A premissa do “homem errado” rendeu alguns dos melhores filmes de Alfred Hitchcock, mas nas mãos dos Irmãos Coen ela representa o ponto de partida de uma de suas obras mais notáveis: O quê passa longe de ser pouca coisa.
Mais conhecido como Dude pelos amigos que, como
ele, freqüentam o mesmo bar de boliche, Jeff Lebowski (Jeff Bridges,
sensacional) descobre da pior maneira que tem um homônimo milionário:
Enrascadas relacionadas a esse outro Lebowski vêem até ele atrapalhar sua
tranqüilidade movida à maconha e ócio –a pra lá de jovem esposa desse velho
magnata desapareceu (ou foi raptada) e os responsáveis por esse ocorrido não o
deixam em paz.
De um lado, o outro Lebowski (David Huddleston,
de “Banzé No Oeste”), milionário cadeirante e assoberbado, o quer como
intermediário no momento de pagar o resgate –afinal, o Dude é o único capaz de
dizer se os sequestradores e os homens violentos que inutilizaram seu precioso
tapete da sala são as mesmas pessoas.
Para ajudá-lo (ou seria atrapalhá-lo?), Dude
conta com o insano Walter (John Goodman, hilário), parceiro do torneio de
boliche e completamente pinel devido à sua experiência na Guerra do Vietnam
–reza a lenda que os Coen basearam esse personagem divertidíssimo, irredutível
e impagável no diretor John Milius (de “Conan-O Bárbaro”).
Tentar descrever “O Grande Lebowski” é uma
tarefa relativamente ingrata: Os Coen valeram-se de seu talento desigual para
criar uma obra engraçadíssima, cuja natureza ligeiramente intrincada remete ao
estilo detetivesco do autor Raymmond Chandler por pura graça, mas cuja trama a
envolver crime e suspeita fica, por assim dizer, em segundo plano. O destaque
quase sempre são exatamente seus personagens, um mais bizarro e idiossincrático
que o outro, e as circunstâncias nas quais diferentes dinâmicas se estabelecem
a partir de encontros movidos por distintos interesses, sempre com o personagem
de Jeff Bridges como uma espécie de mestre de cerimônias.
Além de Dude e Walter, o velho milionário
Lebowski e sua jovem e nada confiável esposa (Tara Reid, de “American Pie”),
temos o braço-direito do velho rico, vivido com sofisticação caricata por
Phillip Seymour Hoffman, o pacato amigo
do boliche Donnie (Steve Buscemi), o adversário do torneio Jesus Quintana (John
Turturo, numa participação breve, irrequieta e antológica), o arremedo de ator
pornô travestido de bandido de meia-tigela vivido por Peter Stormare (de
“Fargo” e “Minority Report-A Nova Lei”), a artista plástica, excêntrica e
egocêntrica, filha do Velho Lebowski (Julianne Moore), o gangster da
pornografia interpretado com fleuma inacreditável por Ben Gazarra, e o cowboy
–e também narrador do filme –que calmamente interfere vez ou outra na narrativa
como quem não quer nada (Sam Elliot, formidável).
Originário de um culto quase sem precedentes no
cinema –há relatos até mesmo de uma religião surgida a partir dos preceitos e
da filosofia de vida do Dude (!?) –o filme dos Irmãos Coen foi um fracasso
comercial na época de seu lançamento em 1998, mas foi redescoberto pelo público
ao longo dos anos até se tornar um fenômeno cultural. Isso se deve, sem sombra
de dúvidas, ao fato de que os expectadores de então não perceberam de imediato
seu humor tão complexo quanto irresistível, sua abordagem desigual de
comportamentos esquisitos (mas que depois ditaram moda) e na manutenção
imprevista de uma trama tão carregada de nuances originais que foi
precipitadamente tachada de non-sense.
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