sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Éden


 O diretor Ron Howard já experimentou a consagração com “Uma Mente Brilhante”, e o largo sucesso com “Código Da Vinci”, contudo, de uns anos pra cá, seu cinema tornou-se claudicante, oscilando entre uma técnica apurada, um profissionalismo nítido e um vazio de iniciativa, de inspiração que engessava seus trabalhos.

Embora seja uma obra relativamente interessante e pertinente (ainda mais inserida no panorama genérico atual do cinema norte-americano), “Éden” padece de alguns desses lapsos.

Baseado num fato real transcorrido no início do Século XX, “Éden” constrói uma narrativa a partir de indícios muitas vezes contraditórios em relação aos acontecimentos retratados. Na ânsia de concretizar os fatos sem assumir pontos de vistas unilaterais, o roteiro de Noah Pink, a partir de conceitos elaborados por ele e pelo diretor Ron Howard, oferece uma cadeia de acontecimentos que terminam não priorizando a postura, nem a índole de ninguém, o resultado é um filme onde pessoas torpes são ocasionalmente confrontadas com outras ainda piores, numa exposição algo involuntária da inerente maldade humana.

Após a Primeira Guerra Mundial, o médico e filósofo Friedrich Ritter (Jude Law) parte para a Ilha Floreana na distante região dos Galápagos, junto da colega Dore Strauch (Vanessa Kirby) a fim de se afastar da humanidade e de criar, ali, um conceito inédito de meio de vida, rompendo com as defasadas considerações sociais, e muito amparado no niilismo espartano de Friedrich Nietzsche. Todavia, uma fagulha de vaidade e de necessidade de ser enaltecido ainda queima dentro do Dr. Ritter, por isso, de tempos em tempos, nas visitas de algum navio errantes por aquelas águas longínquas, ele aproveita para enviar ao mundo exterior suas cartas, nas quais deposita sua retórica sobre essa nova forma alternativa de existência, que ele enxerga como um manifesto contra a tendência auto-destrutiva dos governos mundiais.

Com o tempo, suas cartas –publicadas em jornais e revistas da época –se tornam uma espécie de sensação, e o Dr. Ritter, um lenda em seu exotismo. Até que, no inverno de 1932, o exemplo de Ritter leva Heinz Wittmer (Daniel Brühl), sua esposa Margret (Sydney Sweeney) e seu filho (Jonathan Tittel), à Ilha de Floreana, a fim de partilhar dessa mesma vivência, esse rompimento com os grilhões de conveniência social.

O filho de Heinz sofre de tuberculose, então intratável, com péssimas perspectivas pela medicina da época, e a jovem esposa, Margret, está, ainda sem saber, grávida. Ao chegarem em Floreana, o Dr, Ritter e Dore, arredios, os recebem com inesperado desdém –a contundente utopia que eles planejavam ali não vinha atrelada à traquejo social, e nem tampouco era pensada para envolver outros além deles próprios.

Instalados, de início, numa das cavernas da região (!), Heinz e Margret vão se adaptando à duras penas, construindo uma casa e erguendo um lugar onde almejam, de fato, viver –esses percalços surgem registrados nas cartas que Marget, então com 23 anos, escreve e envia, de tempos em tempos para a mãe.

No entanto, algum tempo depois, chega em Floreana outra comitiva, aquela que, desta vez, realmente irá virar tudo de pernas pro ar: Os subalternos, criados e meros bajuladores da Baronesa Eloise Von Wagner de Bousquet (Ana De Armas, ligeiramente histriônica no retrato de uma das mais odiosas vilãs do cinema recente). Afirmando estar lá na ilha para a construção de um hotel exclusivo para turistas muito ricos, a Baronesa se instala, com seu séquito –entre os quais, o amante e capacho Lorenz (Felix Kammerer, de “Nada de Novo No Front”) e outro amante (!) e guarda-costas Phillipson (Toby Wallace) –numa interseção entre as moradas de Ritter e Dore, e de Heinz e Margret. Ela cria divergências –abre as correspondências de Ritter e tenta colocar a culpa em Heinz –protagoniza excessos e age com displicência –quando a comida que levou (e que consomem desordenadamente) acaba, envia seus lacaios para roubar de Heinz e Margret.

Não demora muito para que esse paraíso (que de paradisíaco, desde o começo, nunca teve nada!) se torne um inferno com os conflitos de ordem íntima criados por ela –na realidade, a própria Baronesa é, em si, um embuste: Uma golpista que singrou a Europa manipulando homens ricos com sua beleza, ela tenta sua última cartada ali, em Floreana, na tentativa de se estabelecer no que pode ser um empreendimento imobiliário legítimo, valendo-se de todos aqueles que sua lábia e sua capacidade de sedução arregimentarem em favor de seus interesses.

O que acontece, todavia, é um caldeirão de tensões que, eventualmente, irá explodir.

