segunda-feira, 30 de junho de 2025

Predador - Assassino de Assassinos


 Brilhante filme de ação jamais igualado pelas continuações que se seguiram, “O Predador”, de John McTiernam, é hoje um clássico do cinema dos anos 1980. Instigante. Vertiginoso. Bem feito. As sequências, oscilantes em qualidade, sequer arranhavam sua excelência –e, para piorar, ainda fizeram um crossover (“Alien Vs Predador”) dos mais genéricos e picaretas. Contudo, em 2022, o lançamento de “Predador-A Caçada”, de Dan Trachtenberg, deu aos fãs um sopro de esperança.

Se não era um filmaço como o original, ao menos, “A Caçada” tinha competência técnica, era bem realizado, envolvente e, principalmente, exibia um entendimento da narrativa básica do primeiro filme que –nem isso! –os outros filmes conseguiram ter (bem, talvez, dando um certo desconto para “Predador 2” e “Predadores”...): O conceito de opor o grande cerne da mitologia (os alienígenas caçadores denominados Yautjas) a um diferenciado e desafiador adversário humano.

Compreendendo que eram as possibilidades em torno das variadas ambientações dos novos filmes um dos grandes atrativos que a franquia poderia ter, o diretor Dan Trachtenberg trouxe o Predador caçando uma tribo indígena. Agora, neste mais recente projeto –não mais uma filme live-action, mas, desta vez uma animação, formato que se explica em cenas impraticáveis para uma encenação humana que aparecem em todos os segmentos –o diretor Dan Trachtenberg retorna trazendo o mesmo senso de ritmo ininterrupto, a mesma concepção inteligente de roteiro (onde a construção da tensão e da ação ganham camadas tão complexas quanto o próprio enredo) e a compreensão (que inacreditavelmente faltou na maioria dos realizadores dos filmes anteriores) de que o astro da produção –aquele para o qual sempre se volta toda a atenção do público –não é nenhum elemento humano (embora, também isso necessite, sempre, de cuidado e zelo), mas sim o já icônico alienígena.

Dividido em três episódios, “Assassino dos Assassinos” começa com “O Escudo”, no qual acompanhamos a guerreira viking Ursa, no ano de 841 D.C., cuja sanha de destruição promovida por seus guerreiros tem um único objetivo: Chegar até a Tribo Krivich, na Escandinávia, governada por Zoran, bárbaro que, quando Ursa era ainda uma criança, matou-lhe o pai, e dele vingar-se. Nesse percurso sangrento (até demais para os padrões que normalmente se espera de uma animação!), Ursa e seus guerreiros –que incluem seu próprio filho Anders –logo atrairão a atenção de um dos Predadores.

O segundo episódio se chama “A Espada” e mostra dois irmãos, Kenji e Kiyoshi, no Japão de 1609. Renegado por seu mestre, Kenji torna-se ninja e retorna, vinte anos mais tarde, para uma revanche contra o Kiyoshi, que tornou-se um hábil samurai. O confronto entre os dois, entretanto, não dura muito: Logo, os irmãos, antes inimigos, precisarão unir forças para enfrentar um Predador que, reconhecendo em ambos as características de uma presa formidável, deseja caçá-los.

O terceiro episódio de nome “A Bala” traz o jovem piloto norte-americano John J. Torres, durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942. Negligenciado por seus superiores, ele tem a chance de voar lado a lado de sua esquadrilha durante um combate aéreo ao identificar um inimigo ainda mais feroz do que os kamikase japoneses: Um Predador pilotando uma nave alienígena, também ela imbuída da capacidade de camuflar-se dos oponentes, e que fará um massacre entre seus companheiros.

Há um quarto episódio ‘secreto’ que encerra o longa-metragem, mostrando a improvável união dos três protagonistas contra toda uma horda de Yautjas –o que planta uma série de elementos e ganchos narrativos para outras produções vindouras, ambientadas dentro desse agora fascinante universo. Desde que tragam o mesmo fulgor criativo demonstrado aqui, essas próximas realizações –sejam animações, sejam live-action –são, desde já, promissoras.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Caso Arquivado - Os Assassinatos do Tylenol


 A vida real, com frequência, encontra meios de ser ainda mais imprevisível e impressionante do que a ficção. Prova disso é os eventos reais do qual se incumbe esta notável série documental da Netflix cujos três episódios que totalizam sua primeira (e extremamente enxuta) temporada abordam os desdobramentos decorridos das investigações depois que cerca de sete pessoas foram vitimadas por cápsulas envenenadas do remédio analgésico Tylenol Extra Forte nos EUA.

