terça-feira, 21 de janeiro de 2025

A Letra Escarlate


 Em tempos em que Demi Moore é sondada para a ganhar o Oscar de Melhor Atriz pelo surpreendente “A Substância”, vamos voltar numa época em que muitos acreditam que isso era algo impossível de se acontecer, mais precisamente no ano de 1995, quando do lançamento do drama “A Letra Escarlate” que veio acompanhado junto de uma campanha para levá-la ao Oscar. O que terminou resultando em ainda mais chacota em relação aos dotes dramáticos de Demi como atriz –por aqueles anos, ela viu, paralelo ao crescimento de seu status como estrela de cinema, as indicações a si mesma como Pior Atriz do Ano no Framboesa de Ouro se multiplicarem.

É verdade que o filme também não ajuda muito: A cena inicial (uma reunião de índios para uma espécie de cortejo fúnebre) já deixa bem claro as propensões do diretor Roland Joffé (que dirigiu “A Missão”, um hábil retrato do conflito indígena) para inserir mais aventura no texto todo drama e folhetim extraído do romance literário de Nathaniel Hawthorne (já adaptado para cinema, inclusive, por Win Wenders, e muito homenageado na comédia “A Mentira”). Na Nova Inglaterra, um vilarejo na América ocupado por uma comunidade de imigrantes ingleses recebe entre seus recém-chegados Esther Prynne (Demi Moore), enviada por seu marido, Roger Prynne, para que, antes de sua chegada, comece os preparativos para arrumar a casa em que irão viver.

Logo de cara, Esther demonstra iniciativa e independência que alarmam os mandatários locais, homens religiosos de rígido código moral para os quais o papel da mulher, em sociedade, deve vir cercado por regras de opressão. Com o tempo, Esther –que casou-se ainda bem nova, com um homem mais velho –torna-se amiga do pastor Arthur Dimmesdale (Gary Oldman), por quem acaba, mais tarde, se apaixonando.

Ator tão talentoso quanto generoso, Oldman já era calejado em papéis de vilão naquele período (havia feito, além de “Drácula de Bram Stoker”, também “O Profissional” e “O Quinto Elemento”), o que faz de sua escolha para o papel de galã romântico uma alternativa bastante curiosa –e um dos poucos lampejos inspirados do filme.

Enamorados um pelo outro, Arthur e Esther têm uma fortuita noite de amor quando acreditam que o marido de Esther, Roger (interpretado, à propósito, por Robert Duvall), foi morto num ataque de índios à sua embarcação. Na verdade, Roger terminou prisioneiro dos selvagens que o mantêm cativo por um tempo; quando ele, entre um e outro surto de loucura, começa a absorver alguns de seus costumes.

Quanto à Esther, ela engravida e, quando esse fato se torna óbvio para a comunidade (evidenciando também o adultério que ela cometeu), os senhores locais exigem que ela revele a identidade de seu amante, a fim de enforcá-lo. Esther guarda segredo para poupar a vida de Arthur, mas acaba vítima das consequências: Nos meses que se seguem, ela é aprisionada (acaba sendo solta apenas quando, por fim, dá à luz a uma menina, de nome Pearl), e quando ganha a autorização para voltar para casa e cuidar da filha, ela tem uma letra ‘A’ escarlate costurada às suas roupas –a indicação e a constante lembrança de que ela foi adúltera e, por isso, deve sofrer retaliação moral da comunidade, para onde quer que vá.

Ao melodrama clássico, esboçado com pompa e circunstância no livro original –e que foi relativamente assim mantido em outras adaptações mais ou menos bem sucedidas do material –o diretor Roland Joffé acrescenta doses de paranóia e suspense (quando Roger, mais vilanesco do que nunca, regressa dos mortos e, munido de outra identidade, promove uma ‘caça às bruxas’ na aldeia a fim de descobrir  quem foi o homem misterioso com quem Esther envolveu-se), além de, ao fim, até um pouco de ação (quando os índios, mostrados naquele início, decidem invadir a aldeia dando um golpe de misericórdia nas sandices generalizadas dos homens brancos)! Nada disso, porém consegue extrair seu filme de uma certa apatia –na verdade, até piora um pouco as coisas: Tantas são as desventuras a abater-se sobre sua sofrida protagonista, e tão esmerado é o esforço dos realizadores para torná-los uma penitência sem fim, que o papel de amante misterioso resguardado ao omisso Arthur termina fazendo-o parecer um tremendo idiota na maior parte do tempo –o que, claro, depõe terrivelmente contra o romance que, em inúmeras momentos (sobretudo, na inserção quase onipresente da melosa trilha sonora de John Barry), este filme parece querer ser.