Um filme amargo que opõe a sobrevivência à convivência (como se fossem fatores opostos) e que parece refletir sobre o quanto as celeumas humanas, como a ganância e a cobiça, são incapazes de serem evitadas pelo homem, por mais que ele queira, “Éden” se ressente justamente dessa sua contundente postura moral –não há personagens íntegros ou incorruptíveis aos quais a narrativa possa se ancorar, e dessa forma assim ambígua eles são interpretados pelo (ótimo) elenco: Jude Law ostenta, carrancudo, uma desilusão que só o empurra cada vez mais para o antagonismo e a violência, afastando-o da paz e da transcendência inicialmente pretendida; Vanessa Kirby vive uma mulher de um discurso altivo acerca de suas escolhas, mas cujo olhar entrega a insatisfação que é incapaz de admitir; Daniel Brühl na segunda colaboração com Ron Howard (a primeira foi o excelente “Rush”) se mostra preciso no registro minimalista de seu personagem; e Sydney Sweeney, talvez, a grande surpresa do filme, oblitera as impressões de símbolo sexual que, em geral, a perseguem para entregar aqui uma interpretação introspectiva orientada por uma metamorfose sutil e, ao fim do filme, desconcertante.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A Longa Marcha - Caminhe Ou Morra


 Stephen King escreveu “A Longa Marcha” ainda na faculdade, durante a segunda metade da década de 1960 –antes da consagração como escritor de livros de terror, o que explica também o gênero distinto do livro, ficção científica distópica –tal especificação de tempo serve para explicar muito bem a alegoria embutida no argumento: Ao moldar uma trama na qual jovens voluntários eram conduzidos à um esforço descomunal que levava a maior parte deles à morte por indiferentes senhores da guerra (militares), King fazia uma clara referência à Guerra do Vietnam que vitimizava incontáveis vidas de jovens norte-americanos num conflito que todos (exceto, os mandatários no poder) enxergavam como algo despropositado, sem sentido. Contudo, se “A Longa Marcha” foi o primeiro livro que King escreveu, ele não foi o primeiro que ele publicou: Somente após o sucesso literário de “Carrie-A Estranha” (logo seguido pela adaptação cinematográfica dirigida por Brian De Palma) que King pôde lançar, em 1979, “A Longa Marcha” –e ainda o fez sob o pseudônimo de Richard Bachman, com o qual lançou diversos outros livros.

Era irônico, portanto, que a primeira obra de Stephen King, dentre tantas que ele perpetrou e que despertaram tanto interesse nos estúdios de Hollywood, nunca tenha sido adaptada para cinema antes –até agora, com o lançamento de “A Longa Marcha-Caminhe Ou Morra”.

Dirigido por Francis Lawrence (que assinou todas as excelentes continuações de “Jogos Vorazes”), a trama de “A Longa Marcha” diz respeito a uma caminhada promovida por militares e acompanhada por todo o país. Nesse futuro, os EUA são uma nação colapsada, e a Longa Marcha é uma campanha anual que recruta voluntários para restaurar o ânimo e o orgulho do país. São cem rapazes que haverão de encarar o desafio de caminhar, num determinado ritmo, por uma estrada que atravessa cerca de cinco estados norte-americanos. Ao vitorioso é concedido um desejo (qualquer um!) a ser realizado, além da satisfação de viver bem financiado o resto da vida –uma amostra do quanto a persistência e a obstinação são recompensadas pelo governo.

Entretanto, os noventa e nove participantes restantes são impiedosamente mortos! Explica-se: Não há linha de chegada para a Longa Marcha, ganha aquele que tão somente for o último a restar em pé.

Durante toda a caminhada –que perdura por dias a fio, sem qualquer pausa para descansar, dormir, comer ou fazer necessidades fisiológicas! –os participantes devem manter um ritmo específico, a cada vez que esse ritmo se reduzir ou parar, o participante é advertido, se após três advertências o participante não conseguir retomar a marcha, pela razão que for, ele é fulminado com um tiro na cabeça!

É nessas condições atrozes que o jovem Ray Garrity (Cooper Hoffman, de “Licorice Pizza”) embarca na Longa Marcha com motivos muito pessoais (que, mais tarde, serão elucidados) para vingar-se do grande idealizador dessa disputa, o cruel e megalomaníaco Major (Mark Hammil). Durante, essa exaustiva (em todos os níveis possíveis) provação, Ray sela um pacto de amizade com Peter McVries (o ótimo David Jonsson, de “Alien-Romulus”), um órfão de ideais convictos e positivos. Outros personagens participam da maratona: Pearson (Thamela Mpumlwana) cuja ingenuidade o leva a firmar laços de amizade com todos, Stebbins (Garrett Wareing) munido de impressionante compleição física que esconde um triste e doloroso segredo, Barkovitch (Charlie Plummer, de “Todo O Dinheiro do Mundo”) cuja muralha de sarcasmo para com seus colegas não o impedirá de sucumbir ao desespero e à agonia, Olson (Ben Wang, de “Karatê Kid-Lendas”) que ingressa na disputa crente de que sua dedicação teórica irá lhe garantir a vitória, Curley (Roman Griffin Davis, o garotinho de “Jojo Rabbit”), o mais jovem de todos, que mentiu a idade para participar, e será a primeira vítima desse esquema inclemente, e muitos outros, todos eles fadados e não chegarem vivos até o final –exceto um, e é preciso sofrer até o úlimo instante para saber quem será!

