Há uma estranha tendência em voga a dominar o entretenimento. Nela, ícones considerados clássicos sofrem uma espécie de desconstrução em prol de certas agendas ideológicas e discursos politicamente corretos em atividade, sobretudo, nas redes sociais. Colhido num momento em que tal prática parece ter chegado ao seu ápice, “Indiana Jones e A Relíquia do Destino”, o quinto filme da gloriosa franquia que remonta desde os anos 1980, seria uma retomada das aventuras do famoso arqueólogo; uma celebração da tenacidade quase absurda de seu intérprete, Harrison Ford (do alto de seus 81 anos) em permanecer num papel tão fisicamente exigente; e um resgate das aventuras à moda antiga que lotavam cinemas, numa época em que Hollywood e seus realizadores parecem ter perdido o jeito para fazer exatamente isso.
Entretanto, “A Relíquia do Destino” não é
nenhuma dessas coisas: A troca de diretores (sai o veterano, mas ainda ativo,
Steven Spielberg, realizador de todos os quatro longas anteriores; entra o
jovem diretor James Mangold, de “Ford Vs Ferrari”), talvez na intenção de
rejuvenescer aspectos narrativos da franquia, pouco ajudou no fato de que, ao
afastar-se das características identificáveis que agregavam estilo à série –e
que, ao longo dos anos, arregimentaram seus fãs –o novo filme se afasta não só
dos elementos que sempre fizeram de Indiana Jones e seus filmes algo tão
original, mas também afasta a possibilidade desta produção, com todo o vultuoso
orçamento investido, ser um bom filme.
Em seu prólogo, “A Relíquia do Destino” até
alimenta um pouco a esperança do público: Nos anos 1940 (época correspondente
ao período de “Os Caçadores da Arca Perdida”), Indiana Jones (Harrison Ford,
neste início, rejuvenescido por computador) escapa por um triz do jugo dos
nazistas junto de seu amigo Basil Shaw (Toby Jones), numa intrépida cena de
ação sobre um trem em movimento –neste trecho, está em cheque a posse do
precioso Marcador de Tempo de Arquimedes, segundo o qual, seria possível torcer
o fluxo temporal e modificar o passado.
Logo após esse prólogo, somos levados à 1969,
na companhia de um Indiana Jones octogenário, amargurado, desiludido e
aposentado. Na ânsia de afastar-se do mal-recebido “Indiana Jones e O Reino daCaveira de Cristal”, a produção descarta muitos dos elementos plantados por
aquele filme, como o casamento com Marion Havenwood (Karen Allen), agora um
iminente divórcio, e em especial, o filho de Indy, Mutt Williams (vivido
naquele filme pelo irritante Shia LaBeouf), morto em combate, como não tardamos
a descobrir.
A ação começa de fato quando entra no caminho
de Indy uma misteriosa mulher que descobrimos ser sua afilhada, Helena (Phoebe
Waller-Bridge, da série “Fleabag”), filha do já falecido Basil. Helena quer a
ajuda de Indiana para encontrar as duas partes perdidas do Marcador de
Arquimedes –uma das quais esteve nas mãos dele e de seu pai –contudo (e isso,
os realizadores tratam como a maior das novidades), Helena não deseja o
artefato para fins filantrópicos ou altruístas como colocá-lo em exposição num
museu (motivação principal do grande protagonista da série e, até de muitos de
seus antagonistas, também), Helena quer, na verdade, vender a relíquia num
leilão clandestino e faturar dinheiro.
E está aí, na postura de relativo desdém para
com o passado e seus significados, aquela que parece ser a opinião não só da
coadjuvante que busca, o tempo todo, roubar o filme de seu idoso protagonista,
como também a dos realizadores. Enquanto “Indiana Jones” possuía Spielberg na
direção –mesmo que nos filmes nem tão superlativos da saga como o demasiado
sombrio “O Templo da Perdição”, ou mesmo o insatisfatório “O Reino da Caveira
de Cristal” –havia um diretor atento aos elementos icônicos do personagem, aos
impulsos morais que faziam seus códigos de honra serem infalíveis, e à uma
postura cinematográfica e artística que tornava tudo salutar, supino e
translúcido (“Indiana Jones” é bom lembrar, sempre teve profunda influência de
“007”); agora com o esforçado James Mangold na direção (o roteiro ficou a cargo
dele, de Jezz Butterworth e de John-Henry Butterworth), muito disso se perde:
Mangold dirige com plena consciência dos tópicos a serem preservados como
símbolos distinguíveis da série (como a trilha de John Williams, as cenas de
ação impregnadas de uma melindrosidade do cinema mudo de Buster Keaton e Harold
Loyd, os enigmas a serem desvendados em cenários ancestrais, inacessíveis e
inesperados), mas se esquece que seu herói precisa SER Indiana Jones, e não a
desengonçada moça que, neste enredo, o acompanha. Enaltecida de forma bastante
desmedida para ser uma mera coadjuvante, mas pouco memorável para ombrear o
personagem principal, Helena é uma personagem que atende demandas dos tempos
atuais: É empoderada (ou assim julgam os roteiristas que a fazem uma
anti-heroína ambígua durante boa parte do filme), questionadora (já que ela
justifica roubar a relíquia de todo mundo como uma prática que espelha o
próprio capitalismo!) e nem um pouco sexualizada (na verdade, é quase
masculinizada!), Helena é uma personagem concebida, pelo roteiro e pela atriz
que a interpreta com tanta sanha em corresponder aos tópicos liberais da
atualidade (que condenam muito da imagem das protagonistas femininas dos filmes
do passado) que não tiveram tempo de fazer dela alguém com quem o público vá se
importar.
Resultado: A coadjuvante, que em diversos
momentos parece suplantar o verdadeiro herói ao longo do filme (até porque, a
avançada idade de Harrison Ford o impede de atuar com verossimilhança como
Indiana Jones em muitos momentos cruciais e essencialmente físicos da trama) é
chata, sem empatia e sem motivação, não oferecendo absolutamente nenhuma
característica positiva que a faça, por exemplo, mais digna da torcida do
público que os próprios vilões de plantão, vividos, à propósito, por Mads
Mikkelsen e Boyd Holbrook (de “Logan”).
Nenhum comentário:
Postar um comentário