sábado, 21 de outubro de 2023

Bobby


 Indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Dramático em 2006 –tendo perdido para “Babel” de Alejandro Gonzáles Iñarritu –“Bobby” é uma obra que reúne um elenco numeroso e respeitável, todos esses atores e atrizes dando vida a personagens periféricos em torno da figura maior, sobre a qual pairam as maiores reflexões que este trabalho almeja suscitar: O então candidato à presidência dos EUA, Bobby Kennedy, irmão do mesmo John F. Kennedy, morto à tiros em Dallas cinco anos antes, que, naqueles idos de 1968, era uma esperança para a América –os EUA começavam a enxergar com contestação a Guerra do Vietnam, e os conflitos raciais (o assassinato de Martin Luther King havia sido recente) geravam turbulência em todos os cantos do país. Idealista, jovem e carismático –e representante de uma estirpe política vista com ingênua adoração pelo povo americano –Bobby era um raro caso onde tinha a seu favor a simpatia de todas as classes sociais norte-americanas. Seus discursos enalteciam a união do povo, sua verve era inteligente, polida e esperançosa. Bobby, em suma, era a última esperança para os EUA que adentravam o período mais conturbado de sua História recente.

Todavia, Bobby Kennedy foi alvejado à tiros –um exemplo macabro que parecia repercutir, de alguma forma, a tragédia de seu irmão –ao sair de um discurso, em plena cozinha do Hotel Ambassador, onde foi para comemorar a vitória de sua candidatura para presidente, em eleições a serem disputadas contra Richard Nixon no ano seguinte. O filme surpreendentemente dirigido pelo ator Emilio Estevez (cujo pai, Martin Sheen, também se encontra no filme) não cede à tentação de escalar um ator para interpretar Bobby e converter este num recorte de suas últimas horas –ao invés disso, “Bobby” usa da tragédia notória deflagrada em seu cerne para observar os seres humanos que orbitavam Bobby  naquele momento, e quais teriam sido suas expectativas, e de que maneira seus futuros foram arremessados num turbilhão de perplexidade que, à sua maneira, resumiu o subconsciente norte-americano nas décadas seguintes.

A começar a trama naquele 6 de junho de 1968, temos o gerente do hotel, Paul (William H. Macy) ocupado em administrar todos os afazeres dos inúmeros funcionários para a recepção das comemorações do Partido Democrata, o que inclui a apresentação da cantora Virginia Fallon (Demi Moore) que traz à tira-colo seu marido Tim (o próprio diretor Emilio Estevez) e todos os problemas que seu alcoolismo vem acarretando ao seu casamento. De outro lado, há o porteiro John Casey (Anthony Hopkins), viúvo e aposentado, cuja solidão o leva a enxergar o Ambassador como seu segundo lar. Ele tem a ocasional companhia do igualmente desiludido e solitário Nelson (Harry Belafonte, de “O Diabo, A Carne e O Mundo”), junto de quem tece intermináveis conversas sobre o avanço da idade regadas à muito uísque. No staff de funcionários do Ambassador, o filme concebe um pequeno microcosmos da América: Na cozinha, regida pelo insensível Timmons (Christian Slater), o jovem imigrante José (Freddy Rodriguez, de “Garotas Sem Rumo”) se ressente da folga que lhe foi negada naquela noite, embora encontre relativo alento na serenidade contagiante do cozinheiro-chefe, Edward (Laurence Fishburne, extraordinário). No salão de beleza do lugar, a cabeleireira Miriam (Sharon Stone) tem de se desdobrar enquanto atende os caprichos de Virginia Fallon ao mesmo tempo em que prepara a jovem noiva Diane (Lindsay Lohan), disposta a casar com o jovem William (Elijah Wood) para livrá-lo do compromisso com o exército, e ainda descobre um inesperado adultério de seu marido –o gerente Paul, à propósito –com uma das telefonistas do hotel (Heather Graham). Entre os hóspedes, o casal Jack (Martin Sheen) e Samantha (Helen Hunt) se vê às voltas com a compulsão de compras (dela) e um resíduo de depressão (dele) enquanto lidam com as expectativas ao seu redor. E, em meio às deliberações do Partido Democrata, cujos delegados se encontram no hotel, os jovens estagiários Jimmy (Shia LaBeouf) e Cooper (Brian Geraghty) escapam de suas responsabilidades para descobrir os efeitos do LSD junto do fornecedor de drogas local (uma ponta de Ashton Kutcher).

O roteiro, escrito pelo próprio Emilio Estevez, une personagens reais e (muitos) fictícios para elaborar uma espécie de afresco que ganharia muito mais propriedade nas mãos de um diretor como Robert Altman –na verdade, parece ser o trabalho e o estilo dele que, em muitos momentos, “Bobby” busca emular, sem no entanto escapar de uma ligeira superficialidade. Felizmente, Emilio Estevez soube escolher realmente um elenco primoroso para honrar seus vários personagens (os embates interpretativos entre Sharon Stone e Demi Moore e entre Anthony Hopkins e Harry Belafonte são particular sensacionais de se assistir) e sua mescla de trama real com ficção dramatúrgica –bem como as emendas documentais com o filme propriamente dito –são executadas com primor e profissionalismo inquestionáveis.

São acertos assim que tornam “Bobby” um filme válido, e ampliam de fato a percepção dramática presente na reflexão em torno da tragédia que se sucede no desfecho –já com um considerável distanciamento de tempo em relação aos eventos traumáticos para o povo americano que reconstitui, o filme de Emilio Estevez vislumbra, sem muito ratificar, as possibilidades perdidas, os sonhos devastados e a esperanças à mingua que acontecimentos como aquele legaram ao país. No final, sua pouca inclinação ao sutil acaba tem um saldo positivo: Apesar dos pesares, não é um filme que confronta o expectador com a desesperança e a tristeza inerentes à sua época.

Se fosse Robert Altman, o papo seria outro.

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