“My Blueberry Nights” é a sôfrega tentativa de Won Kar Wai transpor seu estilo preciosista para terras e linguagens norte-americanas, ou seja, falado em inglês, ambientado em solo americano e estrelado por elenco hollywoodiano.
O próprio Kar Wai, no entanto, parece esquecer
que muito de suas obras surge do improviso, da percepção instintiva dos
sentimentos a pairar sobre seus personagens, da forma orgânica com que estão
inseridos em seu contexto, e da atenção minimalista para com pequenos dramas de
natureza intimista que ali são apanhados.
Ao aceitar filmar nos EUA –e possivelmente
embolsar um belo cachê por isso –Kar Wai aceita algo que não é de sua natureza:
Ele pasteuriza, empacota e industrializa um produto antes feito com instinto e
espontaneidade, e nesse processo, perde tudo que faz dele único.
Quando inicia-se, “My Blueberry Nights” já
começa com predisposições convencionais: Após a inevitável angústia de um
rompimento, a jovem Elizabeth, ou Lizzy (a cantora Norah Jones), se descobre
envolvida com Jeremy (Jude Law), proprietário de um café; no processo de
sedução despido de diálogos que se segue, ele rouba um beijo de Lizzy, ela
aparentemente desacordada sob o balcão –a cena que não somente fornece o título
nacional como também ilustra o poster original do filme, ainda que ela nunca
pareça ter um peso genuíno sobre a trama.
Não há uma explicação mais evidente para a
decisão posterior de Lizzy em partir numa viagem pelos EUA –reencontrar a si
mesma, talvez? Descobrir novas nuances do amor que teme abraçar? –e, de
repente, nem os próprios realizações tivessem intenção de responder a essa
pergunta. Nessa imprecisão, infelizmente, o filme de Kar Wai segue claudicante
e, como era de se esperar, em seu road
movie particular Lizzy se defronta com diferentes facetas do amor e de suas
consequências, algo que, na pretensão da narrativa, deveria servir de reflexo indireto
do próprio amor que Lizzy pode assumir ou não com Jeremy, mas que não são mais
que manobras cheias de presunção onde Kar Wai, em maior e menor grau, recria em
solo americano, as celeumas sentimentais que ele soube tratar com muito mais
profundidade em Hong Kong.
Nessa esteira de coadjuvantes que transcorrem
como atrações no palco de um show de auditório, Lizzy conhece Leslie (Natalie
Portman, fabulosa), uma jogadora inveterada em Las Vegas, bem como uma
mentirosa compulsiva –um reflexo desconfortável da desonestidade da própria Lizzy;
o casal apaixonado Sue (Rachel Weizs) e Arnie (David Strathaim) cuja união se
vê frequentemente fragmentada pelo alcoolismo dele; e muitos outros, onde temos
a oportunidade de testemunhar um desfile fenomenal de grandes nomes do cinema
americano, claramente atraídos pelo interesse de trabalhar com o grande diretor
de “Amores Expressos”.
Um esforço do próprio Won Kar Wai em encontrar
nos cenários coloquiais dos EUA um ambiente favorável para suas intrigas de
amor, “My Blueberry Nights” é lindo em sua identidade visual –a direção de
fotografia leva a assinatura de dois mestres da área, Darius Khondji (de “Seven-Os Sete Crimes Capitais”) e Kwan Pung-Leung (de “Buenos Aires Zero Degree” e “2046-Os Segredos do Amor”) –no entanto, falha na captura de uma impressão específica no
retrato de uma América perpetrada por um estrangeiro, como Win Wenders fez tão
bem em “Paris, Texas”, ou Louis Malle em “Atlantic City”. Da forma como aqui se
expressou, Won Kar Wai muito pouco entendeu dos EUA –e em última instância,
muito pouco teve de vontade de entender –o que torna o retorno de Lizzy, ao fim
do filme, para os braços de Jeremy, numa retomada da mesmíssima cena que compartilharam
no início da sua jornada, uma conclusão bastante redundante acerca das
vicissitudes do amor e da vida. um saldo complicado e nada promissor para uma
obra que, como as demais de Won Kar Wai, se pretende avassaladoramente
romântico e recompensador.
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