sábado, 18 de janeiro de 2025

O Homem Elefante


 Quando em 1981 o produtor Mel Brooks escolheu David Lynch para dirigir sua acalentada produção “The Elephant Man”, sobre a história real de John Merrick, portador de uma rara deformidade que o tornou vítima de toda sorte de preconceito e compaixão durante a Inglaterra vitoriana, ele tinha, quando muito, o experimental “Eraserhead” como referência desse jovem diretor –Brooks não tinha como saber o quando a personalidade singular e o talento inigualável para moldar inquietações da mente humana fariam de Lynch um nome quintessencial para esse estilo surrealista muito específico que ele discorreu em obras marcantes no cinema e na TV –e que, por vezes, ele seria um dos poucos capazes de dominar com brilhantismo tal linguagem.

É natural, portanto, que “O Homem Elefante” mantenha certa distância das obras bem mais pessoais que David Lynch veio a entregar depois –tal e qual o próprio “Duna”, que Lynch dirigiu na sequência, três anos depois, “O Homem Elefante” é uma obra de encomenda para um estúdio (essa característica se reflete no fato de ser um filme de época e, por consequência, ostentar uma caprichadíssima reconstituição) e, com isso, espelha não só as ideias de seu diretor, mas também as de seu produtor e, não duvido, de todo um comitê executivo por trás do projeto. Ainda assim, David Lynch foi capaz de trazer um braço artístico para aquele corpo comercial, como também preservou nele elementos simbólicos de seu cinema, como o apreço por filmes obscuros de terror (a fotografia em preto & branco, que remete às produções antigas do gênero e ao expressionismo alemão, é de um atrevimento estético notável para aqueles coloridos anos 1980 de então).

A trama acompanha o cirurgião Dr. Frederick Treves (Anthony Hopkins, pouco mais de uma década antes da consagração como Hannibal Lecter) que, numa visita a uma exibição circense, descobre a existência de John Merrick (John Hurt, absolutamente surpreendente numa atuação que conjuga expressões faciais, gestos e uma pesada maquiagem), um homem apresentado ao público pagante como uma aberração exótica. Compadecido com Merrick e curioso para com sua condição –ele acredita que sua deformidade tem origem numa misteriosa doença, e intenciona estudá-lo –o Dr. Treves o recolhe em sua mansão, onde visa proporcionar a Merrick a chance de aprender, a almejar dignidade e obter a improvável aceitação da puritana sociedade inglesa da época.

Entretanto, apesar dos avanços notáveis de Merrick, e da diversificada celeuma que ele desperta em acadêmicos e aristocratas, o passado ameaça retornar, na forma de um aventureiro (Freddie Jones, de “Krull” e “E La Nave Vá”) que não desiste da ideia de persegui-lo e lucrar com sua exibição nos corriqueiros shows de horrores dos subúrbios londrinos.

Avassalador sucesso de crítica na época de seu lançamento, “O Homem Elefante” foi indicado à oito Oscars na cerimônia de 1981, infelizmente não levando nenhum... a categoria de Melhor Maquiagem (a qual certamente teria arrebatado o prêmio!) só foi criada no ano seguinte, muito em função dos protestos acarretados pela produção este filme.

Como “História Real” e o já mencionado “Duna”, “O Homem Elefante” destoa ligeiramente do restante da filmografia desse incomparável David Lynch –no que ele se iguala aos seus pares, porém, também assinados por seu brilhante realizador, é no primor artístico que exala de cada um de seus fotogramas, na compreensão dramática e narrativa, espantosa, até pelo fato de sabermos ser este apenas seu segundo longa-metragem, e na forma com que, habilmente, Lynch manipula percepções e emoções construindo aqui um tratado moral sobre nossos próprios preconceitos, sobre a empatia e sobre as equivocadas definições sensoriais (partilhadas até por nós mesmos, enquanto público) numa cultura onde o belo é bom e o feio é mau.

