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terça-feira, 18 de agosto de 2020

Garotos Incríveis

O largamente saboroso roteiro concebido por Steve Kloves (diretor de “Susie & Os Baker Boys” e roteirista da maioria dos filmes de “Harry Potter”), adaptado do livro de Michael Chambon, acompanha três dias na vida do meio professor, meio escritor Graddy Tripp interpretado por Michael Douglas.
Como é um professor, Tripp fala de  seus alunos e suas histórias –como o desajustado e potencialmente genial James Leer (Tobey Maguire, antes de virar o “Homem-Aranha” pelas mãos de Sam Raimi); ou a sedutora Hannah Green (Katie Holmes, antes de virar a Sra. Tom Cruise e dele divorciar-se), jovem a um passo de virar seu flerte.
E, como também é escritor, Tripp narra o próprio filme que protagoniza ora em tom de comédia, ora em tom de drama –por vezes diante do dilema, um tanto batido mas aqui muito prazeroso e envolvente, de ter sido um escritor de sucesso às voltas com o fato de ser incapaz, no presente, de recriar as obras-primas que todos esperam dele .
Saído da batuta então em estado de graça do diretor Curtis Hanson (seu projeto anterior havia sido o aclamadíssimo “Los Angeles-Cidade Proibida”), “Garotos Incríveis” não tem uma trama que possa ser esboçada numa sólida sinopse propriamente dita: Com desembaraço e talento sem igual, ele acompanha uma sucessão de incidentes que têm como elemento fixo o protagonismo de Tripp e que, de um jeito ou de outro, representam algum abalo ressonante em sua vida pessoal, sejam as divertidas enrascadas que vão se somando graças à sua  imprevista amizade com James –como quando tentam ocultar o cadáver de um cachorro que fulminaram sem querer (!), perdem um casaco que pertenceu à Marilyn Monroe (!!) ou quando se deparam com o irreprimível e espalhafatoso editor de Tripp, Terry Crabtree (o sempre fantástico Robert Downey Jr.) –sejam os contratempos acarretados pela notícia da gravidez de Sara Gaskell (Frances McDormand), a mulher que ele ama (casada com o chefe de seu departamento!) e que espera um filho seu, mas cujo compromisso leva o imaturo Tripp a ter de confrontar-se com todo o narcisismo, a inconsequência e o comodismo que sua condição de astro literário possibilitou cultivar.
Personagem suculento e tão cheio de camadas e elementos a serem refletidos quando o Lester Burnham de “Beleza Americana” –outro grande filme sobre crise de meia-idade a sair por aqueles tempos –Tripp, em alguns momentos, parece espelhar o próprio Michael Douglas, na tremenda adequação que se percebe entre ator e personagem: Um festejado galã nos anos 1980 (além de filho da lenda Kirk Douglas), Michael Douglas, ao lado de personalidades como Al Pacino, Clint Eastwood e outros, adentrou a década de 2000, sob a sombra da ingrata necessidade de reinventar-se com a chegada evidente e irreversível da idade.
Demonstrando o mesmo bom gosto que sempre norteou sua postura e escolha de projetos a mantê-lo em relevância na ribalta, Douglas compreendeu intimamente e sem amarguras o ônus e o bônus da passagem do tempo, e imprime essas espirituosas considerações na inspirada interpretação que entrega aqui –e tão luminosa ela é que certamente foi uma das grandes injustiças da Academia não ter-lhe indicado ao Oscar de Melhor Ator naquele ano.
Graças a ele, ao maravilhoso elenco coadjuvante que o cerca e ao trabalho empolgante de Curtis Hanson, “Garotos Incríveis” é um filme desprovido de embates explosivos, de decibéis elevados e confrontos acalorados, em vez disso, é algo tocante e engraçado, feito de pura e simples maestria.

