terça-feira, 9 de junho de 2020

A Saga Crepúsculo

Crepúsculo
Em algum momento da década 2000 os estúdios promoveram uma corrida para se tentar emplacar uma série nos moldes de “Harry Potter” –da mesma maneira que hoje os estúdios tentam repetir o feito do Universo Marvel Cinematográfico –em parte, consequência do surgimento de inúmeras séries, drasticamente oscilantes em qualidade, vindas da literatura que, capitaneadas pelo bruxinho criado por J.K. Rowling, deram origem à categoria conhecida como “young adults”.
Dentre essas séries logo destacou-se a saga romântica escrita por Stephenie Meyers, “Crepúsculo”, uma das primeiras a tentar seguir os passos de “Harry Potter” no cinema.
Entretanto, se “Harry Potter” fascinava pela qualidade insuspeita de seu texto e, depois, pelos valores legítimos de suas adaptações, “Crepúsculo” se tornou conhecido por razões um tanto... tortas.
Uma mescla peculiar de romance, intriga adolescente e revisão da mitologia dos vampiros, “Crepúsculo”, ainda na literatura já dividia opiniões: Uns identificavam no estilo pouco original de Meyers a inclinação de pretensões mercadológicas de sua escolha, além de uma série de elementos pontuais de gosto muito duvidoso (como veremos mais a frente). Outros, porém (em geral, um fã-clube ferrenho de adoradoras brutais que a série ganhou no mundo todo), só tinham olhos para os personagens protagonistas e sua história de amor deslavada com alto investimento nos aspectos mais rebuscados do romantismo –e esse aspecto também, com o tempo, passou a ser imitado.
Para conduzir a adaptação do primeiro livro, “Crepúsculo”, os executivos da produtora Summit Enterteinment recrutaram Catherine Hardwicke, que havia chamado atenção da crítica e do público dirigindo o drama juvenil “Aos Treze”, após uma carreira como designer de produção de filmes como “Vanilla Sky”.
O raciocínio tinha lá seu sentido: Uma diretora aparentemente capaz, de profundo conhecimento estético e autora de um louvável trabalho ao capturar nuances de uma idade em transformação como a adolescência –um mote poderosamente presente na obra de Meyers.
Contudo, ao assistirmos “Crepúsculo” a impressão que temos é de que a direção de Hardwicke mais plantou os elementos que determinaram a perene controvérsia qualitativa da saga e menos soube inicia-la com a necessária excelência.
Bella é uma garota tímida e deslocada (e é com essas características, empregadas sem restrição, que Kristen Stewart a interpreta). De Phoenix, nos EUA, onde morava com a mãe (Sarah Clarke, da série “24 Horas”), ela muda-se para o Canadá, na nublada e chuvosa Forks onde passa a viver na casa do pai (Billy Burke).
Segue-se o período habitual de adaptação à nova escola, onde Bella identifica os altamente populares Cullen, entre os quais o notoriamente charmoso Edward (Robert Pattinson, vindo diretamente de sua participação em “Harry Potter e O Cálice de Fogo”, no papel que o tornou um astro para o bem e para o mal).
Ela também faz amizade com Jacob (Taylor Lautner), um dos rapazes indígenas moradores da reserva –e que, por conta disso, não pode acompanhar Bella na escola.
Pouco a pouco, Bella vai descobrindo, contudo, que Edward e toda sua família são, na realidade, vampiros (!). Mas, não vampiros como o cinema e a literatura, entre tantos títulos honoráveis, nos levaram a conhecer: Primeiramente, eles não atacam seres humanos, vivendo em vez disso de uma dieta de sangue de animais; algo como um vegano entre os humanos (e talvez isso explique a cara de vento que Edward ostenta todo o tempo, passivo diante de presas que seu instinto selvagem ordena atacar). Eles também não são vampiros que queimam na luz do sol, mas, em vez disso revelam a pele brilhante e cintilante (numa manobra que fez a série virar chacota no mundo todo); daí a escolha deles morarem em Forks onde o sol quase nunca aparece no tempo coberto.
