domingo, 18 de setembro de 2022

Na Roda da Fortuna


 Desigual, como aliás, é desigual toda a filmografia dos Irmãos Coen, “Na Roda da Fortuna”, lançado em 1993, vinha na sequência de obras como “Barton Fink-Delírios de Hollywood”, “Ajuste Final” e “Arizona Nunca Mais”; isto é, os Coen chegavam num ponto da carreira em que, ao mesmo tempo que testavam novas formas de contar uma história abordando gêneros novos e desconhecidos, começavam a experimentar algum tipo de aclamação, com prêmios como a Palma de Ouro por “Barton Fink”.

“Na Roda da Fortuna” é a reafirmação dos Coen por um cinema instintivo onde construíam seus filmes a partir de impressões que, proposital ou não, pouca vontade tinham para ir de encontro às expectativas de público ou crítica. É também uma espécie de retorno às raízes ao firmarem aqui uma improvável colaboração com Ram Saimi que aparece como co-roteirista em numa participação especial (Raimi, ainda atrelado às trincheiras dos filmes de terror de baixo orçamento, havia escrito seu escatológico “Dois Heróis Bem Trapalhões” com a ajuda dos Coen), e uma referência e reverência ao cinema de Frank Capra, no qual, os esmagadores interesses industriais e corporativos estavam sempre fadados a serem sobrepujados pelo inocência e pelas boas intenções.

Como já tinham reputação de serem brilhantes cineastas (e isso, para minha profunda admiração, eles nunca deixaram de ser), os Coen já eram capazes de atrair grandes nomes para seu elenco: Aqui, na trinca de personagens principais, eles contam com Tim Robbins (então aclamado por “O Jogador”, de Robert Altman, e por “Bob Roberts”, também sua estréia como diretor), Jennifer Jason Leight (atriz talentosa que, a despeito de seus papéis sexualmente pesados, conseguira se impor como a grande intérprete que é) e o astro veterano Paul Newman (a cereja no topo do bolo, que coroava os Coen como realizadores capazes de despertar o interesse dos maiores de Hollywood).

O título original de “Na Roda da Fortuna”, “Hudsucker Proxy” –uma brincadeira referencial dos autores com um termo que aparece tanto em “Evil Dead”, de Saimi, como também em “Arizona Nunca Mais”, dos Coen –é, na verdade, o título de uma empresa fabricante da Nova York de 1958. Após o suicídio (mostrado com toda a galhofa pouco usual e o arrojo técnico e artístico que tornara os Coen notórios) de seu presidente-fundador, o executivo-chefe Sidney J. Mussberger (Paul Newman, se divertindo a valer) põe em prática um plano ardiloso: Nomear em seu lugar o substituto mais paspalho possível a fim de que o preço das ações despenque. O escolhido vem a ser o ingênuo e sonhador Norville Barnes (Tim Robbins), recém-chegado do interior à Grande Maçã. Entusiasmo com sua boa sorte, Norville promove a execução de suas ideias –inclusive a quase pueril iniciativa de produzir bambolês em larga escala (!) –enquanto a aguçada e destemida repórter Amy Archer (Jennifer Jason Leight, numa personagem que emula brilhantemente os trejeitos da Rosalind Russell de “Jejum de Amor”) fareja, nessa improvável história, um escândalo escondido, destinado a ilustrar as manchetes dos jornais.

Os rumos inesperados (mas, nem tanto) desse enredo são o sucesso repentino dos bambolês de Norville entre as crianças –o que gero um efeito inverso às expectativas vilanescas de Mussberger –e o enlace romântico entre Norville e Amy, fatores que levam Mussberger a revelar, por fim, suas facetas perversas e manipuladoras.

Na fábula que aqui concretizam, os Coen não se furtam de promover seu final feliz valendo-se das concessões indubitáveis e inevitáveis de Hollywood –esta produção, é bom lembrar, foi seu primeiro filme bancado com um orçamento mais vultuoso de um grande estúdio –mas, o fazem com um sinceridade imprevista e desconcertante: Os fatores sobrenaturais a determinar o rumo de sua conclusão são representados por um curioso e nada celestial anjo vivenciado pelo próprio suicida Waring Hudsucker (Charles Durning). Os Coen colocam na mesma salada Frank Capra e as mazelas da Grande Depressão sob um viés de humor negro, não sem antes, garantir também um molho especial com o sabor de seu próprio e inconfundível cinema.

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