O ano era 1982, e os paramédicos da cidade de Chicago foram chamados para socorrer uma situação inusitada –um membro de uma família havia tido um colapso apresentando sinais imediatamente identificáveis de envenenamento. Na sequência, enquanto os paramédicos ainda se achavam no lugar, outros dois membros da mesma família também tiveram um mal-estar súbito e todos, em cerca de poucas horas, vieram a óbito. A causa da morte deles, e de outras pessoas que também pereceram ao longo de poucos dias, não tardou a ser descoberta pelos especialistas da equipe –todos tinham ingerido amostras de Tylenol Extra Forte envenenadas com cianeto!

Uma celeuma logo se instalou e a fabricante Johnson & Johnson tratou e tirar todos os lotes do remédio das prateleiras. Mas, como os comprimidos em cápsulas haviam tinham tido seu conteúdo substituído pelo veneno? E, mais importante, quem fez isso?

Ao longo de todo o primeiro episódio, é a busca pelo responsável que toma conta de toda a narrativa –e muitos indícios não tardaram a aparecer, como uma carta de extorsão dirigida à Johnson & Johnson exigindo um considerável valor em dinheiro a ser depositado numa conta.

Ao rastrear a conta, bem como o selo do correio (endereçado em Manhattan, Nova York), além de um registro de câmera de segurança onde supostamente o envenenador aparecia observando uma das vítimas prestes a comprar Tylenol, os policiais chegaram então à James Lewis e sua história tão controversa quanto bizarra –que ocupa grande parte do segundo episódio.

Jurando inocência, Lewis (que comparece, envelhecido, prestando depoimento) era um medíocre cidadão norte-americano envolvido com, pelo menos, dois crimes extremamente mal-explicados; e cujo desleixo das autoridades, bem como meandros escorregadios da lei permitiram que se escapasse. No segundo semestre de 1982, Lewis alegou que teve a estapafúrdia ideia de escrever uma carta de extorsão para a Johnson & Johnson, não para conseguir deles o dinheiro, ele diz, mas para incriminar um desafeto seu, em nome de quem estaria a conta bancária da carta. Ainda que advogados admitissem que não encontraram provas de que ele estivera em Chicago (o local do crime), nas datas determinadas para que efetuassem qualquer envenenamento, Lewis foi julgado e condenado à cadeia.

Imaginando que o pior havia passado, a Johnson & Johnson iniciou uma campanha massiva de propagandas para restaurar a credibilidade do nome Tylenol, de longe, seu produto mais rentável (numa manobra hoje enxergada como o padrão gold de como reverter uma crise) –eles criaram comerciais onde era garantida a segurança do produto e, as novas remessas do remédio chegaram às farmácias com cerca de três (!) lacres de segurança: Um envolvendo a embalagem da caixa do remédio; o segundo envolvendo a tampa do frasco; e o terceiro, uma vedação em papel-alumínio lacrando o próprio frasco em si.

Com essas precauções, o consumidor médio norte-americano deu mais uma chance ao Tylenol e à Johnson & Johnson até que, em 1986, uma nova e inacreditável onda de envenenamentos se seguiu, enquanto James Lewis ainda se achava na cadeia, de onde só saiu na segunda metade dos anos 1990 –o que rendeu a sucessão de outras investigações infrutíferas, teorias e suspeitos ocasionais.