David Lynch, que no dia 15 de janeiro de 2025 nos deixou, marcou a história do cinema como um de seus mais inestimáveis realizadores, autor de obras diversas, primorosas, inesperadas, versáteis, plenas no entendimento de uma pluralidade humana e das extensões infindas de toda nossa complexidade. Descanse em paz, mestre dos sonhos obscuros, sabendo que sua arte está imortalizada nos filmes preciosos e antológicos que seu talento reservou ao mundo.

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Anora


 Nunca esteve nos planos de ninguém que o clássico “Uma Linda Mulher” fosse um filme realista; nem nos planos do falecido diretor Garry Marshall (que ao longo da carreira especializou-se em comédias românticas ingênuas e açucaradas), e muito menos nos planos da produtora Touchstone Pictures, subsidiária da Disney. O enredo de “Uma Linda Mulher”, para quem não sabe, gira em torno de um milionário bonitão e disponível que paga uma prostituta do Hollywood Boulevard para o acompanhar por uma semana e, durante esse tempo, a moça lhe conquista o coração, provando que é sua alma gêmea e que foram feitos um para o outro.

Existe até um certo esforço, na direção de Marshall em conceber um filme que pareça, em princípio, adulto, com toques realistas, dramaticamente convincente e tudo o mais; no entanto, basta um pouco de sensatez no expectador para perceber que, apesar da traquinagem em querer retratar superficialmente a prostituição de Los Angeles, o filme é tão somente um conto de fadas. E não há nada de mal nisso: “Uma Linda Mulher” é um filme agradável, deu uma indicação ao Oscar para sua protagonista, Julia Roberts, e para o público a que se dirige, funciona à perfeição.

Não deixa de haver também uma dose de traquinagem no diretor e roteirista Sean Baker (de “Projeto Flórida”) quando ele realiza, com o premiado “Anora” (vencedor da Palma de Ouro em Cannes 2024), uma versão verdadeiramente realista, ácida, adulta e, no fim das contas, igualmente engraçada e apaixonante, de “Uma Linda Mulher”.

Anora, ou Ani (a sensacional Mikey Madison, de “Era Uma Vez Em Hollywood”), trabalha numa boate do Brooklyn como prostituta fazendo pole dancer e servindo de acompanhante. Ele e suas amigas e/ou rivais pescam clientes no bar e os convencem a irem aos quartos privados para uma dança particular –as garotas ficam completamente nuas se gostarem demais do cliente ou se as pagarem muito bem. Numa dessas noites corriqueiras, Ani conhece o jovem e tresloucado Ivan (Mark Eidelshtein) que logo a chama para um programa mais particular, em sua impressionante mansão à beira do Hudson. Os percalços sub-sequentes desse ‘romance’ são mostrados pelo diretor Baker numa turbilhão divertido e incessante: Ani o satisfaz plenamente; ele a convida para uma festa, onde os dois terminam, mais uma vez, na cama; até que então, Ivan propõe a ela que o acompanhe, mediante pagamento, por uma semana –até mesmo um diálogo, referencial à “Uma Linda Mulher” é espertamente acrescentado à cena pelo diretor e roteirista Baker.

Ao longo de uma semana de muita diversão, bebedeira e farra, Ivan –que é, diga-se, herdeiro de um rico casal de oligarcas russos –se sente tão à vontade com a companhia de Ani que, durante uma breve viagem festiva à Las Vegas, pede ela em casamento. Ainda que inicialmente incrédula com a possibilidade de uma mudança de vida tão súbita, inacreditável e afortunada, Ani aceita, e os dois se casam.

Entretanto, como reza a cartilha mais da realidade que da ficção –Quando a esmola é demais, o santo desconfia: Tão logo a notícia de que Ivan se casou se espalha, os pais dele, lá da Rússia, acionam homens de confiança na esperança de por as coisas em seus devidos lugares. Eles chamam Toros (Karren Karagulian), uma espécie de homem de confiança da família, e junto com ele, seus capangas, o irmão de Toros, Garnick (Vache Tovmasyan), e o novato Igor (Yuriy Borisov), que logo aportam na mansão em Nova York para saber o que está acontecendo.

