domingo, 3 de março de 2024

DUNA - Segunda Parte


 Os grandes filmes, aqueles de qualidade mais inconteste são, normalmente, os mais difíceis de serem comentados. Como colocar em palavras todo o assombro proporcionado pela produção? Como honrar o mérito ímpar dos artistas envolvidos sem fazer parecer que aquilo é meramente um deslumbramento parcial? “Duna-Segunda Parte”, de Denis Villeneuve, vem confrontar críticos e expectadores com esse inusitado dilema.

Duna-Primeira Parte” foi um épico belo e avassalador e, embora tenha sido extremamente enaltecido pela crítica que atentou para as qualidades técnicas espetaculares da realização e para a bem-sucedida transposição para cinema de elementos antes tidos como intransponíveis do clássico literário de Frank Herbert, alguns chegaram a se queixar de sua narrativa dispersa, da natureza essencialmente introdutória dos arcos construídos ali e de uma esboçada complexidade que, em função de seu final em aberto, para alguns não levava à lugar nenhum. Pois, esta “Parte Dois” vem calar cada uma dessas reclamações ao compor junto com o primeiro longa-metragem uma experiência de ficção científica bela, impactante e intrincada como há muito as telas de cinema não recebiam.

Começando exatamente no ponto em que o filme anterior terminou, “Parte Dois” reencontra Paul (Timothée Chalamet) e Jessica Atreides (Rebecca Fergunson) quando acabaram de unir-se aos Fremen, os habitantes do desértico planeta Arrakis, após terem sido alvo de uma conspiração movida pelos obscuros e brutais inimigos da Casa Harkonnen, o que lhes tirou o controle outrora outorgado pelo Imperador Galáctico (Christopher Walken) de toda a manufatura de especiaria, o material mais precioso do universo, encontrado somente nas areias de Arrakis.

A traição contra os Atreides, não tardamos a descobrir, foi um golpe orquestrado nas sombras pelo próprio Imperador, disposto a por um fim à influência crescente e preocupante dos Atreides junto às poderosas casas de nobreza da galáxia. Entretanto, todos esses inimigos conspiradores têm a convicção de que agora, o problema dos Atreides foi neutralizado, crentes de que Paul e sua mãe foram mortos junto com seus aliados.

Na realidade, Paul se encontra sob a proteção do líder Fremen Stilgar (Javier Barden) que acredita fervorosamente que ele possa ser o Lisan Al Gaib, o messias das profecias de Arrakis plantadas séculos antes pelas feiticeiras Bene Gesserit que trará a liberdade ao povo Fremen e fará de Arrakis um paraíso verde. Embora disposto a integrar-se aos Fremen (tarefa que exige dele o audacioso feito de cavalgar um dos vermes na areia, os Shai-Hulud, naquela que é uma das grandes cenas do ano) e certamente interessado em aliar-se aos seus guerreiros para levar sua retaliação aos Harkonnen e ao Imperador no seu devido tempo, Paul  tem lá seus receios em aceitar em definitivo o papel messiânico no qual muitos já o enxergam, por outro lado, sua mãe, Jessica, convertida na Madre Superiora dos Fremen, tem grande interesse em alimentar esse culto e, com isso, segue rumo ao inóspito sul de Arrakis onde se escondem as tribos fundamentalistas que acatarão cegamente a concretização dessa profecia e constituirão um exército tão descomunal que prejudicará, em apoteóticas batalhas subsequentes, a exploração de especiaria a ponto de levar o Império e todas as grandes casas da galáxia à voltar suas atenções para Arrakis.

Ao mesmo tempo, a acompanhar essa progressão épica de eventos em larga escala –e mostrados com um brilhantismo e uma energia com a qual nenhum filme recente se equipara –temos também a trajetória íntima de Paul Atreides, um salvador relutante, temeroso em aceitar um papel de tamanha atribulação num contexto infinitamente maior que ele próprio. Esses arcos dramáticos, conduzidos com perícia inquestionável pelo diretor Villeneuve, ressaltam não apenas a precisão e a excelência na atuação de Timothée Chalamet, talvez a melhor de sua carreira, como também a magnífica construção dos personagens que o cercam; o ceticismo raivoso de Chani (Zendaya, ótima) contrabalanceado por seu vínculo sentimental cada vez mais forte com Paul; a truculenta figura paterna de Gurney (Josh Brolin); o antagonismo psicótico e imprevisível de Feyd-Rautha Harkonnen (Austin Butler, absolutamente sensacional); as maquinações sinistras e calculistas das Bene Gesserit (entre elas Charlotte Hampling, oriunda já do primeiro filme, e Lea Seydoux); e a atenciosa avaliação da Princesa Irulan (Florence Pugh), historiadora do Império, a acompanhar com sua narração em off todos esses eventos.

Para muito além das tentativas de se adaptar com pompa e circunstância o tomo cultuado de Frank Herbert –a presepada lamentável de David Lynch e Dino De Laurentis, em 1984; e a produção megalomaníaca, porém, jamais materializada em um filme real de Alejandro Jodorowsky –o que Denis Villeneuve entregou aqui foi uma obra sublime do mais puro cinema: Compondo agora as duas partes de um todo harmonioso, exuberante e impecável, a Primeira e Segunda Partes de “Duna” formam um épico de ficção científica inigualável destinado a encantar (com seu visual arrebatador e sua narrativa hipnótica) gerações e mais gerações de cinéfilos.

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