A escolha de Francis Lawrence para a direção é das mais acertadas: Conhecedor do material, por sua bem sucedida passagem na franquia “Jogos Vorazes”, Lawrence sabe enunciar os elementos de reflexão contidos no enredo, compor um registro claro, preciso, meticuloso e sensorial da jornada física assim retratada (com os efeitos físicos do desgaste se abatendo sobre os personagens de forma primorosamente evidente), desenvolver a empatia do público pela premissa e pelos personagens certos (o que ajuda a tornar tudo ainda mais angustiante), e ainda soube transpor habilmente a alegoria do livro original de Stephen King para a atualidade: Com a Guerra do Vietnam não mais em voga, “A Longa Marcha”, agora, parece refletir sobre a polarização política dos EUA, sobre a desumanização tóxica que influencia as gerações mais jovens internet afora, e sobre os famigerados reallity-shows, e a forma como a integridade física dos seres humanos inseridos nesses contextos termina tendo menos importância do que o registro do espetáculo.

sábado, 25 de outubro de 2025

Twin Peaks - Primeira Temporada


 Hoje em dia, a televisão norte-americana ombreia o cinema em qualidade técnica, artística e narrativa, mas, nem sempre foi assim. Até meados dos anos 2000, havia aquele tipo de comentário depreciativo quando uma obra parecia “feita para a TV” –na verdade, até mesmo eu já cheguei a usar, em outras ocasiões, esse tipo de observação.

Não é meu objetivo apontar os méritos dessa evolução, nem enumerar as obras responsáveis por isso acontecer, mas, em 1990, sem sombra de dúvidas, um tremendo abalo sísmico na questão da inovação dentro dos moldes até então tradicionalistas da TV norte-americana ocorreu com a realização e o lançamento da série “Twin Peaks” pela ABC, criada por Mark Frost e pelo mestre David Lynch.

Quem conhece o nome David Lynch deve ter uma boa ideia do quão inesperada e desconcertante “Twin Peaks” foi à sua época.

Realizado no mesmo ano de “Coração Selvagem” –que havia dado à Lynch a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1990 –o episódio-piloto de “Twin Peaks” é um filme de David Lynch com todas as letras: Lá estão as assombrações de natureza ambígua a espreitar nas sombras de uma aparente paisagem harmoniosa na classe média norte-americana como em “Veludo Azul”; lá estão os enigmas desafiadores que perpassam tempo, espaço, memória e alucinação tal qual “A Estrada Perdida”.

Na cidadezinha madeireira de Twin Peaks, no estado de Washington, perto do Canadá, é encontrado o cadáver da jovem Laura Palmer (Sheryl Lee, de “Os Cinco Rapazes de Liverpool”), moça que, pela reação dramática de todos, era muito bem-quista na comunidade. Para a investigação, é designado o agente do FBI Dale Cooper (Kyle MacLachlan) que, ao mesmo tempo que se encanta com o lugarejo e seus habitantes, não mede esforços para elucidar o cada vez mais nebuloso mistério da morte de Laura. Os métodos do Ag. Cooper se revelam pouco ortodoxos –diferente de outros personagens mais céticos (e que chegam a marcar presença nesta e nas outras temporadas), Cooper leva em conta, na sua investigação, pistas de natureza paranormal, tais como sonhos, delírios, visões e outras aparições mais, que realmente vão se somando, afastando “Twin Peaks” completamente de uma mera produção investigativa e adentrando irreversivelmente o terreno do surreal, do sobrenatural e do alegórico –material que David Lynchn, mais que qualquer outro dos demais diretores que se incumbem de alguns dos outros episódios, domina com maestria.

