Quando foram anunciados ao público os filmes
de “Sherlock Holmes” estrelados por Robert Downey Jr., eles foram alardeados
como uma releitura para as novas gerações de expectadores do icônico personagem
do escritor Arthur Conan Doyle, ignorando o fato de que isso já havia sido
feito, nos anos 1980, em “O Enigma da Pirâmide”.
Em Hollywood, afinal, nada se cria, tudo se
copia.
“O Enigma da Pirâmide” –título que eu considero
infinitamente menos interessante que o seu original “The Young Sherlock Holmes”
–era uma produção típica de Steven Spielberg do período, leia-se, uma aventura
de sustos moderados (no entanto, plenos de diversão), emprego astuto dos
efeitos especiais de última geração à disposição na época, e uma reunião de
vários colaboradores e apadrinhados: Aqui, no caso, havia o roteiro do depois
diretor Chris Columbus (que então havia também escrito “Gremlins” e “Os Goonies”) e o diretor Barry Levinson, para quem Spielberg –numa manobra que
depois veio a se arrepender –ceder para dirigir o roteiro de “Rain Man” quando
desistiu da ideia; só para ver o filme e Levinson faturarem o Oscar 1989!
Mas, voltemos à “O Enigma da Pirâmide”: Em sua
proposta salutar de entretenimento (que ele atinge com honras e requintes) e na
construção de um herói novo em folha que promove, o filme muito se aproxima de
características fortemente presentes nos filmes de “Indiana Jones”, do próprio
Spielberg, que faziam grande sucesso –até mesmo a ótima trilha sonora de Bruce
Broughton recria acordes que lembram imediatamente as partituras de John
Williams –a ideia parecia ser conceber uma nova franquia de filmes sucessivos,
acrescida do tempero diferenciado do terror.
O roteiro de Columbus, surpreendentemente
despido de maiores pretensões, imaginava com muita espirituosidade e
descontração, como teria sido o primeiro encontro (nunca revelado nas obras
canônicas de Conan Doyle) entre Sherlock Holmes e seu grande amigo John Watson,
quando ainda jovens, antes do protagonista ter agregado as diversas
características marcantes que o definiriam como grande detetive investigador.
Em plena Inglaterra Vitoriana, o jovem Watson
(Alan Cox, de “O Quebra-Nozes”), narrador do filme com sua voz já adulta (no
caso pertencente à Michael Hordern), chega à uma escola interna só para rapazes
no centro de Londres, e faz de pronto amizade com o brilhante e peculiar
Sherlock Holmes (Nicholas Rowe, de “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes”).
Os dois rapazes, junto da jovem e bela
Elizabeth (Sophie Ward, de “Fome de Viver”), a sobrinha do erudito caseiro
local, Prof. Waxflatter (o veterano Nigel Stock), e mentor de Holmes –de quem,
já no final do filme, ele herda o famoso chapéu de duas abas –têm o interesse
despertado por uma súbita e suspeita onda de estranhas mortes assolando respeitados
cavalheiros da sociedade londrina, todos aparentemente ligados por um
misterioso pacto; que inclui, por sinal, o Prof. Waxflatter.
Embora organizado com minúcia e zelo, os
elementos ‘de origem’ a respeito da trajetória de Holmes que se somam, bem como
as pistas do mistério que seu já afiado tino investigativo vão enumerando e
elucidando, não chamam tanto a atenção no filme quando as formidáveis
encenações das mortes que se seguem.
Nelas, uma figura sinistra e encapuçada
normalmente aparece e dispara um dardo em suas vítimas. Tal dardo, carrega um
alucinógeno que os leva a ver imagens aterradoras, materializadas em filme com
o brilhantismo que uma produção bancada por Steven Spielberg é capaz de
ostentar: E nem a direção de Levinson, nem o roteiro de Columbus economizam
esforços para fazê-las memoráveis; como quando um cavalheiro vê uma ave assada
em seu prato criar vida e o atacar, as pequenas gárgulas decorativas de um
antiquário investirem contra o Prof. Waxflatter; os doces de confeitos de um
sonho adquirirem movimento para se jogar na boca do próprio Watson; ou, a mais
antológica delas, os vitrais de uma catedral saltarem de dentro da janela e
personificados no próprio cavaleiro ali retratado (num uso pioneiro e primoroso
de efeitos visuais computadorizados) atacarem o aflito reverendo.
Só Deus sabe as razões que
impediram esta acertadíssima aventura de
ganhar novas sequências e originar uma franquia –intenção bem que havia
como demonstra sua cena pós-crédito (sim, isso já existia até nos anos 1980!)
revelando a existência do arquinimigo supremo de Holmes, o Prof. Moriarty
–sendo assim, o público teve de se contentar com esta notável produção
escapista, mescla afiada e contagiante de aventura, suspense, personagens
carismáticos e história divertida e envolvente como só... bem, como só Steven
Spielberg sabia fazer.
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