domingo, 10 de setembro de 2023

Drácula - A Última Viagem do Demeter


 Dirigido pelo norueguês André Ovredal (do sensacional “Caçador de Troll”), este “A Última Viagem do Demeter”, ao contrário, das inúmeras transposições do romance de Bram Stoker para o cinema, se concentra num único recorte do livro –no caso, os trechos do capítulo 7 que correspondem à narrativa em off do Capitão Elliot cuja voz, vez ou outra, se faz ouvir no filme. Dessa forma, Ovredal se debruça num momento específico da trama –justamente um que menos atenção recebeu nas demais adaptações do que outras passagens mais relevantes ao enredo –e à ele proporciona profundidade, minúcia e esclarecimento num nível que nem mesmo o livro teve oportunidade para fazer; e com isso, redescobre novas e imprevistas similaridades na obra centenária de Stoker (como a grande semelhança que esta passagem específica guarda com “Alien”, de Ridley Scott) e molda uma bela obra de terror, a um só tempo bem-vinda em sua inovação (pois, o conceito de vampiro é revisitado com novas características) e sólida em seu tradicionalismo (pois, acaba sendo um filme de época e uma ótima oportunidade para uma esmerada reconstituição).

A Costa da Inglaterra é assolada, numa madrugada tempestuosa de 1897, pela chegada macabra de um navio-fantasma, o Demeter, no qual nenhum membro da tripulação se encontra vivo (!). Logo, em um longo flashback, as considerações escritas pelo Capitão Elliot (Liam Cunningham, de “A Princesinha”) em seu diário de bordo vão esclarecer melhor a situação: Tendo partido semanas antes do porto de Varna, o Demeter levava em sua tripulação, entre outros, o marujo escolado e letrado Clemens (Corey Hawkins, de “Kong-A Ilha da Caveira”), o imediato Sr. Wojchek (David Dastmalchian, de “O Esquadrão Suicida”), o sueco Olgaren (Stefan Kapicic, o Colossus de “Deadpool”), o garotinho Toby (Woody Norman), neto do Capitão, e mais alguns outros. Junto deles, uma estranha carga de caixotes carregados de terra (!?) deixados aos cuidados dos marinheiros por ciganos romenos, os quais só não despertaram mais suspeitas devido ao generoso pagamento pelo seu transporte até a Inglaterra.

Entretanto, a medida que o Demeter se aventura em alto-mar, acontecimentos sinistros e sem explicação começam a assolar a embarcação: Os animais levados à bordo –alguns porcos, galinhas, carneiros e até mesmo um cachorro –são misteriosamente mortos pelo que aparenta ser um animal selvagem e descomunal. Na sequência, em meio à avistamentos pouco críveis –um ser semelhante a uma gárgula que aparece, de relance, para um dos marinheiros –alguns dos homens começam a sumir. Ao tentar investigar, o Sr. Clemens encontra, dentro de uma das caixas, uma moça, Anna (Aisling Franciosi), quase moribunda e em completo estado de inanição. Valendo-se de seus conhecimentos médicos –e buscando driblar a superstição da tripulação que atrelavam toda a má sorte das últimas noites à presença de uma mulher à bordo –o Sr. Clemens restabelece Anna com algumas transfusões de sangue, e ela termina por revelar que estivera naquela caixa como prisioneira de uma criatura que necessitava viver de seu sangue. A mesma criatura que agora ataca, noite após noite, os membros da tripulação um a um enquanto aguarda sua chance de aportar na Inglaterra e levar sua sanha de morte e sangue para o resto do mundo.

Bem produzido e extremamente bem elaborado nos quesitos fotografia e direção de arte, “A Última Viagem do Demeter” deixa claro, desde o início, que não almeja reinventar a roda; trata-se apenas de um bom filme de terror, certamente um dos mais satisfatórios dos últimos anos, até mesmo o fato de versar sobre uma história já bastante conhecida é contornado com espirituosidade pelos realizadores –o prólogo que entrega um desfecho que, em tese, todo o público já deve saber, é um indicativo disso –e, sem muita pretensão, acaba oferecendo uma faceta distinta de um dos mais clássicos monstros do cinema: Drácula já foi mostrado como um dândi romântico (no fenomenal “Drácula de Bram Stoker”), um ser de qualidades abstratas e anacrônicas (“Drácula”, de Todd Browning), uma criatura repulsiva em sua sede de sangue (“Nosferatu”, de F.W. Murnau), um ser sobrenatural a padecer de sua maldição (“Sangue Para Drácula”), um antagonista de aventuras juvenis oitentistas (“Deu A Louca Nos Monstros”), um imortal condenado à uma existência parasitária (“Nosferatu”, de Werner Herzog), até mesmo um pastiche mal-ajambrado de super-herói ("Drácula-A História Nunca Contada”) e tantas outras versões (o que faz dele um dos personagens recordistas em encarnações cinematográficas!), aqui, André Ovredal lhe confere as dimensões irrefreáveis do monstro legítimo que ele é, sem disfarces nem rebuscamentos, o que potencializa a sensação de ameaça a permear esta obra sombria do início ao fim.

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