domingo, 15 de janeiro de 2017

O Senhor das Feras/O Príncipe Guerreiro

Lançado no mesmo ano (1982) de “Conan-O Bárbaro” (e de certa forma perdido em meio à tantas produções genéricas e oportunistas que tentaram pegar carona no sucesso do filme com Schwarzenegger), este curioso “The Beastmaster” guarda algumas semelhanças com aquela obra, como a pegada descompromissada dos anos 1980, na qual princípios politicamente corretos eram até saudavelmente ignorados, deixando de lado a auto-censura, para moldar um épico de aventura com todas as características de um cult.
Embora seja um entretenimento familiar (como é inclusive discriminado na classificação livre indicada na capa do DVD), ele não se isenta de ter cenas de nudez, alguma malícia e um nível de violência e fatalismo alto para os padrões das aventuras de fantasia atuais.
Percebe-se um tratamento bastante semelhante (guardadas as devidas proporções entre os orçamentos díspares, claro) dado à “O Senhor dos Anéis”, que Peter Jackson só viria a adaptar quase trinta anos depois. A razão é simples: Tanto Don Coscarelli (o diretor deste filme) quando Peter Jackson foram diretores formados essencialmente nas fileiras de filmes de terror de baixo orçamento (Coscarelli ficou famoso entre os cinéfilos, pelas cultuadas produções da saga de terror com cinco longa-metragens, “Phantasm”, e o desigual “Bubba Ho Tep”). Logo, é inerente à sua natureza, que esses realizadores enfatizassem as características mórbidas e o tom sombrio de seus trabalhos, concedendo a eles um peso dramático distinto –é também, novamente, a mesma coisa que ocorreu à “Conan-O Bárbaro” que, sob a batuta de John Millius, preservou realismo a autenticidade, elementos que até hoje o tornam memorável.
Pode-se dizer que a mesma coisa ocorreu à “The Beastmaster”, ainda que este trabalho seja bem mais obscuro para o público leigo.
Sua trama acompanha a trajetória de Dar (Marc Singer, uma escolha adequada ao papel, e dirigido de maneira correta o suficiente para ocultar sua canastrice), um príncipe deposto ainda na barriga da mãe, quando seu pai, o rei, tem o trono usurpado pelo sanguinário e fanático Maax (Rip Torn, o tipo de ator perfeito para interpretar vilões).
Adotado por um camponês, Dar cresce desenvolvendo espantosos (e mal explicados) poderes com os quais se comunica com os animais, além de poder ver e sentir o quê eles vêem e sentem. Após de ter sua aldeia chacina por tropas de Maax, Dar se refugia na floresta, entre os animais (em particular, na companhia de dois furões, um falcão e uma pantera), até conhecer uma escrava chamada Kiri (Tanya Roberts, um espetáculo de formosura), que acaba servindo como motivação para ele enfrentar Maax, e cumprir uma antiga profecia.
É um filme cheio de características bastante próprias, datado, mas que usa esse fato em seu favor –o tom de aventura oitentista, somado ao bom trabalho de direção proporciona a ele um apelo dos mais charmosos.
A confusão envolvendo o título deste filme é algo que também não ajudou muito o público que o prestigiou na época do VHS, em encontrá-lo agora, na era digital: Em VHS, período em que fez grande sucesso nas videolocadoras, este filme chamava-se “O Senhor das Feras”.
Todavia, quando foi exibida na TV uma continuação bastante picareta feita anos depois –e que, de tão ruim, continuou inédita em vídeo –o título dado foi “O Príncipe Guerreiro 2”. Para o lançamento em DVD, em retrocesso, a distribuidora resolveu intitulá-lo “O Príncipe Guerreiro”, mantendo uma ligação (ainda que desnecessária) com a sequência.
Quando vemos a atuação de Marc Singer nessa continuação –bem como o desenvolvimento de toda a trama, na qual Dar e seus animais são injustificadamente teleportá-los para o NOSSO mundo (!!!) –percebemos o quanto é competente e equilibrada a direção de Don Coscarelli neste primeiro filme.
Mais um ótimo filme para a lista de cult-movies adorados por seus apreciadores, mas que mereciam um reconhecimento muito mais amplo do público em geral.