O apelo do filme –e de toda a saga –vem a ser o fato de Edward apaixonar-se por Bella: Mais do que um vampiro apaixonar-se por uma mortal, a fantasia romântica que capturou a imaginação de plateias femininas do mundo todo, mostra uma variação de príncipe encantado, dotado de poderes (Edward é comparado com super-heróis por Bella em dado momento), de popularidade e de evidente sex-appeal, um ser lendário, caindo de amores por uma jovem absolutamente comum e que, justamente por sua insistente normalidade ganha plena identificação do público.
Lua Nova
Na aguardada sequência, agora dirigida por Chris Weitz (de “Um Grande Garoto” e “A Bússola de Ouro”) os rumos dramáticos levam a um inesperado rompimento de Bella e Edward –ele chega à conclusão de que sua proximidade pode fazer mal a ela, algo que Edward não consegue tolerar.
Longe de seu amado, e desesperada por conta disso –faceta da personagem que irritou muitos detratores na época pela forma com que foi mostrada –Bella se arrisca em várias situações perigosas ao perceber que, nesses momentos, uma espécie de imagem fantasmagórica de Edward surge para adverti-la.
No entanto, o solícito amigo Jacob aparece para confortá-la, e eis que ele tem também seus segredos: Jacob é um lobisomem, ou um transmorfo que assume a forma de um lobo gigantesco, tal e qual todo o restante de sua tribo a partir de determinada idade.
Aqui se constrói então o triângulo amoroso que definirá muito da saga até seu quase final –Bella (na qual muitos não enxergam tanto atrativo assim) dividida entre duas criaturas emblemáticas do gênero horror por ela apaixonadas; Edward, o vampiro, e Jacob, o lobisomem. Na realidade, triângulo amoroso é um termo talvez até desonesto para se referir à circunstância morna da trama. Nunca existem dúvidas de que, por livre iniciativa da protagonista, ela deixaria de escolher Edward, o que relega Jacob a um injusto posto de coadjuvante fadado à derrota –não fossem alguns momentos verdadeiramente inspirados em que seu intérprete, Taylor Lautner, consegue sobrepujar em cena o insosso Robert Pattinson.
Apesar dos pesares, “Lua Nova”, no frigir dos ovos, é provavelmente o mais bem dirigido dentre os capítulos da “Saga Crepúsculo”: É nele que está alguns dos momentos considerados os mais pertinentes de toda a saga, ou nele estão sugeridos com mais propriedade os tópicos que iráo norteá-la até o final.
E tem o mérito de possuir ao menos uma cena bastante bem feita e memorável: Bella, em sua desolação, está em seu quarto de coração partido vendo o tempo passar, e sem tirá-la de foco, a câmera executa várias vezes um movimento em 360° ao seu redor enquanto a paisagem de fora de suas janelas vai mostrando a gradativa passagem dos meses e das estações climáticas.
Eclipse
Para dirigir a terceira parte da saga, então já polarizada entre seus fãs (ou seria melhor dizer, SUAS fãs) que enalteciam a série e idolatravam seus intérpretes e todo o resto do mundo que simplesmente não tinha paciência para o resultado afetado, medíocre e esquisito que era obtido filme a filme, foi incumbido o diretor David Slade que em “30 Dias de Noite” havia feito um brilhante trabalho ao lidar com essa outra mitologia de vampiros –e, por conta disso, imaginava-se a possibilidade de “Eclipse” trazer uma reviravolta qualitativa à série, elevando-a num nível maior e melhor de cinematografia, talvez refletindo o que Alfonso Cuarón havia feito em “Harry Potter e O Prisioneiro de Azkaban”, também a terceira parte daquela saga.
A grande surpresa foi que não.
O material simplesmente não saiu do lugar em termos de validez cinematográfica.
Jurada de morte, Bella agora precisa ser protegida pelos membros da Família Cullen, pelos lobisomens liderados por Jacob e por outros vampiros que marcarão presença.