Na transição do segundo para o terceiro e último episódio, descobrimos que somente quando a filha de uma das vítimas –uma mulher já adulta que perdeu a mãe ainda criança –inicia, já a partir dos anos 2000, uma investigação por conta própria que algumas revelações bem mais próximas da possível verdade começam a aparecer. E deixam claras toda a atuação relapsa dos investigadores policiais e o controle um tanto absurdo da corporação Johnson & Johnson sobre o rumo dos fatos, apontando detalhes que passaram despercebidos (ou foram ignorados) como os testes de remédios engendrados pela própria Johnson & Johnson (que era, afinal, a empresa responsável e, portanto, suspeita do envenenamento), os índices que apontavam a possibilidade de muito mais pessoas terem sido vítimas do veneno (óbitos que passaram despercebidos como pessoas idosas ou pessoas vitimadas enquanto estavam dirigindo e foram declaradas mortas por acidente) e as alegações veementes (depois desmentidas por declarações oficiais de especialistas) de que durante a fabricação do Tylenol não havia qualquer vestígio de cianeto dentro das fábricas.

Construído com inteligente tino investigativo, o documentário justapõe os fatos e as informações permitindo que o expectador tire suas próprias conclusões a partir deles, ressaltando a partir desse conteúdo inquietante e verídico as complexidades da vida real que criam mistérios insolúveis,a impunidade que pode rondar atos insidiosos de algumas corporações e a nossa frágil ilusão de segurança.

sábado, 21 de junho de 2025

Missão Impossível - Acerto Final


 Este oitavo longa-metragem da franquia cinematográfica estrelada e produzida por Tom Cruise foi alardeado como o último da série e, de fato, um elemento que se sobressai constantemente na narrativa é o senso de urgência e de encerramento que o diretor Christopher McQuarrie habilmente imprime, a todo o momento –ele faz questão de lembrar ao público que as aventuras de Ethan Hunt (o protagonista vivido por Cruise à cerca de três décadas) estão chegando ao seu fim. Com efeito, “Acerto Final” é também uma recapitulação e uma reafirmação de todo o legado deixado por essa série. Na trama sempre intrincada, concebida aqui pelo diretor McQuarrie em parceria com Erik Jendresen, encontramos referências à praticamente todos os filmes anteriores: O hoje clássico “Missão Impossível” original é lembrado na constante menção à memorável cena em que Ethan Hunt invade um escritório ultra-confidencial da CIA pendurado em cabos (inclusive, um personagem importante dessa sequência é recuperado aqui), e até mesmo no reaproveitamento de Jim Phelps (vivido por Jon Voight) relembrado por meio de uma profunda ligação com outro personagem. O misterioso elemento Pé-de-Coelho, jamais devidamente explicado em “Missão Impossível 3” ganha finalmente uma razão de ser. Tudo isso e mais diversas citações, alusões e recordações de personagens mais ou menos importantes que participaram de todos os filmes.

“Acerto Final” começa, como se esperava, pegando o gancho do filme anterior, “Acerto de Contas”, no qual Ethan Hunt e sua equipe precisavam encontrar uma Chave parte de um aparato que pode neutralizar o perigo representado por uma poderosa inteligência artificial, A Entidade. Agora, a situação se acirrou ainda mais: Valendo-se de um controle tentacular e insidioso a nível mundial, a Entidade criou conflitos ao redor de todo o mundo, mergulhando a civilização em caos. Para piorar, seu sistema começou um processo gradual onde está assumindo o controle de todo o armamento nuclear das potências militares espalhadas pelo mundo. A previsão é que a Entidade consiga acessar todas as ogivas atômicas em quatro dias –e quando o fizer, ela fará com que os países ataquem uns aos outros, provocando consequentemente a extinção da raça humana.

Enquanto esse impasse só se agrava, Ethan Hunt se encontra foragido: Tendo obtido a Chave à duras penas no filme anterior, Ethan precisou sacrificar colegas (como Ilsa, vivida por Rebecca Fergunson) e se voltar contra seus superiores da Impossible Mission Force (personafinicados no personagem de Henry Czerny, também ele oriundo do primeiro “Missão Impossível”). E agora recebe um pedido diretamente da presidente dos EUA, Erika Sloane (Angela Basset, sempre magnânima), outrora a diretora da CIA em “Efeito Fallout

A missão de Ethan, como sempre, acaba sendo espinhosa: Ele tem o prazo desses quatro dias para convencer oficiais da marinha americana à levá-lo até os recôncavos mais longínquos da calota polar no Ártico, onde um submarino americano encalhou anos atrás (isso foi visto no prólogo de “Acerto de Contas”), lá a Entidade tratou de selar um dispositivo capaz de eliminá-la. Sem garantia nenhuma de que tal empreitada lhe oferece a chance de voltar com vida (e o roteiro astuto de McQuarrie não se cansa também de plantar sucessivos empecilhos para seu sucesso), Ethan ainda precisará rastrear seu nêmesis pessoal, Gabriel (Esai Morales) de posse de outro dispositivo que, combinado com o McGuffin obtido no submarino naufragado será capaz de pôr fim ao perigo da Entidade –no entanto, Gabriel deseja tirar de Ethan esse dispositivo a fim tentar, em vão, controlar a própria Entidade.

