Conflitos Internos
Extremamente prestigiado em Hong Kong, o
diretor Andrew Lau é um hábil manejador de tramas prolixas, capaz de ressaltar
suas arestas de originalidade em meio à gêneros e conceitos dos quais público e
crítica tendem a subestimar.
Uma de suas obras mais aclamadas –pelo menos,
no Oriente, onde obteve largo sucesso –“Conflitos Internos”, o qual ele
co-dirigiu em colaboração com Alan Mak no ano de 2002, não somente é um
brilhante thriller policial e, a sua maneira, uma evocação apaixonada dos meandros
complexos e fascinantes com os quais Francis Ford Copolla forjou a mitologia de
seu “O Poderoso Chefão” como também é o imprevisto estopim (até para seus
realizadores!) de uma bem-sucedida trilogia.
Neste primeiro filme, testemunhamos, em meio ao
submundo criminal de Hong Kong, as trajetórias de um criminoso e de um
policial, interpretados por Andy Lau (não confundir com o diretor de quem ele é
quase homônimo!) e Tony Leung, respectivamente, que em paralelo se infiltram
entre seus próprios inimigos. Ambos acabam ganhando a confiança nas suas áreas.
Ironicamente, o policial disfarçado de bandido torna-se um dos homens de
confiança do chefe da quadrilha quando surge a suspeita de que há um espião
entre eles. Ao mesmo tempo, o gangster infiltrado na polícia integra uma equipe
justamente para descobrir quem está entregando informações aos bandidos. Pouco
a pouco, os dois estão prestes a desmascarar um ao outro.
Andrew Lau e Alan Mak trabalham
maravilhosamente bem a circunstância de suspense do filme, cuja impecável
atmosfera nos faz desconfiar de cada movimento, de cada olhar mal-disfarçado; é
um mundo de suspeitas onde ninguém pode confiar em ninguém, e cada ato parece
supervisionado por inimigos ávidos por ter alguém a quem desmascarar.
Como em toda trama de intriga, Lau e Mak
justapõem os antagonistas deixando bem clara a forma preocupante com que estão
inseridos entre as fileiras inimigas –mas, somente isso fica cristalino; tudo o
mais (alianças, motivações, lealdades) é deixado brilhantemente ambíguo, de forma
a potencializar sua tensão, que acaba coroada com um final impiedoso do qual o
viés shakesperiano embutido em sua premissa converge a um eco ensurdecedor.
O segundo filme da trilogia (realizado em
decorrência de seu inesperado sucesso de público, visto que esta é,
evidentemente, uma história planejada com começo, meio e fim) trata-se de uma
espécie de prequel que esmiuça com mais detalhes o passado dos dois personagens
principais, enquanto que o terceiro termina sendo, de fato, a continuação,
mostrando os desdobramentos e consequências do desfecho do primeiro filme.
Os Infiltrados
Como costuma ocorrer a um filme estrangeiro de
insuspeita qualidade a destacar-se entre as milhares de obras produzidas pelo
mundo ano a ano, “Conflitos Internos” –ao menos, a primeira e, de certa forma,
a segunda parte –acabou sendo refilmado em 2006. E não uma refilmagem qualquer:
“Os Infiltrados” ganhou direção de ninguém menos que Martin Scorsese
(recém-saído de seu suntuoso épico “O Aviador”) e foi estrelado por Leonardo
Dicaprio ao lado de Matt Damon, o elenco conta ainda com Jack Nicholson numa de
suas últimas participações num longa-metragem antes da aposentadoria.
A trama, ainda que roteirizada pelo conceituado
William Monahan (de “Cruzada”), replica a de “Conflitos Internos” com
constrangedora proximidade: Um policial (Dicaprio) infiltra-se na máfia de
Massachussets, em Boston, enquanto paralelamente, um espião da máfia (Damon) é
plantado na força policial. Os anos se passam e cada um dos respectivos
infiltrados adquire confiança em sua corporação até a descoberta de que ambas
as partes possuem um espião. A trama acompanha então a nervosa investigação (e
consequente duelo) para que um consiga desmascarar o outro.
Como costuma acometer nas refilmagens
promovidas pelos norte-americanos, a despeito da qualidade um tanto desafiadora
do material que tentam refilmar, os realizadores se esforçam bastante para
incrementar os elementos já presentes no filme original; e aqui, o roteiro de
William Monahan é desonestamente astuto ao aproveitar muito da trama, não
apenas do primeiro, como também do segundo filme: Ao valer-se do original e de
sua prequel, os realizadores de “Infiltrados” têm a chance de moldar uma obra
mais robusta, com mais elementos dramáticos a oferecer diante do enxuto
“Conflitos Internos” –além da presença inédita do personagem de Mark Whalberg,
inexistente no original, que acrescenta um elemento mais contundente ao
desfecho, ainda que algo questionável –e, embora este seja de fato um filme
menor dentro de sua formidável filmografia, um filme dirigido por Martin Scorsese
ainda É dirigido por Martin Scorsese: A mitologia de toda a criminalidade de
Boston concebida para o filme é rica e notável em seu detalhamento, e o diretor
não somente equilibra atuações de forma a todos soarem impecáveis (Jack
Nicholson, nitidamente substituindo uma presença que seria regularmente de
Robert De Niro, não acaba roubando a cena de ninguém como inicialmente
poderíamos presumir) como também evoca um sem-fim de referências cinematográficas
vastas –que vão de cortes abruptos e imprevisíveis decalcados de Glauber Rocha
à sutis manobras narrativas extraídas de antigos filmes noir –regendo o que
pode ser chamada de uma sinfonia de violência e psicologia.
Ainda que tímido diante de tantas obras
maiúsculas que Scorsese entregou antes e depois (e certamente inferior, mesmo
que com todos os seus esforços, à produção original na qual foi inspirado)
coube a este pequeno épico policial a honra de ser a produção pela qual Martin
Scorsese finalmente recebeu seu Oscar de Melhor Diretor. Ele traz a fúria
narrativa e a costumeira maestria que um mestre como Scorsese consegue criar,
mas, não tenha dúvidas, é bastante simplório na comparação com muitos de seus
trabalhos.
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