Também a galeria formidável de personagens suspeitos, estranhos e interessantes de Twin Peaks comparece para tornar ainda mais nebulosos os percalços da investigação: O Sr. Martell (Jack Nance, de “Eraserhead”, o primeiro filme de Lynch) responsável por encontrar o corpo de Laura, cuja sobrinha e inquilina de sua casa, a Srta. Packard (Joan Chen) é a representante de uma empresa estrangeira que disputa o monopólio com a serraria local –e é, ainda por cima, amante do xerife Harry Truman (Michael Ontkean); o ricaço Ben (Richard Beymer, do clássico “Amor Sublime Amor”), proprietário da dita serraria local; e sua filha, a belíssima Audrey (Sherilyn Fenn, maravilhosa) que se afeiçoa ao Ag. Cooper e decide investigar por conta própria os segredos de algumas pessoas de Twin Peaks; a jovem Donna (Lara Flynn Boyle), melhor amiga de Laura, decidida a mover sua própria investigação para descobrir quem matou a amiga, aliada ao ex-namorado dela James (James Marshall) e à prima de Laura, Maddy (também vivida por Sheryl Lee); há também o namorado atual de Laura, Bobby (Dana Ashbrook, de “A Volta dos Mortos-Vivos”), secretamente envolvido com a linda Shelly (Madchen Amick), garçonete casada com o violento Leo (Eric Da Re), um dos suspeitos do assassinato; e os pais de Laura, Leland (Ray Wise, de “Sol Nascente”) e Sarah (Grace Zabriskie, de “Drugstore Cowboy”), um mais pinel que o outro (!), além de vários outros personagens.

Amparado nessa galeria bastante instigante de personagens, e no mistério que ocupa o cerne de seu enredo –a pergunta “Quem matou Laura Palmer?” se tornou uma frase contumaz murmurada em meio às propagandas do início dos anos 1990, e deu origem à um fenômeno de frases de efeito que continuou em programas de sucesso como “Arquivo X” (“A verdade está lá fora!”) e “Heroes” (“Salve a líder de torcida! Salve o mundo!”) –“Twin Peaks” é uma obra que, a despeito de seus expedientes, desafia tentativas de ser categorizada; trata-se de uma brilhante junção de paixões, ódios, comportamentos misteriosos e razões improváveis numa só roupagem que abraça o suspense, o terror, o policial, o melodrama e a comédia na mesma proporção.

sábado, 18 de outubro de 2025

Na Cama Com Madonna


 No início dos anos 1990, Madonna era uma artista indomada e implacável: Em 1992, ela havia lançado simultaneamente o ousado livro de fotos “Sex”, o álbum “Erotica” e o longa-metragem “Corpo em Evidência”. Um ano antes, esse ciclo de ousadia destinado a chacoalhar as bases de pudor do showbizz já havia se iniciado com o documentário “Na Cama Com Madonna” –ou, no original, “Madonna-Truth Or Dare”.

Dirigido por Alek Keshishian (realizador com certa experiência em videoclipes), “Na Cama Com Madonna” foi lançado fora de competição no Festival de Cannes 1991, onde iniciou sua escandalosa e inovadora trajetória no circuito comercial. Sua estrutura narrativa intercala basicamente a parte documental, depoimentos e bastidores (filmada em preto & branco com câmeras de 16 mm) com o registro das apresentações musicais do show “Blonde Ambition” (filmado, por sua vez, em cores com diversas câmeras de 35 mm), contudo, em sua proposta, o filme revelou-se ousado: Nunca antes um documentário havia exposto a intimidade de uma artista famosa com tanta contundência e de forma tão deliberada, ao flagrar momentos de tensão, crises íntimas e outros conflitos.

Na esteira da turnê “Blonde Ambition” –transcorrida no segundo semestre do ano de 1990, pelo Japão, Europa, EUA, e Canadá –acompanhamos os percalços pessoais, profissionais e familiares da pop-star Madonna, bem como fortes indícios de sua irredutível personalidade: Produzido com perfeccionismo quase obcecado por sua estrela (todos os modelos usados por ela na turnê foram criados pelo estilista Jean-Paul Gaultier!), o show serve como veículo para mostrar um panorama bastante expositivo de sua vida pessoal; o namoro de então com o astro Warren Beatty (com quem ela trabalhou em “Dick Tracy”); a maneira fria e sardônica com que trata as pessoas do showbizz (exemplo disso é o rude desdém para com Kevin Costner); suas opiniões polêmicas sobre sexo, religião e comportamento; a estreita ligação com o mundo homossexual de seus bailarinos; o relacionamento conturbado com o pai e o irmão; a festa na casa de Pedro Almodóvar e a paquera frustrada com Antonio Banderas (com quem trabalharia anos mais tarde no filme “Evita”); a insegurança durante a apresentação em Detroit, com os amigos de infância; a controvérsia gerada pela famosa cena em que simula um orgasmo na cama ao som de “Like A Virgin”, e várias outras revelações.

Com um custo de aproximadamente 4 milhões de dólares, “Na Cama Com Madonna” foi um notável sucesso de bilheteria, sintomático do fascínio que uma estrela como Madonna era capaz de suscitar graças às suas polêmicas e ousadias –ele permaneceu sendo o documentário de maior rentabilidade na história do cinema até 2002, quando foi tirado desse posto por “Tiros em Columbine”, de Michael Moore.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Monstro - A História de Ed Gein


 A cultura norte-americana, sempre definida por um viés fetichista em relação à violência, é obcecada por serial killers. É comum, portanto, muitos deles serem transformados em temas para filmes, séries, livros e até histórias em quadrinhos. Deles, um dos mais notórios certamente foi Ed Gein, cuja trajetória macabra inspirou inúmeros produtos da cultura pop. A antologia “Monstro”, da Netflix, concebida pelo mesmo Ryan Murphy que produziu as séries “Glee” e “American Horror Story”, se debruça sobre casos estarrecedores de serial killers –já foram perpetradas antologias sobre Jeffrey Dahmer, e sobre os Irmãos Menendez, agora, neste terceira incursão, eles se voltam para Edward Theodore Gain, o assim chamado “Açougueiro de Plainfield”.