Para tentar concluir esse objetivo, Ethan conta com um grupo forjado meio ao acaso que inclui seu amigo Benji (Simon Pegg), a assassina francesa Paris (Pom Klementieff, de “Guardiões da Galáxia Vol. 3”), o agente Degas (Greg Tarzan Davis), e a habilidosa prestidigitadora Grace (Hayley Atwell, de “Capitão América-O Primeiro Vingador”).

Em sua quarta direção dentro da série “Missão Impossível” –que a partir de “Nação Secreta” ele praticamente ajudou a consolidar como a brilhante cinessérie que é –Christopher McQuarrie realiza um trabalho formidável dentro de um contexto que, à essas alturas, ele conhece como a palma da mão: Essa compreensão instintiva da narrativa, dos meandros da trama e dos maneirismos dos personagens resulta numa obra grandiosa, bem acabada, feita com profissionalismo e, vez ou outra, capaz até de emocionar.

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Babygirl


 Não falta ao cinema exemplares eróticos em que um relacionamento de fortes tonalidades físicas é também uma espécie de jogo de poder. “9 ½ Semanas de Amor”. “O Último Tango Em Paris”. “O Império dos Sentidos”.

Em “Babygirl”, a cena que abre o filme da diretora e roteirista Halina Reijn flagra a estrela Nicole Kidman, aos 57 anos, em um cena de sexo num ângulo de câmera inusitado –trata-se de um início atrevido para um filme que se propõe a uma sondagem pouco usual de uma relação definida por submissão.

É curioso, portanto, que a personagem de Nicole, Romy, seja uma mulher influente e empoderada em seu meio profissional (é CEO de uma empresa de alta tecnologia), uma esposa e mãe dedicada (casada com o personagem de Antonio Banderas) e que isso tudo se mostre uma fachada para as predisposições que irão se revelar mais tarde –pois, ao conhecer Samuel (Harris Dickinson, de “Triângulo da Tristeza”), um estagiário de sua empresa, Romy inicia com ele um jogo que começa timidamente, quase ao acaso (ele a surpreende controlando um cachorro que quase a ataca na rua), mas depois vai galgando níveis mais íntimos, conforme vão se revelando as facetas submissas de Romy e as tendências dominadoras de Samuel (justamente o oposto dos papéis que desempenham no àmbito de trabalho), culminando em adultério.

Vencedora do Coppa Volpi 2024 de Melhor Atriz no Festival de Veneza e indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz Dramática em 2025 (tendo perdido, inclusive, para Fernanda Torres por “Ainda Estou Aqui”), Nicole Kidman compõe uma mulher cheia de nuances e contradições, ostentando o primor e a desinibição que costumam caracterizar seus melhores trabalhos. Junto dela, o jovem Harris Dickinson se sai magnificamente bem, criando um contraponto misterioso, carismático e envolvente para a multi-facetada protagonista, e enfatizando o brilhantismo dessa disputa velada, afetiva e existencial de poder –é particularmente sensacional a cena em que ele dança para a personagem de Nicole Kidman ao som da música “Father Figure”, de George Michael.

Os diálogos, no roteiro da própria diretora, absorvem a predisposição para a sondagem psicológica do cinema independente, neles a relação que testemunhamos se construir entre Romy e Samuel, nunca surge simplificada por expedientes de obviedade: Exemplo disso é a cena que transcorre dentro do carro –ambos querem rejeitar um ao outro como forma de estabelecer dominação, e ambos não conseguem fazê-lo, deixando no ar uma dúvida perene sobre o quê, afinal de contas, eles estavam então conversando. É um equilíbrio e um controle que, se não chega a ajudar o filme a atingir o status de obra-prima, torna a experiência um tanto quanto notável.