E está assim armada a confusão –ao contrário de Garry Marshall, não é do interesse de Sean Baker moldar uma comédia romântica, ou mesmo algo próximo de uma história de amor. Calcado num realismo e numa crítica social que ele herdou de suas raízes no cinema independente norte-americano, Baker constrói um filme magnificamente envolvente, saboroso, engraçado e, no fim das contas, tenso com as situações que vão se somam num registro ligeiramente diferente do visto na primeira parte. Se antes, a narrativa se ocupava da trajetória superficial, banal até, de um relacionamento jovem em gestação –com todos os seus estágios de êxtase, consumo de drogas e baladas, a tornar tudo elíptico –a partir da metade, “Anora” concentra-se num andar mais desacelerado de seu plot, ciente de que chegou na parte realmente original da coisa: Imaturo, como ficou claro desde o começo, Ivan foge da mansão para não encarar a realidade (seus pais estão vindo da Rússia para lhe dar um corretivo) deixando Ani com um abacaxi nas mãos. Ela precisa lidar com Toros (hilário em sua perplexidade) com Garnick (mais perdido que cego em tiroteio) e com as tentativas sempre repelidas do pobre Igor em ser amigável. Num dado momento, toda essa trupe entra num carro e sai por Nova York à procura de Ivan –e as novas confusões que se seguem transformando “Anora” no filme mais hilariante de 2024.

Merecidamente aclamado por público e crítica, “Anora” é tão bom que chega a despertar um sentimento de desconfiança no expectador –como um filme tão satisfatório (o arco dramático e narrativo de Anora, enquanto protagonista é de uma perfeição só), tão preciso em termos de humor e condução (os personagens como um todo são brilhantemente planejados, construídos e interpretados, com destaque para a protagonista Mikey Madison, absolutamente formidável), tão incrivelmente certeiro na diversão que se propõe conseguiu agradar aos críticos, normalmente tão sisudos, do Festival de Cannes?

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Os Vencedores do Globo de Ouro 2025


 Eu ainda insisto nesse hábito de chamar a premiação de Globo de Ouro, quando na verdade, imprensa, crítica especializada e público já chamam Golden Globe... mas, a despeito disso, tivemos uma ideia, neste domingo dia 5 de janeiro de 2025, dos prováveis favoritos à temporada de prêmios em geral, e ao Oscar em particular, ou será que não? E no meio disso tudo, um bem-vindo sopro de orgulho para nós, brasileiros!

Vamos lá, às categorias de cinema:

MELHOR FILME DE DRAMA

O Brutalista

MELHOR FILME DE COMÉDIA OU MUSICAL

Emilia Pérez

MELHOR DIREÇÃO

Brady Corbet (O Brutalista)

MELHOR ATOR EM FILME DE DRAMA

Adrian Brody (O Brutalista)

O favoritismo até então claudicante de “Emilia Pérez” confirmou-se com suas quatro vitórias no Globo de Ouro –incluindo a categoria de Filme em Língua Não Inglesa, derrotando o Brasil –o mesmo parece valer (embora com um pouco menos de intensidade por parte da crítica) para “O Brutalista”, logo atrás com três prêmios; curioso que o ator Adrien Brody, após sua consagração com “O Pianista” há uns vinte e dois anos atrás, volta aos holofotes e às premiações com um personagem bastante parecido. Embora tenha saído de mãos vazias (apesar de muitas indicações e de ostentar até então um considerável favoritismo), “Anora” tem sido bastante lembrado nas indicações de praticamente todos os prêmios de Melhor do Ano, o que pode favorecê-lo se a maré virar para o seu lado no futuro da temporada.

MELHOR ATRIZ EM FILME DE DRAMA

Fernanda Torres (Ainda Estou Aqui)

O grande momento da noite, pelo menos para nós, aqui no Brasil. Não havia uma favorita na categoria de Atriz Dramática, embora as concorrentes de Fernanda Torres fossem fortes (e, pelo menos, Tilda Swinton, de “O Quarto Ao Lado”, fosse apontada por algumas casas de apostas como provável vencedora), isso culminou com sua emocionante vitória, o que pavimenta seu caminho para uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz, seguindo os passos da mãe Fernanda Montenegro –ela também foi indicada o Globo de Ouro de Atriz Dramática em 1999 (conquistado, na ocasião, por Cate Blanchet por “Elizabeth”), lembrando que, no Oscar, quando foi indicada, foi lamentavelmente preterida por Gwyneth Paltrow. Espera-se que desta vez a Academia e os votantes (que não são mais os mesmos!) não repitam esse erro.