Como dito antes, Ed Gein não é nem um pouco desconhecido ao mundo do entretenimento –inspirados por ele, foram realizados filmes como o clássico “Psicose”, o transgressivo “O Massacre da Serra Elétrica”, o premiado “O Silêncio dos Inocentes”, e até mesmo um telefilme biográfico (entre outros, claro) do ano 2000, estrelado por Steve Railsback (de “Força Sinistra”), ainda que dotado da irregular qualidade televisiva da época.

Na minissére de Murphy, em oito episódios, Ed Gein surge interpretado por Charlie Hunnam (de “Círculo de Fogo”), que traz um elemento astucioso para sua caracterização –ele ressalta as características provincianas e simplórias de Ed Gein, em contraponto à fera selvagem que seus atos reafirmam que ele é, gerando incredulidade no expectador.

Acompanhamos a vida de Ed Gein desde tenra idade –mais ou menos a partir de 1945 –quando ainda jovem era o segundo filho de uma família tão tóxica quanto disfuncional, na cidade de La Crosse, no Wisconsin. A mãe de Gein (Laurie Metcalf, de “Lady Bird” e “JFK-A Pergunta Que Não Quer Calar”) era fervorosamente religiosa, seu pai um alcóolatra que ela logo descartou e seu irmão mais velho, um rebelde que se opunha aos ditames da matriarca. Sobrou ao jovem e submisso Ed toda a carga de amargura, repressão, ressentimento e aversão aos homens que sua mãe era incapaz de disfarçar. Ao longo da criação de Ed, ela travestia fanatismo religioso com uma misantropia implacável –dizia que as mulheres (às quais chamava de Jezebel) eram seres corruptíveis e pecaminosos e que, na qualidade de homem, Ed estava terminantemente proibido de espalhar sua ‘semente’ em uma delas. O AVC que sofreu, pouco antes de morrer, só acentuou ainda mais sua aversão e seu ódio por tudo e por todos. Já Ed, alienado dentro desses preceitos, não tardou a começar a confundir alucinação com realidade –mal notou quando deu cabo do próprio irmão (!), vindo mais tarde a encobrir o assassinato dele simulando uma incêndio no celeiro da fazenda!

Na esteira desses acontecimentos, Ed Gein vai encontrando, ao longo dos anos que se seguem, meios para executar atrocidades inacreditáveis na solidão de sua fazenda, como violar sepulturas e roubar os cadáveres (sempre mulheres) para então esquartejá-los, usando as partes para inúmeras bizarrices (como confeccionar potes com os crânios, usar a pele para revestir móveis, ou até fazer sexo!), e vez ou outra, até mesmo perpetrar homicídios de fato.

É num desses casos (quando mata a mãe solitária de um dos policiais da cidade, apropriando-se do corpo para, depois, estripá-lo!) que ele é descoberto, e sua prisão o leva a um julgamento popular (de onde sai diagnosticado como imputável devido à sua insanidade, algo revoltante para muitos) e de lá é internado num hospício, onde fica até a velhice.

A série, num recurso narrativo cheio de floreios nem sempre pertinentes, relata a progressão de sua psicopatia desde o princípio, mas não resiste à tentação de focar episódios quase inteiros em outros personagens, alguns deles inspirados (ou inspirando) os atos de Ed Gein: É o caso de Ilsa ‘She Wolf’ Kock (Vicky Krieps, de “Tempo” e “Trama Fantasma”), esposa de um oficial da cúpula nazista, notória pelas crueldades com que torturou e matou empregados judeus sob seu jugo (e que veio a ser a principal fonte de inspiração para todo um fenômeno fetichista do pós-guerra, o naziexploitation, cujos quadrinhos eram consumidos por Gein); o próprio diretor Alfred Hitchcock (Tom Hollander, de “Piratas do Caribe-No Fim do Mundo”) subitamente capturado por um irreprimível fascínio pela história de Gein quando decide, em 1964, realizar seu seminal “Psicose”; o próprio ator Anthony Perkins (Joey Pollari), intérprete de Norman Bates em “Psicose” que, anos depois, não encontra meios de se dissociar do icônico papel; o diretor Tobe Hopper que, no fim dos anos 1970, enxerga um enfoque totalmente novo e inesperado na sanha assassina de Ed Gein quando concebe o desconcertante e simbólico “Massacre da Serra Elétrica”; a jovem Adeline Watkins (Suzanna Son), jovem desajustada de La Crosse que envolve-se com Ed Gein e escapa de tornar-se uma de suas vítimas justamente por conta da terrível morbidez que compartilhava com ele; a influência de Gein mesmo em obras aclamadas como a caracterização do antagonista de “O Silêncio dos Inocentes” (a mais breve de todas as menções, pouco mais que uma cena); e, no último capítulo, a forma como Ed Gein, por ter sido inaugural em toda uma vertente de assassinos psicopatas que afloraram nos EUA no Século XX, já idoso, contribui com a polícia e o FBI na captura de outro feroz serial killer, o também notório Ted Bundy –numa manobra que muitos críticos enxergaram como uma redenção do personagem, uma escolha narrativa problemática que, à sua maneira, parece ignorar os aspectos moralmente reprováveis de seu protagonista.