Ao tratar de temas pertinentes e atuais como crise matrimonial, frigidez, assédio sexual, sororidade, fetichismo, libertinagem e conflitos sociais sobre a ótica feminina de uma diretora mulher –prática que, felizmente, está se tornando cada vez mais comum na indústria –“Babygirl” expõe uma situação complexa e real com propriedade e uma sensibilidade inédita.

sábado, 14 de junho de 2025

Separados Pelas Estrelas


 O bardo William Shakespeare foi quem estabeleceu a mais perfeita fórmula para uma história de amor em “Romeu & Julieta” –um casal avassaladoramente apaixonado e, entre a consumação desse amor, o mais virtual dos obstáculos que a ficção seja capaz de conceber. Levando essa lição à risca, os hábeis realizadores desta primeira animação sul-coreana exclusiva da Netflix deram um passo além, impondo as mais impressionantes barreiras físicas, existenciais, metafísicas e sentimentais a separar o casal de amantes neste comovente conto sobre resiliência, vínculos de afeto e objetivos de vida, o que acaba lembrando um pouco o igualmente comovente “Your Name”.

Ambientada num futuro próximo (com elementos tecnológicos inventivos interferindo no cotidiano dos personagens), a trama mostra que a jovem e aplicada Nan-young não somente sonha em ser uma das astronautas enviadas para uma missão em Marte, mas também leva consigo toda uma história não resolvida: A mal-fadada missão anterior à Marte culminou numa tragédia que obrigou sua mãe (outrora, uma famosa astronauta no passado) a ser deixada lá para definhar. A vida profissional de Nan-Young, portanto, não se resume apenas a dar o seu melhor e conquistar o respeito de seus pares; ela precisa também honrar e, na medida do possível, se sobressair em relação ao legado da própria mãe.

Por outro lado, Nan-Young conhece Jay, um jovem funcionário de uma deslocada loja de consertos para radios e vitrolas vintage –e é ao requisitar suas habilidades para recuperar um toca-discos que foi de sua mãe que Nan-Young e Jay se encontram.

Aos poucos, a medida que o relacionamento entre os dois se aprofunda, Nan-young descobre que Jay foi o vocalista de uma banda no passado (e, na realidade, é o cantor misterioso de uma música pela qual Nan-young foi obcecada por anos!) e que, por atribulações de ordem emocional deixou de lado esse talento que ele desempenhava tão bem, e que lhe preenchia a existência.

Apaixonados um pelo outro, Nan-young e Jay precisam lidar com o fato de que, de repente, Nan-young é escolhida de uma hora para outra para integrar a nova missão para Marte. O que lhes afastará por algum tempo, talvez, anos! E ainda por uma distância tão intransponível quanto inconcebível.

Mais que isso: Em algum momento dessa tortuosa jornada emocional e física, Nan-young irá correr um grande perigo (numa referência bastante nítida à “Perdido Em Marte”), o que poderá condená-la, ironicamente, ao mesmo destino fatídico que foi reservado à sua mãe, no mesmo momento em que Jay, desolado pela ausência dela, vai enfim enfrentar seus próprios demônios (incentivado pelo exemplo da própria Nan-young) e tentar cantar uma vez mais em público.

Composto de um aparato visual que assombra e deslumbra do início ao fim (a técnica desta animação sul-coreana, ainda que de traços próprios e originais, tem muitos mais a ver com a animação japonesa do que com Walt Disney), “Separados Pelas Estrelas”, no seu mergulho irrestrito no romantismo e nas idas e vindas dramáticas dos assuntos do coração, se firma, desde o princípio como uma obra pouco apetecível ao público infantil –no entanto, a emoção incontornável embutida em sua premissa, e a forma intoxicante com que atinge uma série de notas hiperlativas em muitos de seus momentos-clímax o tornam um trabalho abrangente, emotivo e arrebatador para quase todos os públicos.