MELHOR ATOR EM FILME DE COMÉDIA OU MUSICAL

Sebastian Stan (Um Homem Diferente)

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Zoe Saldana (Emilia Pérez)

MELHOR ATOR COADJUVANTE

Kieran Culkin (A Verdadeira Dor)

Muitas caras relativamente novas na premiação para cinema. Com dois astros vindos –veja só! –da Marvel Studios (Sebastian Stan, o Soldado Invernal; e Zoe Saldana, a Gamora de “Guardiões da Galáxia”) para a consagração em obras de gente grande. Mas, Sebastian realmente mereceu por seu belíssimo trabalho, e a entrega de Zoe Saldana à sua personagem (o que inclui um número musical cheio de energia) é uma das grandes surpresas de “Emilia Pérez”. Finalmente, o já premiado Kieran Culin começa a migrar de sua área habitual, a TV, para o cinema, garantindo o único prêmio da noite para o filme escrito e dirigido por Jesse Eisenberg.

MELHOR ATRIZ EM FILME DE COMÉDIA OU MUSICAL

Demi Moore (A Substância)

Dona do discurso mais emocionante da noite, Demi Morre surpreendeu muita gente (incluindo ela própria) ao ser anunciada como vencedora na categoria de Melhor Atriz Cômica –até porque o terror “A Substância”, ainda que magnífico, está longe de ser uma ‘Comédia ou Musical’ como alardeado na categoria... –quando muitos já esperavam uma vitória de Karla Sofía Gascón, por “Emilia Pérez”, ou de Mikey Madison, por “Anora”, apontadas como as favoritas. Como a própria Demi afirmou, esse é seu primeiro prêmio conquistado na carreira como atriz; e deu uma vontade danada de vê-la indicada ao Oscar para ver onde isso vai dar!

MELHOR ANIMAÇÃO EM LONGA-METRAGEM

Flow

MELHOR ROTEIRO

Peter Straughan (Conclave)

MELHOR FILME EM LÍNGUA NÃO-INGLESA

Emilia Pérez (França)

Uma pena o belíssimo “Robô Selvagem” ter perdido para “Flow” que foi pouco falado, pelo menos, por aqui. No entanto, críticos de todos os cantos estão reiterando ser essa, realmente, a grande animação de 2024, e não o longa-metragem da Dreamworks. “Emilia Pérez” simplesmente arrebatou o prêmio de Filme em Língua Não Inglesa, definindo-o como o favorito para essa temporada, ao menos, nessa categoria. Uma pena para “Ainda Estou Aqui”... Na categoria de Melhor Roteiro, “Conclave” parece prevalecer como sua única chance de vitória nas outras premiações.

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL

"El Mal", Camille, Karla Sofía Gascón e Zoe Saldana (Emilia Pérez)

MELHOR TRILHA SONORA ORIGINAL

Trent Raznor e Aticcus Ross (Rivais)

CONQUISTA CINEMATOGRÁFICA E DE BILHETERIA

Wicked

A Canção Original de “Emilia Pérez” já era quase uma barbada, isso porque o filme de Jacques Audiard concorria já com duas canções (mesmo procedimento que houve com “Barbie” ano passado) e “El Mal” tem, de fato, uma execução poderosa, certamente um dos grandes momentos do longa. A trilha sonora ficou com Trent Raznor e Aticcus Ross (os mesmos de “A Rede Social”) definindo o único prêmio para o filme de Lucca Guadagnino, e o troféu de Conquista Cinematográfica e de Bilheteria para “Wicked” acabou soando como um prêmio de consolação (impressão que já havia se dado ano passado), quando minha torcida era mesmo para “Deadpool & Wolverine”.

Agora é possível afirmar que a Temporada de Prêmios realmente começou; em uma semana teremos Critics Choice Awards, depois Bafta, SAG e tudo o mais, até culminarmos no Oscar, do qual ainda não temos as indicações. Quem viver, verá!

domingo, 5 de janeiro de 2025

Ligadas Pelo Desejo


 Primeiro filme realizado pelas Irmãs Wachowski –algo como um experimento do estúdio, a fim de avaliar se eram capazes de fazer um filme antes de viabilizar o orçamento para seu mais ambicioso projeto, um certo épico de ficção científica chamado “Matrix”... –“Bound” possui obviamente uma economia de recursos que define este tipo de realização, no entanto, cumpre seu papel ao exibir uma dupla de diretores (ou melhor, diretoras) em pleno domínio de ritmo e clima de sua narrativa numa obra esperta, original e equilibrada que une elementos noir com um inconformismo pós-moderno que muito remete ao cinema dos Irmãos Coen: Em suma, uma produção indicativa de talentos promissores.