sábado, 11 de outubro de 2025

O Ônibus Perdido


 Sempre ávido por tramas extraidas da realidade, o diretor Paul Greengrass moldou ao longo dos anos um cinema feito de urgência, de um estilo muito característico e de uma atenção voltada aos esforços do homem comum diante de circunstâncias gigantescas que o oprimem, sejam elas de ordem política (“Domingo Sangrento”), existencial (“Voo United 93”), sociológica (“Capitão Phillips”) ou de ordem física, como neste caso aqui.

“O Ônibus Perdido” é baseado no caso do Incêndio Camp Fire, ocorrido no verão de 2018, registrado como o maior incêndio florestal da história.

Seu protagonista é Kevin McKay (Matthew McCounaghey) um motorista de ônibus escolar na cidade de Paradise, no condado de Butte, no norte da Califórnia, cujas complicações da vida familiar (o divórcio com a ex-esposa, o falecimento recente do pai, a relação com o filho, ressentida pelo distanciamento) começam a comprometer sua vida profissional: Os problemas com o filho adolescente e com a mãe adoentada (ambos interpretados pelo filho e pela mãe de Matthew na vida real) o impedem de honrar os horários de trabalho, o que esgota a paciência de sua supervisora e chefe (Ashlie Atkinson, de “Margot e O Casamento”).

No dia 8 de novembro de 2018, uma falha nas torres de energia da região de Feather River Canyon provoca uma série de faíscas que, devido aos ventos fortes, logo originam um foco de incêndio. Embora denunciado pelos motoristas da auto-estrada ao corpo de bombeiros da região, o foco de incêndio acaba não sendo controlado, em parte por que o acesso aos declives se mostra desafiador aos bombeiros, em parte porque o próprio vento se encarrega da propagação.

Quando as chamas começam a revelar colunas imensuráveis de fumaça, os chefes das brigadas de incêndio, mesmo munidos de alta tecnologia e cobertura via satélite, inicialmente presumem ser mais do que apenas um incêndio. É o Capitão Martinez (Yul Vazquez), Chefe da Divisão de Bombeiros da Califórnia, que logo se dá conta de que trata-se de um único e gigantesco incêndio. Não apenas gigantesco, mas potencializado por uma extrema facilidade de propagação.

Os fortes ventos não demoram a levar o fogo para a cidade de Concow, ameaçando seriamente sua população, depois dela, Magalia e, sem seguida, Paradise.

Quando por fim os alertas de evacuação são emitidos (um tanto quanto tarde demais), o incêndio alastrou-se de forma tão rápida que os meios de comunicação municipais de Paradise já haviam sido comprometidos –instituições, como as escolas, foram avisadas por meios indiretos, e as pessoas foram instruídas a seguirem para abrigos, afastando-se da Área Leste, a região de maior risco. Entretanto, um grupo de 23 crianças é deixado para trás. Quando é requisitado, via rádio PX, um ônibus que estivesse disponível nas imediações da Área Leste para resgatar as crianças (todos os demais ônibus, notificados, já haviam partido com suas crianças para os abrigos), o único disponível no local é o de Kevin –ele havia se atrasado para levar o veículo à manutenção devido à um problema de febre do filho. Designado para ir buscar as crianças acompanhadas da Prof. Mary Ludwig (America Ferrera, de “Barbie”), Kevin deve correr contra o tempo e contra o perigo para atravessar toda a caótica Área Leste –convertida num verdadeiro inferno devido à debandada em desespero da população, às chamas que já começavam a consumir tudo e à fumaça espessa e densa que converteu o dia em noite (na primeira das inúmeras cenas impressionantes que o filme entrega) –e trazer as crianças de volta para seus pais aflitos.