A maneira com que a animação mescla a música (em alusão à profissão do personagem principal) à sua narrativa é algo ímpar –e não tem absolutamente nada a ver com os números musicais que abarrotam animações e filmes de romance desde o início dos tempos.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

O Eternauta


 Em princípio, esta formidável série da Netflix parece guardar elementos das ficções científicas dos anos 1950 cujas narrativas se muniam de teorias da conspiração, cenários pós-apocalípticos, invasões alienígenas e muita paranóia, mas isso ocorre porque a história em quadrinhos aqui adaptada, escrita por Hector Oesterheld e desenhada por Francisco Solano López, de fato, É dos anos 1950 –publicada na Argentina, mais especificamente, entre 1957 e 1959 –e tida como a mais importante obra em quadrinhos daquele país.

Transposto para a atualidade, o enredo (cujas alegorias em muito evocavam a repressão sofrida pela Argentina nos anos de ditadura que perpassaram o Século XX) abandona alguns tópicos, lança mão de novos personagens, compreende toda uma nova e urgente reflexão a ser realizada, mas termina honrando, e muito bem, o espírito do trabalho de Oesterheld. No que parece ser uma noite comum em Buenos Aires, os amigos Juan Salvo (Ricardo Darín), Lucas (Marcelo Subiotto), Polsky (Claudio Martínez Bel) e Omar (Ariel Staltari) se reúnem para jogar truco na casa de Alfredo Favalli (César Troncoso, do cult “O Banheiro do Papa”) quando são surpreendidos por um fenômeno inesperado: A um misterioso pulso eletromagnético (que desabilita todas as máquinas de função elétrica no país, talvez no continente inteiro!) segue-se uma nevasca poderosamente tóxica (pessoas em contato com os flocos que caem do céu morrem instantaneamente!). Por estarem fechados por acaso dentro da casa, Juan Salvo e seus amigos, mais Ana (Andrea Pietra), esposa de Favalli, escapam de morrer como tantos que eles testemunham perecer pelas janelas. Junta-se a eles a entregadora Inga (Orianna Cárdenas) que, na última hora, conseguiu se refugir na garagem do mesmo prédio.

Contudo, Salvo possui uma filha adolescente, Clara (Mora Fisz), cujos apuros são mostrados, em parte, no prólogo do primeiro episódio, e uma ex-esposa, Elena (Clara Peterson). Temendo pela vida delas, ele se equipa com o uniforme e a máscara que o isolam do perigo tóxico –e que tão bem ilustram o visual memorável do personagem, seja na HQ, seja na série –e sai a pé pela cidade na tentativa de encontrá-las (momentos onde a série faz lembrar a maestria das cenas desoladoras vistas em “Eu Sou A Lenda”). Pelo menos os primeiros três episódios se desdobram nesse objetivo, enquanto Salvo vai encontrando pela frente outros núcleos de personagens sobreviventes às voltas com as novas circunstâncias de um mundo cujo apocalypse virou as antigas percepções de pernas para o ar –não mais podendo contar com a conveniência social, as pessoas organizam grupos armados, dispostos a se proteger daqueles saqueadores que imediatamente adotam a lei da selva.

Entre o terceiro e o quarto episódio, após muitas idas e vindas (que vão consolidando Salvo, sua ex-esposa e os amigos liderados por Favalli num grupo unido no objetivo de sobreviver), Salvo corre atrás de uma pista do paradeiro de Clara que aponta para o centro populoso da capital, onde ele e Favalli encontram um grupo reunido numa igreja protegendo-se de outra grande ameaça: Caídos do céu, como meteoros, criaturas de uma espécie de besouro gigante carnívoro vem vitimando os seres humanos que escaparam com vida da nevasca tóxica. Os dois últimos e sensacionais episódios, levam os personagens a partirem de seu refúgio até então seguro, quando são surpreendidos pela súbita e inexplicada interrupção da nevasca, e acabam indo parar no Campo de Maio, uma fortaleza erguida com recursos militares. Lá, Favalli (por seu conhecimento como engenheiro elétrico) e Salvo (por sua comprovada habilidade com armas de fogo, adquirida na juventude durante a Guerra das Malvinas) são recrutados para uma audaciosa missão, invadir do centro de Buenos Aires a bordo de um trem e enviar via rádio uma mensagem de socorro pela torre principal –é quando os personagens se defrontam com novos perigos e, talvez, com algumas respostas.

