quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Conflitos Internos / Os Infiltrados


 Conflitos Internos

Extremamente prestigiado em Hong Kong, o diretor Andrew Lau é um hábil manejador de tramas prolixas, capaz de ressaltar suas arestas de originalidade em meio à gêneros e conceitos dos quais público e crítica tendem a subestimar.

Uma de suas obras mais aclamadas –pelo menos, no Oriente, onde obteve largo sucesso –“Conflitos Internos”, o qual ele co-dirigiu em colaboração com Alan Mak no ano de 2002, não somente é um brilhante thriller policial e, a sua maneira, uma evocação apaixonada dos meandros complexos e fascinantes com os quais Francis Ford Copolla forjou a mitologia de seu “O Poderoso Chefão” como também é o imprevisto estopim (até para seus realizadores!) de uma bem-sucedida trilogia.

Neste primeiro filme, testemunhamos, em meio ao submundo criminal de Hong Kong, as trajetórias de um criminoso e de um policial, interpretados por Andy Lau (não confundir com o diretor de quem ele é quase homônimo!) e Tony Leung, respectivamente, que em paralelo se infiltram entre seus próprios inimigos. Ambos acabam ganhando a confiança nas suas áreas. Ironicamente, o policial disfarçado de bandido torna-se um dos homens de confiança do chefe da quadrilha quando surge a suspeita de que há um espião entre eles. Ao mesmo tempo, o gangster infiltrado na polícia integra uma equipe justamente para descobrir quem está entregando informações aos bandidos. Pouco a pouco, os dois estão prestes a desmascarar um ao outro.

Andrew Lau e Alan Mak trabalham maravilhosamente bem a circunstância de suspense do filme, cuja impecável atmosfera nos faz desconfiar de cada movimento, de cada olhar mal-disfarçado; é um mundo de suspeitas onde ninguém pode confiar em ninguém, e cada ato parece supervisionado por inimigos ávidos por ter alguém a quem desmascarar.

Como em toda trama de intriga, Lau e Mak justapõem os antagonistas deixando bem clara a forma preocupante com que estão inseridos entre as fileiras inimigas –mas, somente isso fica cristalino; tudo o mais (alianças, motivações, lealdades) é deixado brilhantemente ambíguo, de forma a potencializar sua tensão, que acaba coroada com um final impiedoso do qual o viés shakesperiano embutido em sua premissa converge a um eco ensurdecedor.

O segundo filme da trilogia (realizado em decorrência de seu inesperado sucesso de público, visto que esta é, evidentemente, uma história planejada com começo, meio e fim) trata-se de uma espécie de prequel que esmiuça com mais detalhes o passado dos dois personagens principais, enquanto que o terceiro termina sendo, de fato, a continuação, mostrando os desdobramentos e consequências do desfecho do primeiro filme.


Os Infiltrados

Como costuma ocorrer a um filme estrangeiro de insuspeita qualidade a destacar-se entre as milhares de obras produzidas pelo mundo ano a ano, “Conflitos Internos” –ao menos, a primeira e, de certa forma, a segunda parte –acabou sendo refilmado em 2006. E não uma refilmagem qualquer: “Os Infiltrados” ganhou direção de ninguém menos que Martin Scorsese (recém-saído de seu suntuoso épico “O Aviador”) e foi estrelado por Leonardo Dicaprio ao lado de Matt Damon, o elenco conta ainda com Jack Nicholson numa de suas últimas participações num longa-metragem antes da aposentadoria.

A trama, ainda que roteirizada pelo conceituado William Monahan (de “Cruzada”), replica a de “Conflitos Internos” com constrangedora proximidade: Um policial (Dicaprio) infiltra-se na máfia de Massachussets, em Boston, enquanto paralelamente, um espião da máfia (Damon) é plantado na força policial. Os anos se passam e cada um dos respectivos infiltrados adquire confiança em sua corporação até a descoberta de que ambas as partes possuem um espião. A trama acompanha então a nervosa investigação (e consequente duelo) para que um consiga desmascarar o outro.

Como costuma acometer nas refilmagens promovidas pelos norte-americanos, a despeito da qualidade um tanto desafiadora do material que tentam refilmar, os realizadores se esforçam bastante para incrementar os elementos já presentes no filme original; e aqui, o roteiro de William Monahan é desonestamente astuto ao aproveitar muito da trama, não apenas do primeiro, como também do segundo filme: Ao valer-se do original e de sua prequel, os realizadores de “Infiltrados” têm a chance de moldar uma obra mais robusta, com mais elementos dramáticos a oferecer diante do enxuto “Conflitos Internos” –além da presença inédita do personagem de Mark Whalberg, inexistente no original, que acrescenta um elemento mais contundente ao desfecho, ainda que algo questionável –e, embora este seja de fato um filme menor dentro de sua formidável filmografia, um filme dirigido por Martin Scorsese ainda É dirigido por Martin Scorsese: A mitologia de toda a criminalidade de Boston concebida para o filme é rica e notável em seu detalhamento, e o diretor não somente equilibra atuações de forma a todos soarem impecáveis (Jack Nicholson, nitidamente substituindo uma presença que seria regularmente de Robert De Niro, não acaba roubando a cena de ninguém como inicialmente poderíamos presumir) como também evoca um sem-fim de referências cinematográficas vastas –que vão de cortes abruptos e imprevisíveis decalcados de Glauber Rocha à sutis manobras narrativas extraídas de antigos filmes noir –regendo o que pode ser chamada de uma sinfonia de violência e psicologia.

Ainda que tímido diante de tantas obras maiúsculas que Scorsese entregou antes e depois (e certamente inferior, mesmo que com todos os seus esforços, à produção original na qual foi inspirado) coube a este pequeno épico policial a honra de ser a produção pela qual Martin Scorsese finalmente recebeu seu Oscar de Melhor Diretor. Ele traz a fúria narrativa e a costumeira maestria que um mestre como Scorsese consegue criar, mas, não tenha dúvidas, é bastante simplório na comparação com muitos de seus trabalhos.

Em tempo, no ano de 2009, houve mais uma refilmagem de “Confiltos Internos”, desta vez, realizada na Coréia do Sul (uma indústria cinematográfica a qual nunca se deve subestimar), com o título inglês de “City of Dammation”, dirigida por Dong Won Kim e concebida numa variação –pasmém –de comédia!

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