Os grandes filmes, aqueles de qualidade mais inconteste são, normalmente, os mais difíceis de serem comentados. Como colocar em palavras todo o assombro proporcionado pela produção? Como honrar o mérito ímpar dos artistas envolvidos sem fazer parecer que aquilo é meramente um deslumbramento parcial? “Duna-Segunda Parte”, de Denis Villeneuve, vem confrontar críticos e expectadores com esse inusitado dilema.
“Duna-Primeira Parte” foi um épico belo e
avassalador e, embora tenha sido extremamente enaltecido pela crítica que
atentou para as qualidades técnicas espetaculares da realização e para a
bem-sucedida transposição para cinema de elementos antes tidos como intransponíveis
do clássico literário de Frank Herbert, alguns chegaram a se queixar de sua
narrativa dispersa, da natureza essencialmente introdutória dos arcos
construídos ali e de uma esboçada complexidade que, em função de seu final em
aberto, para alguns não levava à lugar nenhum. Pois, esta “Parte Dois” vem
calar cada uma dessas reclamações ao compor junto com o primeiro longa-metragem
uma experiência de ficção científica bela, impactante e intrincada como há muito
as telas de cinema não recebiam.
Começando exatamente no ponto em que o filme
anterior terminou, “Parte Dois” reencontra Paul (Timothée Chalamet) e Jessica
Atreides (Rebecca Fergunson) quando acabaram de unir-se aos Fremen, os
habitantes do desértico planeta Arrakis, após terem sido alvo de uma
conspiração movida pelos obscuros e brutais inimigos da Casa Harkonnen, o que
lhes tirou o controle outrora outorgado pelo Imperador Galáctico (Christopher
Walken) de toda a manufatura de especiaria, o material mais precioso do
universo, encontrado somente nas areias de Arrakis.
A traição contra os Atreides, não tardamos a descobrir,
foi um golpe orquestrado nas sombras pelo próprio Imperador, disposto a por um
fim à influência crescente e preocupante dos Atreides junto às poderosas casas
de nobreza da galáxia. Entretanto, todos esses inimigos conspiradores têm a
convicção de que agora, o problema dos Atreides foi neutralizado, crentes de
que Paul e sua mãe foram mortos junto com seus aliados.
Na realidade, Paul se encontra sob a proteção
do líder Fremen Stilgar (Javier Barden) que acredita fervorosamente que ele
possa ser o Lisan Al Gaib, o messias das profecias de Arrakis plantadas séculos
antes pelas feiticeiras Bene Gesserit que trará a liberdade ao povo Fremen e
fará de Arrakis um paraíso verde. Embora disposto a integrar-se aos Fremen (tarefa
que exige dele o audacioso feito de cavalgar um dos vermes na areia, os
Shai-Hulud, naquela que é uma das grandes cenas do ano) e certamente
interessado em aliar-se aos seus guerreiros para levar sua retaliação aos
Harkonnen e ao Imperador no seu devido tempo, Paul tem lá seus receios em aceitar em definitivo
o papel messiânico no qual muitos já o enxergam, por outro lado, sua mãe,
Jessica, convertida na Madre Superiora dos Fremen, tem grande interesse em
alimentar esse culto e, com isso, segue rumo ao inóspito sul de Arrakis onde se
escondem as tribos fundamentalistas que acatarão cegamente a concretização
dessa profecia e constituirão um exército tão descomunal que prejudicará, em
apoteóticas batalhas subsequentes, a exploração de especiaria a ponto de levar
o Império e todas as grandes casas da galáxia à voltar suas atenções para
Arrakis.
Ao mesmo tempo, a acompanhar essa progressão
épica de eventos em larga escala –e mostrados com um brilhantismo e uma energia
com a qual nenhum filme recente se equipara –temos também a trajetória íntima
de Paul Atreides, um salvador relutante, temeroso em aceitar um papel de tamanha
atribulação num contexto infinitamente maior que ele próprio. Esses arcos
dramáticos, conduzidos com perícia inquestionável pelo diretor Villeneuve,
ressaltam não apenas a precisão e a excelência na atuação de Timothée Chalamet,
talvez a melhor de sua carreira, como também a magnífica construção dos
personagens que o cercam; o ceticismo raivoso de Chani (Zendaya, ótima)
contrabalanceado por seu vínculo sentimental cada vez mais forte com Paul; a
truculenta figura paterna de Gurney (Josh Brolin); o antagonismo psicótico e
imprevisível de Feyd-Rautha Harkonnen (Austin Butler, absolutamente
sensacional); as maquinações sinistras e calculistas das Bene Gesserit (entre
elas Charlotte Hampling, oriunda já do primeiro filme, e Lea Seydoux); e a
atenciosa avaliação da Princesa Irulan (Florence Pugh), historiadora do Império,
a acompanhar com sua narração em off
todos esses eventos.
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