O motivo: Um grupo de vampiros, capitaneados por Victoria (vivida por Rachelle Lefevre anteriormente, aqui substituída por Bryce Dallas Howard), desejosa de vingança desde que o romance entre Bella e Edward acarretou a morte de seu amado James (Cam Gigandet, de “Quebrando Regras”) lá atrás no finalzinho de “Crepúsculo”, está seguindo na direção de Forks para promover um massacre.
Amanhecer-Parte Um
Quando “Amanhecer”, o último livro, foi escrito, a autora Stephenie Meyers já convivia com o curioso fenômeno que veio a se tornar a saga em sua versão cinematográfica. É interessante notar como os excessos e esquisitices decorridos na adaptação para cinema terminaram influenciando elementos no capítulo final que, para variar, seguiu os passos de “Harry Potter e As Relíquias da Morte” e também dividiu o último livro em dois filmes, atitude também tomada pelo posterior, e mais acertado, “Jogos Vorazes”.
Na hora de escolher o novo e derradeiro diretor para os dois capítulos finais, os produtores ainda tentando rechaçar os detratores que jamais deram desconto para a saga optaram pelo conceituado Bill Condon, que dirigiu-se os elogiados “Deuses e Monstros”, “Kinsey-Vamos Falar de Sexo” e “Dreamgirls-Em Busca de Um Sonho”.
Como seus antecessores, Bill Condon faz o que pode para emprestar alguma dignidade ao material, mas sua tarefa é dura: Na trama que se ocupa da primeira metade do último livro, Bella e Edward se casam e vão passar sua lua-de-mel em Paraty, no Brasil –isso mesmo, não bastasse a propaganda onipresente em todas as cópias do DVD lançado por sua distribuidora em terras nacionais, a Paris Filmes, a tal pousada de Paraty conseguiu aparecer no próprio filme!
É ali que, na tentativa louvável de tentar conferir alguma relevância visual numa das sacadas mais bizarras e radicais do livro, Bella engravida de Edward (!), e o embrião, um misto de humano e vampiro, a está consumindo por dentro (!!), o que exige que Edward transforme Bella numa vampira de uma vez por todas, antes que morra –coisa que ela pede praticamente desde o primeiro filme!
Amanhecer-Parte Dois
Durante o final todo floreado –mas, certamente previsível –da “Parte 1”, Bella se transformou em vampira, se descobrindo toda poderosa nessa nova condição; o que, inclusive, rende uma cena bastante calhorda da parte da personagem em relação à Jacob ainda no começo...
Ela e Edward tiveram uma filha, Renesmee, que cresce rapidamente (em poucos meses, é quase uma pré-adolescente), e é interpretada, na breve fase bebê por uma versão digital que forneceu ainda mais munição aos críticos detratores da saga, e na fase um pouco maior por Mackenzie Foy (de “Interestelar”). O problema é que Renesmee é considerada um ser anti-natural, nem humano, nem vampiro, que aos olhos do poderoso Clã Volturi –a casta dominante de vampiros que apareceu em “Lua Nova”, liderados por Aro (Michael Sheen) –não deveria existir. E por isso, eles conduzem um verdadeiro exército de vampiros que atacará Forks a fim de capturar Renesmee.
Essa alardeada batalha final reúne os vampiros do lado de Bella e Edward e os lobisomens do lado de Jacob –e praticamente, todos os personagens da saga –numa sequência-clímax que, sob justificativas de se fazer surpreendente, sofre uma terrível negligência da parte de seus realizadores ao ser banalizada por uma estranha reviravolta.
A “Saga Crepúsculo” assim se encerra tão polêmica quanto começou, incapaz de ostentar qualidades que harmonizem as opiniões daqueles que a odeiam de forma intolerante e aqueles que a adoram de maneira embriagada –curioso é notar que, na predileção por romances de natureza ligeiramente distorcida que revelou do público, “Crepúsculo” tenha antecedido, seja na literatura, seja no cinema, o fênomeno erótico “Cinquenta Tons de Cinza” –cujos protagonistas foram, declaradamente inspirados em Bella e Edward –afinal de contas, as adolescentes que foram obcecadas pela saga de Stephenie Meyers, passados uns anos, já tinham idade para assistir histórias de amor bem mais picantes.

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