Numa proposta bastante arrojada para a época (anos 1990), mas que hoje tornou-se um bocado lugar comum em muitas produções de cinema e TV, a trama de “Bound”, embora flerte com expedientes de gênero prontamente reconhecíveis como o já mencionado suspense noir e o filme de gangster, tem a audácia de centralizar esses elementos ao redor de um casal de lésbicas (!). Assim como no brilhante “A Criada”, realizado décadas depois, a trama que se desenvolve a partir de alianças, mentiras e traições características de um filme dos anos 1950 e 60 (que parece fascinar seus realizadores) traz não um homem e uma mulher (inescapavelmente uma femme fatale) às voltas com intrigas das quais precisam se safar para escapar juntos e com vida, mas, na verdade, duas mulheres!

Os pivôs dessa inusitada intriga (de novo, inusitada para a época) são Corky (vivida por Gina Gershon, de “Showgirls”) e Violet (vivida por Jennifer Tilly, de “A Fuga” que, dois anos antes, havia sido indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “Tiros Na Broadway”, de Woody Allen). Recém-saída da penitenciária, Corky, sempre marrenta e arredia, arruma emprego como encanadora de um prédio do subúrbio caindo aos pedaços –palco para o desenrolar de toda a trama. Tal prédio, serve de moradia provisória para o casal Caesar (Joe Pantoliano) e Violet (a autêntica femme fatale do filme), e para os eventuais encontros que ele, um capanga contratado da máfia, tem com os gangsteres que pagam seus serviços.

Desprezadas pelos obtusos personagens masculinos, atentas e cientes a todos os desdobramentos pela força das circunstâncias (Corky, é encanadora e, por isso, está sempre ouvindo as negociações que se sucedem nos apartamentos ao lado; enquanto, Violet, no subestimado papel de esposa-troféu, fica por dentro de todas as conversas, alianças e traições das quais participa o marido), as duas pouco a pouco criam um laço afetivo –que descamba, pelo menos em uma cena, para um tórrido interlúdio sexual! –e descobrem que Caesar tem planos de trair seus chefões empregadores, incriminá-los e fugir com seu dinheiro debaixo do braço. Uma vez formando um casal, Corky e Violet têm agora um plano, digamos, paralelo: Ludibriar Caesar em sua traição contra os chefões, e enganar a todos, deixando os homens para trás e fugindo com o dinheiro.

No entanto, é com assassinos sem escrúpulos que as duas estão lidando, e escapar de sua retaliação, caso sejam desmascaradas, será algo que nem toda a esperteza do mundo poderá fazer por elas.

Inovador pelo protagonismo LGBT tão a frente de seu tempo (uma proposta que não deixa de pegar carona nas tendências eróticas adotadas pelo cinema hollywoodiano dos anos 1990), “Bound” certamente terminou à sombra da bombástica realização que as Irmãs Wachowski entregaram poucos anos depois, o que não o impede de ser um trabalho notoriamente interessante e válido, hoje pouquíssimo lembrado.

sábado, 4 de janeiro de 2025

Halloween - A Noite do Terror


 Na comparação com obras do gênero de terror lançadas em sua mesma época, “Halloween”, de John Carpenter, é um filme contido, restrito à sugestão e até elegante –isso se pararmos para pensar que, nos anos que o antecederam, foram lançados “Aniversário Macabro”, “Quadrilha de Sádicos”, “A Vingança de Jennifer” e “O Massacre da Serra Elétrica”. O exploitation, em geral, ainda estava em voga nos EUA, e na Europa, ainda o giallo, embora já fosse o início da defasagem desse sub-gênero.

Cheio de boas intenções e, à luz de algumas constatações relacionadas à época, o diretor John Carpenter nada mais quis do que resgatar, para aqueles novos e transgressivos tempos, algumas lições de sutileza e primazia deixadas pelo mestre Alfred Hitchcock, para quem prevalecia sempre, antes de qualquer carnificina gratuita, a sensação de perigo, a sugestão de ameaça, estabelecida por meio de um clima cuidadosamente construído. E não deixa de haver até certa poesia no fato de que “Halloween” traz, como protagonista, Jamie Lee Curtis, ela que é filha da atriz Janet Leigh (de “Psicose”) com Tony Curtis: É John Carpenter, ao assumir a cadeira de diretor, estabelecendo com seu filme uma indissociável relação com Alfred Hitchcock, a influência inquestionável para todos os ramos do suspense que se desdobraram a partir da década de 1970.