domingo, 25 de setembro de 2016

Maria Antonieta

A carreira cinematográfica de Sofia Coppola recebeu grande ajuda e incentivo de seu pai, o ilustre Francis Ford. Mesmo antes quando (ainda bem jovem) Sofia experimentou alçar vôos como atriz, seu pai a ajudou –ele deu a ela um papel fundamental em “O Poderoso Chefão Parte 3”, com resultados insatisfatórios.
Depois que ela decidiu tornar-se diretora, ele produziu todos os seus filmes, de “As Virgens Suicidas” até o mais recente “Bling Ring-A Gangue de Hollywood”, deixando bem claro, para o pai e para o mundo, o estilo que ela adotaria para contar histórias.
Em algum momento dessa filmografia notável que Sofia construiu, Coppola, o pai, tentou colocá-la num projeto que tivesse mais a sua cara.
Leia-se: Um trabalho suntuoso, com tinturas épicas. Mais clássico do que alternativo.
O resultado foi “Maria Antonieta” que, polarizado entre os estilos bastante díspares do pai (produtor) e da filha (diretora) transfigurou-se não em uma cinebiografia da célebre rainha da França, mas em um esforço de tentar entender sua personalidade, estranhamente localizado numa área nebulosa entre o intimista e o espalhafatoso.
Com uma carreira que já a gabaritava como veterana no cinema, a relativamente jovem atriz Kirsten Dunst (que ganhou muita fama como Mary Jane nos filmes do “Homem-Aranha”, de Sam Raimi, e já havia trabalhado com Sofia em “As Virgens Suicidas”) entregou uma interpretação engajada e rica em minúcias, bem ao gosto de sua diretora, para a princesa austríaca, Maria Antonieta, que num casamento arranjado, aos 14 anos, é arrancada do seu ambiente familiar e arremessada na corte francesa, como esposa do reticente e infantil rei Louis XVI (Jason Schwartzman) –que, à propósito, ela mal conhecia!
A narrativa de Sofia Coppola, assim, a acompanhará dos 14 aos 27 anos, mostrando muito do período em que ela teve de aprender a lidar com as complicadas exigências sociais e políticas de um posto de monarca, dando à trajetória de Maria Antonieta uma ótica que a aproxima das meninas sem perspectiva de “As Virgens Suicidas” e da deslocação e do vazio existencial experimentado pelos personagens de “Encontros e Desencontros”.
Uma visão que, é bom lembrar, atribui certa simpatia à ela, o quê contraria bastante a idéia que a França, em geral, faz dela, sempre lembrando-a com aversão.
Nesse ensejo, Sofia também cria um painel de afresco da própria realeza do período ao qual essa jovem rainha pertenceu, retratando-a como um grupo de pessoas sem muito que fazer a não ser mergulhar no hedonismo e na futilidade, algo possível só pela riqueza e ostentação da classe em que se encontravam. Elementos da narrativa que Sofia parece sublimar no que diz respeito à superficialidade, mas que revelam-se cruciais para os rumos que a trama toma –inclusive em termos históricos.
De quebra, ainda tirou, do cotado como favorito "Diabo Veste Prada", o Oscar de Melhor Figurino em 2007.

quarta-feira, 9 de março de 2016

O Homem Que Caiu Na Terra

O alienígena de David Bowie nos remete um pouco de Ziggy Stardust, embora esse álbum nada tenha a ver com esta produção de Nicolas Roeg: É mais uma referência para ficar  oscilando na mente do expectador, como a presença de Michael Keaton (o ator de “Batman” de Tim Burton) em “Birdman”.
Nicolas Roeg não é, nem nunca foi, um cineasta simplista. Sua visão dos desdobramentos da vida e do mundo está impregnada por toda a sua obra, na morbidez gótica revelada à luz do dia em “Inverno de Sangue Em Veneza”, ou no fatalismo que não poupa nem mesmo as crianças do fantástico “Walkabout-A Grande Caminhada”, no cinema de Roeg não existe nada puro e inocente o bastante que não esteja sujeito à cruel transfiguração da realidade. Não é nem mesmo uma questão de adaptação, como irá descobrir o incauto alienígena personificado por David Bowie. Vindo de um planeta onde os sobreviventes penam pela falta de água, ele chega à Terra com intenções de enriquecer e assim projetar uma nave com a qual poderá levar o líquido precioso para seu planeta e sua família.
Mas, os anos vão se passando, e sua pureza vai cedendo cada vez mais aos vícios intermitentes que a corruptível sociedade humana tem a oferecer, enquanto seus entes queridos são esquecidos.
É curioso como numa história que características poderosamente fantasiosas, Roeg impõe um estilo quase pessimista que contraria gradativamente todas as expectativas do expectador: Se somos impelidos a crer que esse “E.T.” para adultos irá conseguir salvar sua espécie, somos pouco a pouco frustrados pelo registro agravante do tempo que se passa, e pela própria expressão do personagem de Bowie que, apesar de não envelhecer como o restante do elenco que o cerca, vai ganhando ares cada vez mais cansados, e mais desprovidos de vida.
Um lembrete de que em toda a tragédia, nunca somos nós, os únicos a sofrer.