quarta-feira, 27 de março de 2024

Matador de Aluguel


 O cult-movie “Donnie Darko” foi o primeiro filme de Jake Gyllenhaal e o último de Patrick Swayze –é essa coincidência irônica, a entrelaçar os astros do filme original, de 1989, e desta refilmagem, um dos elementos que parece orientar a inspiração do diretor Doug Liman.

Num primeiro momento, tem-se a impressão que o “Matador de Aluguel” original pertence aos anos 1980, e somente nele (e nas circunstâncias sempre inusitadas daquela década) haveria de funcionar; é com um senso irresistível e afiado de escapismo e diversão que Doug Liman se vale para contrariar essa ideia. Este seu “Road House” –o título original –é tão vibrante, viril e memorável quanto o clássico estrelado por Swayze, e essa afirmação, no cinema de hoje, povoado por refilmagens e reboots incapazes de ombrear a criatividade de seus exemplares originais, é quase a constatação de um milagre!

Ex-lutador de UFC –a modalidade de luta do momento –o outsider Elwood Dalton (Gyllenhaal, no personagem que, aqui, enfim recebe nome e sobrenome) vive de brigas clandestinas em bares norte-americanos, em grande medida, beneficiando-se de sua má fama (no passado, ele esmurrou um adversário até a morte!) para intimidar oponentes. Contudo, de alguma forma, isso impressiona a jovem Frankie (Jessica Williams, de “Animais Fantásticos-Os Crimes de Grindelwald”) que o contrata como segurança para botar ordem no bar que ela herdou de seu tio. Localizado na Flórida, na cidadezinha de Glass Key, o bar se chama “A Taberna” e monopoliza a atividade social noturna da região, atraindo também os desordeiros mais violentos.

Logo, Dalton começa a colocar as coisas em seus devidos lugares –mais uma vez, se valendo da fama que seu nome precede –no entanto, ele compreende que as arruaças e agressividades ocorridas no bar de Frankie não são meros contratempos; há alguém interessado em tornar a manutenção daquele estabelecimento um inferno até que seja vendido ou fechado, e esse alguém é o milionário e filho de papai –e vilãozinho da vez –Ben Brandt (Billy Magnussen, de “Twelve-Vidas Sem Rumo” e “007-Sem Tempo Para Morrer"), cujos negócios ilícitos com tráfico de drogas terão especial rendimento se ele dispuser de controle sobre o terreno onde se acha a “Taverna”.

Assim, sem mudar muito as circunstâncias que faziam da trama de “Road House” uma aventura oitentista tão prazerosa, o diretor Doug Liman altera pequenos elementos, acrescenta uma pitada de drama ali, um pouco de mistério bem administrado ali, e transfere a história para a atualidade –na qual ela perde muito daquela aura de maluquice aventuresca dos anos 1980 –fazendo uma produção que transborda tanta alta voltagem e desperta tanto interesse quando o filme original.

Para isso, muito ajuda a presença serena e sólida de Jake Gyllenhaal, um ator cuja convicção em cena ajuda a dissipar o fato de que seu personagem ostenta uma confiança sob pressão por vezes inverossímil –além do background dado ao personagem torná-lo mais crível e humano –e, se o protagonista ganha camadas interessantes, os antagonistas também: Billy Magnussen é um líder de gangue desprezível, detestável, mimado e hilariante, mas seu capanga-mor, o psicótico Knox, é de uma periculosidade palpitante e verdadeira, e seu intérprete, o ex-lutador Conor McGregor, estreia com o pé direito em longa-metragens, entregando uma atuação vulcânica, carismática e exuberante.

No final das contas, é a direção atenciosa e intrépida de Doug Liman (um especialista que entregou obras que vão de “A Identidade Bourne” até “Sr. & Sra. Smith”) que equaciona a diversão deste “Road House” com a do delicioso exemplar oitentista que ele se propõe a recriar, usando de artifícios que poderiam parecer até bastante óbvios (personagens construídos com zelo; atores bem dirigidos; e cenas de ação e pancadaria executadas com perícia e inventividade), mas, continuam sendo de conhecimento de poucos realizadores realmente perspicazes na concepção de um filme simplesmente bom.

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