sábado, 16 de dezembro de 2023

Forças do Destino


 Da série “filmes que desapareceram no tempo e na memória”, a comédia romântica “Forças do Destino” é uma produção sem muito sentido e sem muita noção, feita na época pra capitalizar em cima dos estrelatos relativamente recentes de Sandra Bullock e Ben Affleck. Naqueles anos 1990 de então, tinha-se muito aquela coisa de investir no carisma de astros para carregar obras de gênero fácil que, com tramas formulaicas e testadas, arregimentavam, sem muito esforço, plateias aos cinemas. Não é preciso nenhuma dificuldade para perceber que “Forças do Destino”, lançado em 1999, é exatamente isso; escrito com estranho desmazelo, interpretado com inspiração oscilante por todo o elenco e dirigido com opções estéticas e narrativas que hoje soam de gosto duvidoso, é um filme que, na maior parte do tempo, nos faz perguntar o que levou estrelas em ascensão como Sandra e Ben (ela havia feito “Enquanto Você Dormia” e começava a se sagrar como a nova rainha das comédias românticas em Hollywood; ele participou, no ano anterior o block-busterArmageddon”), a aceitar esse projeto.

Ele está longe de ser uma catástrofe, não me entendam mal (catástrofe mesmo foi “Contato de Risco”, que Ben Affleck estrelou poucos anos depois, mas essa é outra história...), mas é um filme que, não raro, coloca seus protagonistas em situações vexatórias, na maioria das vezes constrangedoras (sem, no entanto, apelar àquele humor inconsequente dos filmes dos anos 1980), e cuja premissa não fornece motivações boas o suficiente sequer para o próprio enredo existir, que o diga para o público comprar tudo o que se sucede em cena.

Tudo começa com o personagem Ben Holmes (o próprio Ben Affleck, com a mesma cara de novinho de “Gênio Indomável”) na sua despedida de solteiro, em Nova York. Ben está prestes a se casar com Bridget (Maura Tierney, de “O Mentiroso”) e, apesar de ser bom-moço e da convicção no matrimônio que tenta ostentar, não lhe faltam circunstâncias que lhe sugerem a armadilha que o casamento pode representar –é como se o filme (que aliás, é escrito por Marc Lawrence e dirigido por Bronwen Hughes) fizesse o tempo todo uma espécie de propaganda anti-matrimonial a incitar o personagem principal; e, por consequência, o público em relação aos rumos a que trama haverá de tomar.

Uma vez em Nova York, Ben deve tomar o avião para Savannah, na Flórida, onde Bridget o aguarda para enfim realizarem a cerimônia, e nesse ínterim, convidados não param de chegar. Contudo, eis que o avião –que ele toma lado à lado da tresloucada personagem de Sandra Bullock, Sarah –tem uma pane e acaba não conseguindo decolar. Com ambos coincidentemente tendo de estar em Savannah muito antes dos horários dos próximos voos (ela precisa estar lá para executar uma venda imobiliária), Sarah e Ben resolvem, digamos, unir forças para conseguirem chegar na cidade o quanto antes, obtendo caronas alternativas, em carros, trens, ônibus e no que aparecer –e claro, confusões se seguem nesse processo.

Em princípio, pode lembrar bastante a premissa básica do clássico oitentista “Antes Só Do Que Mal Acompanhado”, do diretor John Hugues (nenhum parentesco com a diretora Bronwen Hugues), com Ben Affleck repetindo o papel de Steve Martin, enquanto Sandra Bullock é a força da natureza que transforma a viagem numa sucessão de confusões, assim como o falecido John Candy, mas não é bem assim: O filme se revela frouxo e desbotado em seu humor sem graça, inadequado nos momentos de seriedade em que pretende discutir certos aspectos da vida a dois, e falho no romance, uma vez que Ben Affleck consegue o feito inacreditável de não possuir química alguma com a maravilhosa Sandra Bullock –que, não se engane, é a melhor coisa do filme a despeito da personagem contraditória, desregrada, bipolar e incoerente que ela tenta interpretar.

Como o filme de qualidades e intenções duvidosas que é, “Forças do Destino” permite aos expectadores atuais enxergarem muito melhor seu lapsos abissais hoje do que na época em que foi feito: Como comédia romântica, ele parece estranhamente focar muito mais a atenção de seu roteiro (já bem pouco atencioso) no protagonista masculino e sua dúvida pouco original em assumir o casamento, do que na personagem feminina, uma vez que esse é o procedimento de maior parte das comédia românticas funcionais (isso porque a diretora é uma mulher!!), além de ser um verdadeiro pecado desperdiçar Sandra Bullock no auge da beleza, da formosura e do magnetismo (logo, ela estrelaria uma sucessão prejudicial de projetos rasteiros como este, até enfim fazer as pases com o sucesso, em “Miss Simpatia”, mas, essa também é outra história...). Resta somente o elemento curioso no fato de que, indo na contra-mão do gênero à que pertence, o desfecho contraria muito do que o próprio filme vinha discorrendo, inclusive em níveis subliminares, para levar o personagem de Ben a terminar junto com sua noiva, e a personagem de Sandra resolver seus próprios assuntos pendentes por conta própria –ou seja, eles não terminam juntos! O que, longe de ser um mérito, deve ter também frustrado o público-alvo para o qual supostamente este trabalho haveria de ter sido feito.

Para piorar ainda mais a situação desde filme inconstante e insípido, naquele ano de 1999, o cinema norte-americano testemunhava uma revolução temática e qualitativa com o lançamento de verdadeiros clássicos modernos, onde novos realizadores exploravam os limites do cinema como nunca antes, tais como “Matrix”, “Clube da Luta”, “Quero Ser John Malkovich”, “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes”, “Requiem Para Um Sonho” e “Três É Demais”. Já não havia mais, portanto, espaço para comédias românticas bobinhas e abiloladas feitas a toque de caixa.

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