Dirigido por Bruno Stagnaro e produzido pela KyS Films (produtora do elogiado “Relatos Selvagens”), “O Eternauta” ostenta, ao longo de todos os seus fenomenais seis episódios toda a qualidade insuspeita que o cinema argentino sempre exibiu, trazendo um entendimento instintivo dos tópicos que faziam dos quadrinhos de Oesterheld um trabalho tão antológico. A um só tempo fiel e diferenciadamente travessa em relação à sua fonte original, esta série da Netflix é um testemunho da competência à toda prova dos artesões argentinos, na manutenção habilidosa, minuciosa e criteriosa de um roteiro equilibradíssimo, na condução de um elenco fantástico (com o sempre magnífico Ricardo Darín à frente) e numa direção brilhante seja nas cenas mais intimistas, seja nas de ação.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Amor À Primeira Vista


 Melodrama dos anos 1980 cuja abordagem soa inversa à, por exemplo, do romântico “Amor À Flor da Pele”, de Won Kar Wai, no qual acompanhávamos a via-crusis das contrapartes traídas de dois casais envolvidos em adultério. Aqui é incontornável a romantização de um ato que, no fim das contas, é uma traição –ainda que o filme, com elegância, sutileza e parcimônia vá mascarando isso diante do expectador. Não à toa, houveram críticas, na época de seu lançamento, direcionadas exatamente à essa postura. Filmado na Estação Central de Nova York e aproveitando essencialmente o hype da reunião entre de Meryl Streep e Robert De Niro (saídos, respectivamente das produções “Silkwood-Retrato de Uma Coragem” e “Era Uma Vez Na América”), o filme dirigido por Ulu Grosbard (que havia realizado, em 1981, o drama policial “Liberdade Condicional”, com De Niro) parece se beneficiar exatamente desses detalhes para se impor, no mais, contentando-se em ser um romance ameno, sem rompantes e de baixa voltagem. Características que não o impedem de ser um bocado encantador aos olhos de seu público-alvo.

 Arquiteto, morador do subúrbio de Westchester, Nova York, Frank Raftis (Robert De Niro) é casado com Ann (Jane Kaczmarek, de “Morto Ao Chegar” e “A Vida Em Preto & Branco”), com quem tem dois filhos pequenos. Moradora nas mesmas redondezas, a artista plástica Molly Gilmore (Meryl Streep) também é casada, com Brian (David Clennon, de “Inferno Sem Saída” e “Muito Além do Jardim”). Ambos tomam o mesmo percurso de trem diariamente, porém, sem nunca se encontrar: Frank, para ir e voltar do trabalho; Molly, para visitar constantemente seu pai (George Martin, de “Sociedade dos Poetas Mortos”) que está internado num hospital em Manhattan. É durante a véspera de Natal que eles se encontram pela primeira vez, ao trombarem um com o outro acidentalmente e, sem querer, acabar trocando os livros que haviam comprado. Alguns meses depois, eles tornam a se reencontrar na estação, se reconhecem e a partir daí, adquirem o hábito de todos os dias, fazerem companhia um ao outro durante a viagem, conforme vão se conhecendo melhor. Embora saibam que ambos são casados, isso não impede que um sentimento pouco a pouco comece a nascer entre eles.

A medida que o enredo de "Falling In Love" progride é impossível não lembrar de “Desencanto”, do mestre David Lean, que aparentemente o diretor Ulu Grosbard quis refilmar muito disfarçadamente e por baixo dos panos. Ele possui a mesma premissa básica, a mesma estrutura dramática, o mesmo subtexto a envolver adultério e uma perspectiva através da qual se humaniza o casal de amantes –sem julgamentos morais que seriam suscitados com mais insistência nos tempos de hoje. Certamente, o grande trunfo desta produção até que modesta (ainda que plenamente eficaz em sua proposta) é ter Meryl Streep e Robert De Niro, dois verdadeiros monstros sagrados em cena –De Niro inclusive venceu o prêmio Sant Jordi 1986 de Melhor Ator Estrangeiro, enquanto Meryl, por sua vez, foi agraciada com o prêmio David di Donatello de Melhor Atriz Estrangeira do mesmo ano do lançamento do filme, 1984, num desempenho intimista com elementos que ela revisitou, anos mais tarde, em  "As Pontes de Madison".