E “Halloween”, nada mais é que isso: Uma gradual evolução dessa espécie específica de cinema; depois que Hitchcock concebeu bases sob as quais construir essas narrativas, os italianos acrescentaram sangue e o estilo ópera-bufa para moldar o giallo, e o cinema mundial como um todo valeu-se das libertinagens criativas dos anos 1970 para agregar os ecos do exploitation, mas nos EUA, o que havia restado do suspense convertido em giallo transformou-se, por sua vez, em slasher. E o primeiro dessa safra –que revelou-se abundante em produção nos anos 1980 –é “Halloween”.

Sua história tem início em 1963, quando testemunhamos através de um inventivo e fascinante jogo de câmera –toda ela sob o ponto de vista do jovem assassino que adentra a casa após espiar através das janelas –o ainda pequeno Michael Meyers perpetrar seu primeiro assassinato: O de sua irmã, Judith, pouco depois dela fazer sexo com seu namoradinho –e está assim estabelecida uma das primeiras regras imutáveis do slasher, que não foi quebrada por nenhuma das sequências ou imitações que vieram depois: Quando uma personagem transa, automaticamente, na sequência ela irá morrer!

Corta para quinze anos depois e, em 1978 (época que, no filme, seria o tempo presente), Michael Meyers, após o surto psicótico esteve todo esse tempo numa clínica psiquiátrica, da qual já inicia o filme escapando, em pleno Dia das Bruxas. O Dr. Samuel Loomis (Donald Pleasence, escolhido pelo diretor provavelmente por marcar presença em festejadas produções cult da época, como “Armadilha do Destino”, de Roman Polanski, “THX 1138”, de George Lucas, e anos depois, “Phenomena”, de Dario Argento) que acompanhou o caso de Michael sabe que não existe, ali, qualquer esperança –trata-se de um assassino frio e implacável que fará mal a quem puder. A única alternativa é tentar pará-lo.

Por razões que permanecem nebulosas durante todo o filme (mas, que ganharão um certo respaldo em algumas das continuações), a vítima escolhida por Michael Meyers vem a ser Laurie Strode, personagem da própria Jamie Lee Curtis. Na verdade, este primeiro “Halloween”, em face de toda a mitologia que construiu-se depois em torno de seus personagens, revela-se um filme assombrosamente básico, cuja premissa serve somente às oportunidades para o diretor John Carpenter exercitar sua técnica e construir sua atmosfera.

E ele o faz magnificamente: Não importa se tudo o que ele fez aqui, virou clichê nas infindáveis imitações que o filme ganhou, em “Halloween”, essas escolhas continuam soando como decisões pontuais e eficientes à narrativa. Por exemplo, Laurie tem duas amigas, ambas –veja só! –muito mais sexualizadas que ela. Annie (Nancy Kyes) e Lyndsey (Kyle Richards) planejam passar o Dia das Bruxas aos amassos com seus namorados, entretanto, pelo menos Annie terá de se conformar em fazer o mesmo que Laurie: Trabalhar de babá, cuidando de uma criança para um casal da vizinhança. Todavia, Lyndsey tem planos para ajudar a amiga a escapar desse destino enfadonho. Durante grande parte da primeira metade de “Halloween” (ou até mais!), é isso que acompanhamos: As três amigas às voltas com uma rotina jovem e prosaica. Elas discutem na mesma dinâmica (Lyndsey é assanhada; Laurie, pudica e chocada com isso; e Annie mantem-se no meio-termo). Fumam maconha (tentando escapar da vigilância do pai de Annie, um policial interpretado por Charles Cyphers). Vão à escola, e de lá para casa. Ao longo, dessa sucessão quase banal de acontecimentos, o diretor registra a atenção quase voyeur de Michael Meyers sobre essas garotas, criando o suspense de uma ameaça iminente, sobretudo, graças ao uso  imodesto e intermitente da marcante trilha sonora (por sinal, de autoria do próprio John Carpenter). Neste filme, diga-se, não há nada de tão sobrenatural ou sobrehumano em Michael Meyers, características que ele foi adquirindo somente mais tarde, quando o próprio filme que protagoniza foi se consolidando como uma obra mítica dentro do gênero. Aqui, