrigatória proximidade visual e narrativa para com a animação lhe impõe, o diretor Condon aproveita as ferramentas técnicas à sua disposição para transformar “A Bela e A Fera” num espetáculo de cores à exemplo do que foi a própria animação em sua época. Os recursos digitais, empregados de forma imodesta, podem fascinar alguns expectadores por sua extravagância e seu espalhafato, e incomodar outros por sua demasia e gratuidade –e o roteiro de Stephen Chobski (diretor de “As Vantagens de Ser Invisível”, também com Emma Watson, e de “Extraordinário”) não tem maiores justificativas para seu uso, embora possua o ligeiro mérito de tentar se afastar das obviedades em relação à animação ao usar de artifícios mais ou menos perceptíveis como alternância de cenas, a transferência de determinados diálogos para outros personagens e o acréscimo de prolongamentos de cena (que ora funciona, ora fica lamentável).
Como é o caso na maioria dos live-actions da Disney, o melhor meio de apreciar as qualidades deste “A Bela e A Fera” é desencanar de uma comparação constante com a animação; algo que só irá desfavorecer e sabotar o próprio filme.

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