Pode ser um pouco difícil para alguns expectadores lidar com as verdades impactantes acerca da vida moderna com as quais este formidável documentário nos confronta. Produção exclusiva da Netflix, este “O Dilema das Redes” traz para a luz dos holofotes os depoimentos de Tristan Harris e de vários outros ex-funcionários de algumas das mais poderosas empresas de automação mundial, como o Facebook, o Instagram, o Gmail, o Pinterest, o Twitter, o TikTok e o Google –e todos eles, revelam terem sido testemunhas de uma prática corporativista despida de princípios morais. Uma prática que já conduziu a alguns momentos de profunda celeuma da nossa civilização atual e, afirmam categoricamente certos especialistas, pode levar ao colapso total da sociedade humana como nós a conhecemos.
Sim, dirigido por Jeff Orlowski, “O Dilema das
Redes” é assustador nesse nível!
O que acontece é que Tristan Harris, assim como
os programadores Justin Rosenstein e Tim Kendall, e o cientista da computação
Jaron Lanier, além de muitos outros, viram por dentro o funcionamento de
empresas que nasceram no Vale do Silício e que, com o advento implacável e
irrefreável da internet, cresceram
exponencialmente a ponto de ditarem os rumos globais. Entretanto, ninguém
previu os efeitos colaterais acarretados pela transformação irreversível dos
relacionamentos interpessoais com a adição das mídias digitais. Segundo eles, a
ideia de anonimato nas redes sociais é pura ilusão: A tecnologia atual é mais
do que capacitada para rastrear e compilar dados sobre qualquer pessoa, dentre
tantos bilhões, que se veem conectados em todo o planeta Terra. Em seus
depoimentos, eles afirmam, há um algoritmo para toda e qualquer pessoas
conectada (e isso inclui, VOCÊ, que neste momento lê este texto!), e esse
algoritmo, numa primeira análise, estuda os padrões de comportamento e gostos
pessoais do usuário, para então sugerir páginas e mais páginas daquilo que ele
está inclinado a gostar. É, no entanto, uma ilusão: O algoritmo tem apenas duas
diretrizes principais; a primeira é garantir a conectividade do usuário e
fazê-lo viciar nas mídias digitais disponíveis (e o algoritmo é tão
incrivelmente eficiente nisso porque foi projetado por estudiosos do comportamento
humano com base em noções aprimoradas de psicologia); a segunda e mais terrível
de suas diretrizes é que o algoritmo essencialmente foi criado para estabelecer
uma manipulação que cerceia cada pessoas conectada. Alienação humana. Uma vez
monitorados os padrões comportamentais e as predisposições culturais, políticas
e sociais da pessoa, o algoritmo sabe para qual nicho de pensamento pode
direcionar o usuário da rede, sem que ele sequer perceba o que está sendo
feito.
Com base nesse procedimento, já realizado à
décadas, aconteceu o Movimento Terraplanista, o Pânico da Covid e a recente
Polarização Política –além de outros tantos fenômenos comportamentais em massa.
O extremismo ideológico é apenas uma das inúmeras consequências do impacto das
redes sociais –e das inteligências artificiais que a regem –na condução da
nossa sociedade. As gerações mais novas, aquelas que cresceram tomando contato
direto com as tecnologias móveis como o celular, são as mais afetadas: No ponto
em que estão, os jovens têm seus cérebros absolutamente incapazes de se
desvencilhar da conectividade. Numa encenação alarmante realizada com o
objetivo de ilustrar o efeito da manipulação do algoritmo sobre as pessoas,
vemos os membros de uma família tentando lidar com os vícios em tecnologia dos
dois filhos mais jovens (vividos por Skyler Gisondo e Sophia Hammons). A mãe
propõe que fiquem uma hora –uma única hora! –desconectados a fim de terem um
almoço tranquilo em família. Para tanto, ela coloca os celulares dentro de um
pote hermético com um timer
programado para se manter fechado por 60 minutos. Após alguns segundos de
desconforto da parte dos filhos adolescentes, a caçula nota o celular piscando
com os avisos de notificações e não resiste à vontade de tentar abrir o pote. Quando
não consegue, ela simplesmente pega um martelo (!) e destrói o pote para poder
pegar novamente seu celular (!!).
É curioso constatarmos que, do ponto de vista
jurídico, quase não existam leis que se apliquem ao uso ou o desuso da internet –e isso é somente um dos
fatores por meio dos quais esse controle desmedido e assombroso (algo quase orwelliano) sobre a vida de milhões de
pessoas é executado sem qualquer impunidade, legislação ou questionamento moral.
Especialistas em automação garantem que o desempenho sem freios do algoritmo
sobre a índole desses jovens tão sugestionáveis pode levar o mundo, em questão
de anos, a um cenário caótico como uma disfunção autocrática e uma economia
global em ruínas –e essas são as calamidades que PODEM ser previstas; existem
ainda aquelas que podem surgir sem que ninguém espere!