sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Jungle Cruise


 Baseado em um brinquedos dos parques temáticos da Disney –e, por aí, já se percebe a origem pouco lisonjeira do projeto –“Jungle Cruise” é parte “Piratas do Caribe”, parte “Caçadores da Arca Perdida” com uma pitada de “Uma Aventura Na África”.

O início, mostrando a perplexa personagem de Emily Blunt, a Dra. Lilly Houghton, a tentar convencer os céticos, irredutíveis e machistas cientistas do início do Século XX de então a financiar uma expedição à Amazônia, já bebe muito das aventuras de Indiana Jones; e essa proximidade nada discreta se intensificará ainda mais conforme o filme avança com nítidas inspirações –algumas que chegam a beirar a cara-de-pau. Temos, por exemplo, os vilões oriundos da Alemanha (na forma do monarca vivido por Jesse Plemons, obcecado por encontrar uma flor de propriedades místicas), as aventuras logo transferidas, da Inglaterra vitoriana, para a selva brasileira; as cenas de ação inventivas, extensas e detalhadas ao estilo Steven Spielberg e, por fim, a busca pelo tesouro, transcorrida ao longo da trama e pontuada de elementos cheios de complexidade e rica cenografia cinematográfica.

São nessas condições que o filme, dirigido por Jaume Collet-Serra (do suspense “Águas Rasas”), chega à Amazônia antes mesmo de seus créditos iniciais, não tardando a reunir seus protagonistas, no caso, Lilly e o capitão de uma modesta embarcação de rio, Frank (o truculento, porém, carismático e divertido Dwayne Johnson), além do apalermado irmão dela, o afeminado MacGregor (Jack Whitehall, de “O Quebra-Nozes e Os Quatro Reinos”).

Eles empreendem uma viagem ao coração da selva amazônica, onde Lilly acredita que encontrará o segredo da fonte da juventude, uma flor cuja pétala milagrosa cura qualquer mal.

A vertiginosa aventura tem por objetivo emoldurar a dinâmica entre os personagens: Frank é ardiloso e golpista, não confia em ninguém e fornece constantes motivos para que ninguém confie nele; Lilly carrega aquela postura altiva comum a todas as mocinhas protagonistas em geral –é impetuosa, moralista, obstinada e altruísta. Juntos (como era de se supor), eles não se bicam, no entanto, as convenções do roteiro não resistem ao ímpeto de reuní-los romanticamente, e de um ponto em diante, esse romance forçado só começa a funcionar de fato porque Emily Blunt e Dwayne Johnson (bons atores) imprimem certa sinceridade à essa relação, a despeito do fato de serem inicialmente incompatíveis. A trama cresce um pouco a partir do momento em que um ligeiro plot twist revela novas e inesperadas motivações da parte do personagem de Johnson.

Por outro lado, se em certo ponto, os protagonistas encontram equilíbrio, o mesmo não pode ser dito dos dois núcleos de antagonistas (sim, este filme tem DOIS grupos de vilões!): Um deles, o já mencionado monarca germânico é apático, desinteressante e burocrático (proporciona um desânimo inevitável sempre que a narrativa o coloca em cena); já o outro núcleo, embora tenha relação com a reviravolta que o filme, lá pelas tantas apresenta, parece servir à infalível necessidade mercadológica de abarrotar o filme de efeitos visuais: Trata-se de Aguirre (o mesmo personagem retratado por Klaus Kinsky, em “Aguirre-A Cólera dos Deuses”, de Werner Herzog, aqui vivido por Edgar Ramirez), desbravador espanhol surgido aqui como um ser monstruoso amaldiçoado pelas propriedades da selva, numa criação semelhante ao Dave Jones de “Piratas do Caribe-O Baú da Morte”.

A profusão atordoante e francamente incômoda de ação e efeitos visuais de “Jungle Cruise” deixa bem claro o quanto o filme foi concebido mais pelas deliberações de um comité de estúdio e menos pelo bom senso de seu diretor (ainda que Jaume Collet-Serra faça sua parte orquestrando da melhor maneira possível todas as facetas exorbitantes da produção), resultando numa obra forçosamente comercial e, nesse sentido, até mesmo esquizofrênica: É demasiadamente frenético (até mesmo em momentos em que narrativa carecia de pausa para se harmonizar), engraçado até passar do ponto, visualmente tão lindo que chega a ser ofensivo (até mesmo os animais em cena são digitais) e elaborado com base nas fórmulas mais evidentes do mainstream. Sua salvação, quando muito, reside em pequenos detalhes que o fazem agradável e eficaz: O carisma do bom elenco, o exotismo inerente da premissa, o teor nostálgico de aventura à moda antiga presente na ambientação. São esses elementos que garantem o interesse do público e o diferencial do projeto –e, de repente, serão eles quem viabilizarão a realização de suas continuações.

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