É um cinema humanista este que Paul Greengrass realiza. Sem arroubos, sem sentimentalismo ou panfletagem, ele concebe uma obra na qual seu impacto (seja a tensão avassaladora das cenas, seja a emoção insuspeita em seu ápice) provem tão somente da objetividade na história que busca contar –uma história sobre o empenho cristalino do homem comum em sobreviver mesmo que diante de forças implacáveis da natureza.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Também Conhecido Como Charlie Sheen

 


Parte 1

Tão cheio de histórias para contar (muitas inéditas até para fãs ferrenhos), este documentário da Netflix sobre a vida loca do astro Charlie Sheen resultou tão extenso que precisou ser dividido em duas partes. A verdade é que a trajetória de Charlie Sheen –nascido Carlos Irwin Estevez, filho do astro Martin Sheen –se confunde com parte da história do showbizz norte-americano, no cinema e na TV. Aqui, o próprio Charlie Sheen se expõe diante das câmeras e assume muitos de seus imensuráseis lapsos, não se furtando de comentar muitos momentos escabrosos que ele mesmo protagonizou ao longo de seus 60 anos.

O filme já começa surpreendente, revelando que Charlie Sheen (assim como seus irmãos, entre eles o também ator Emilio Estevez) foi amigo de infância de Sean Penn (que comparece prestando seu depoimento) de quem eram vizinhos! Desde muito jovem, o pequeno Charlie conviveu com os bastidores de Hollywood na companhia do pai –suas lembranças do caótico set de filmagens de “Apocalypse Now” são uma passagem marcante –assim, não chegou a ser surpresa quando, já a adentrar os anos 1980, ele e Emilio tiveram interesse em ingressar na carreira cinematográfica. Com o nome Charlie Sheen (em correspondência ao nome artístico do pai, algo que Emilio optou por não adotar), ele conseguiu seu primeiro papel num filme de terror B, “The Grizzly 2”, que foi também a estréia de George Clooney e Laura Dern (!), lamentando o fato de que, com isso, deixou escapar a chance de estrelar “Karatê Kid” (!!). No entanto, ele conseguiu se sobressair no papel seguinte, chamando a atenção numa ponta de apenas três minutos no filme “Curtindo A Vida Adoidado”.

O estrelato até que veio de forma rápida e inesperada: Ele aceitou o papel principal no drama da Guerra do Vietnam “Platoon” –até uma maneira de homenagear o próprio pai –e, no ano seguinte, enquanto filmava “Wall Street-Poder e Cobiça” com o mesmo diretor Oliver Stone viu a produção ganhar o Oscar de Melhor Filme. A badalação logo trouxe seu ônus, potencializado pela amizade dele com Nicolas Cage, outro notório bad boy do período: São inúmeras as histórias de farras, bebedeiras e excessos protagonizadas pelos dois.

Ao fim da década de 1980, começo da de 90, Charlie já demonstrava sinais preocupantes de descontrole, o que levou sua família a tentar uma intervenção e a colocá-lo, pela primeira vez, numa clínica de reabilitação. Ai sair de lá, ele logo engatou o sucesso “Top Gang-Ases Muito Loucos”, uma paródia de “Top Gun-Ases Indomáveis” –logo depois dele, Sheen estrelou a continuação (talvez, até mais famosa do que o primeiro filme!) “Top Gang 2-A Missão”, paródia, por sua vez, de “Rambo 2”. Duas coisas ficaram bem claras: A primeira, que o público conseguia perfeitamente vê-lo como um comediante; e a segunda, que mesmo visitando o fundo do poço, uma recuperação era possível.

Ainda na década de 1990, Sheen participou do filme “Tudo Por Dinheiro” (que fez mais sucesso nos EUA do que aqui no Brasil) do qual a maior e melhor consequência foi a amizade com o co-star Chris Tucker, entretanto, naquela época, um dos escândalos de maior repercussão envolvendo o nome de Charlie Sheen foi mesmo o julgamento de Heidi Fleiss, conhecida como “A Cafetina de Hollywood” por agenciar garotas de programa para vários famosos de Los Angeles –levada à julgamento por sonegação de impostos, Heidi teve sua lista de clientes revelada ao público, e quem era o cliente número 1 da lista? O próprio Charlie Sheen, cujos cheques foram encontrados em propriedade de Heidi!

Após esses e outros tantos percalços inacreditáveis, os últimos anos da década de 1990 encontraram Charlie Sheen disposto  a reconquistar a sobriedade e abandonar seus vícios. A Parte 1 se encerra, nesse ponto, contudo, todos sabem que há muito mais história para ser contada na Parte 2 –e provavelmente, ficou reservado para lá os trechos mais hardcore da vida tumultuada desse inacreditável Charlie Sheen.

