terça-feira, 14 de outubro de 2025

Monstro - A História de Ed Gein


 A cultura norte-americana, sempre definida por um viés fetichista em relação à violência, é obcecada por serial killers. É comum, portanto, muitos deles serem transformados em temas para filmes, séries, livros e até histórias em quadrinhos. Deles, um dos mais notórios certamente foi Ed Gein, cuja trajetória macabra inspirou inúmeros produtos da cultura pop. A antologia “Monstro”, da Netflix, concebida pelo mesmo Ryan Murphy que produziu as séries “Glee” e “American Horror Story”, se debruça sobre casos estarrecedores de serial killers –já foram perpetradas antologias sobre Jeffrey Dahmer, e sobre os Irmãos Menendez, agora, neste terceira incursão, eles se voltam para Edward Theodore Gain, o assim chamado “Açougueiro de Plainfield”.

Como dito antes, Ed Gein não é nem um pouco desconhecido ao mundo do entretenimento –inspirados por ele, foram realizados filmes como o clássico “Psicose”, o transgressivo “O Massacre da Serra Elétrica”, o premiado “O Silêncio dos Inocentes”, e até mesmo um telefilme biográfico (entre outros, claro) do ano 2000, estrelado por Steve Railsback (de “Força Sinistra”), ainda que dotado da irregular qualidade televisiva da época.

Na minissére de Murphy, em oito episódios, Ed Gein surge interpretado por Charlie Hunnam (de “Círculo de Fogo”), que traz um elemento astucioso para sua caracterização –ele ressalta as características provincianas e simplórias de Ed Gein, em contraponto à fera selvagem que seus atos reafirmam que ele é, gerando incredulidade no expectador.

Acompanhamos a vida de Ed Gein desde tenra idade –mais ou menos a partir de 1945 –quando ainda jovem era o segundo filho de uma família tão tóxica quanto disfuncional, na cidade de La Crosse, no Wisconsin. A mãe de Gein (Laurie Metcalf, de “Lady Bird” e “JFK-A Pergunta Que Não Quer Calar”) era fervorosamente religiosa, seu pai um alcóolatra que ela logo descartou e seu irmão mais velho, um rebelde que se opunha aos ditames da matriarca. Sobrou ao jovem e submisso Ed toda a carga de amargura, repressão, ressentimento e aversão aos homens que sua mãe era incapaz de disfarçar. Ao longo da criação de Ed, ela travestia fanatismo religioso com uma misantropia implacável –dizia que as mulheres (às quais chamava de Jezebel) eram seres corruptíveis e pecaminosos e que, na qualidade de homem, Ed estava terminantemente proibido de espalhar sua ‘semente’ em uma delas. O AVC que sofreu, pouco antes de morrer, só acentuou ainda mais sua aversão e seu ódio por tudo e por todos. Já Ed, alienado dentro desses preceitos, não tardou a começar a confundir alucinação com realidade –mal notou quando deu cabo do próprio irmão (!), vindo mais tarde a encobrir o assassinato dele simulando uma incêndio no celeiro da fazenda!

Na esteira desses acontecimentos, Ed Gein vai encontrando, ao longo dos anos que se seguem, meios para executar atrocidades inacreditáveis na solidão de sua fazenda, como violar sepulturas e roubar os cadáveres (sempre mulheres) para então esquartejá-los, usando as partes para inúmeras bizarrices (como confeccionar potes com os crânios, usar a pele para revestir móveis, ou até fazer sexo!), e vez ou outra, até mesmo perpetrar homicídios de fato.

É num desses casos (quando mata a mãe solitária de um dos policiais da cidade, apropriando-se do corpo para, depois, estripá-lo!) que ele é descoberto, e sua prisão o leva a um julgamento popular (de onde sai diagnosticado como imputável devido à sua insanidade, algo revoltante para muitos) e de lá é internado num hospício, onde fica até a velhice.

A série, num recurso narrativo cheio de floreios nem sempre pertinentes, relata a progressão de sua psicopatia desde o princípio, mas não resiste à tentação de focar episódios quase inteiros em outros personagens, alguns deles inspirados (ou inspirando) os atos de Ed Gein: É o caso de Ilsa ‘She Wolf’ Kock (Vicky Krieps, de “Tempo” e “Trama Fantasma”), esposa de um oficial da cúpula nazista, notória pelas crueldades com que torturou e matou empregados judeus sob seu jugo (e que veio a ser a principal fonte de inspiração para todo um fenômeno fetichista do pós-guerra, o naziexploitation, cujos quadrinhos eram consumidos por Gein); o próprio diretor Alfred Hitchcock (Tom Hollander, de “Piratas do Caribe-No Fim do Mundo”) subitamente capturado por um irreprimível fascínio pela história de Gein quando decide, em 1964, realizar seu seminal “Psicose”; o próprio ator Anthony Perkins (Joey Pollari), intérprete de Norman Bates em “Psicose” que, anos depois, não encontra meios de se dissociar do icônico papel; o diretor Tobe Hopper que, no fim dos anos 1970, enxerga um enfoque totalmente novo e inesperado na sanha assassina de Ed Gein quando concebe o desconcertante e simbólico “Massacre da Serra Elétrica”; a jovem Adeline Watkins (Suzanna Son), jovem desajustada de La Crosse que envolve-se com Ed Gein e escapa de tornar-se uma de suas vítimas justamente por conta da terrível morbidez que compartilhava com ele; a influência de Gein mesmo em obras aclamadas como a caracterização do antagonista de “O Silêncio dos Inocentes” (a mais breve de todas as menções, pouco mais que uma cena); e, no último capítulo, a forma como Ed Gein, por ter sido inaugural em toda uma vertente de assassinos psicopatas que afloraram nos EUA no Século XX, já idoso, contribui com a polícia e o FBI na captura de outro feroz serial killer, o também notório Ted Bundy –numa manobra que muitos críticos enxergaram como uma redenção do personagem, uma escolha narrativa problemática que, à sua maneira, parece ignorar os aspectos moralmente reprováveis de seu protagonista.

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