Parte 2

Na segunda parte de sua trajetória pra lá de problemática e tumultuada, Charlie Sheen revela que chegou em meados de 1998 disposto a sossegar –ele pensava que a pior fase de seu vício em drogas e de suas bebedeiras havia passado e, agora que estava limpo e fora da reabilitação, seu objetivo era obter alguma estabilidade profissional. O cinema era então um mercado extremamente disputado (e, devido à sua notoriedade, os papéis rentáveis de protagonista não chegavam mais, apenas propostas para papéis coadjuvantes) e ele achou que a TV oferecia oportunidades mais consistentes para ele ganhar a vida. Foi assim que, no ano 2000, ele foi contratado para uma sitcom chamada “Spin City”, estando ela em sua quarta temporada (!). Acontece que o astro original de “Spin City”, Michael J. Fox, havia sido diagnosticado com Mal de Parkinson e, diante de sua saída da série, os produtores pensaram na arriscada possibilidade de contratar outro ator para, com outro personagem, tentar substituir o protagonista anterior –contra muitos prognóstipos, Charlie Sheen conseguiu dar uma sobrevida à série, levando à ainda mais duas temporadas, o que resultou em sua vitória como Melhor Ator em Série de Comédia e Musical no Globo de Ouro 2002, o primeiro e único prêmio de atuação que, até hoje, Charlie Sheen afirma ter conquistado!

Contudo, não há como falar de Charlie Sheen e não falar da série “Two And A Half Men” –a Warner Bros. animada com o sucesso de “Spin City”, encomendou uma série ao produtor Chuck Lorre, onde um dos personagens principais, segundo ele, “tinha um Q de Charlie Sheen!”.

Os produtores conseguiram o próprio Charlie Sheen para dar vida ao personagem Charlie Harper, dando o estopim inicial a um dos maiores sucessos da TV norte-americana. Na época, Charlie estava casado com a atriz Denise Richards (de “Tropas Estelares” e “Garotas Selvagens”) que havia conhecido no set de “Spin City” e que esteve presente na primeira temporada de “Two And A Half Men”. Ao longo daqueles anos –como é relatado pelo próprio Charlie e também por seu colega de elenco, Jon Cryer –Charlie tentou compensar a falta que começava a sentir do êxtase provocado pelas drogas e pelo álcool tomando remédios; ele simulava sintomas de doenças específicas em consultas médicas para que lhe fossem receitados remédios específicos que ele começou a consumir. O resultado desse novo vício foram alterações súbitas de humor e surtos de agressividade que culminaram no fim de seu casamento.

Não tardou para que o inquieto Charlie arrumasse uma outra esposa, desta vez a socialite Brooke Mueller, instável e viciada, cujo comportamento logo leva Charlie à retornar para o consumo de drogas. Mais tumultos e escândalos se seguem, resultando em mais um divórcio. Curiosamente, a audiência de “Two And A Half Men” só faz crescer, e com ela o cacife de Charlie Sheen junto à Warner Bros. o que o leva, em sucessivas negociações para novas temporadas, a se tornar o ator mais bem pago da história da TV norte-americana!

Tanto dinheiro leva à ainda mais excessos, e Charlie acaba contratando um traficante de drogas particular (!!), que depois tornar-se seu grande amigo, e comparece até mesmo neste documentário (!!!), prestando um descontraído depoimento (!!!!).

No auge do seu vício e acarretando muitos transtornos para a produção da série, Charlie é retirado pelos produtores de “Two And A Half Men”, nessa época ele também se casa com a atriz pornô Brett Rossi (!!!) e, após divorciar-se dela, é diagnosticado HIV positivo.

O documentário mostra suas sucessivas apresentações nos EUA –algo como apresentações de stand-up sem ser stand-up... –nas quais Charlie insistia numa richa descabida com a Warner e os produtores que o demitiram. De qualquer forma, essas apresentações serviram para consolidar Charlie Sheen como uma espécie de ícone da atualidade, arrebanhando milhões de seguidores em redes sociais, e transformando-o numa celebridade cult, com direito a memes e citações na internet; inclusive de algumas entrevistas prestadas na época, das quais hoje Charlie admite sentir tremenda vergonha.

Essa via-crusis auto-destrutiva só não o engoliu por completo porque seu traficante pessoal (lembram dele?!), por ter se tornado seu grande amigo, resolveu um dia reduzir gradativamente o conteúdo de cocaína nas drogas que Charlie consumia (isso porque o próprio Charlie afirmou que, no que dependesse dele, ele não iria parar!). Assim, em cerca de um ano, o consumo já não o estava afetando, e ele se encontrou em condições de parar definitivamente.

Desconcertante pela forma extraordinariamente despoja com que seu personagem principal se presta à expor, comentar, admitir e a fornecer seu ponto de vista da maior parte das passagens que compuseram sua atribulada trajetória (só é omitida sua tentativa, não muito eficaz, de emplacar com a série “Tratamento de Choque”), e em breves instantes, tocante na evidência de um certo arrependimento com que Charlie admite ter desperdiçado muitos momentos importantes em família por causa de seus vícios, este documentário salienta a persona singular de um ator carismático, talentoso e incorrigível que conseguiu se tornar um personagem muito mais antológico e peculiar do que qualquer outro que interpretou. A contar até a gravação deste documentário, Charlie Sheen está limpo há oito anos.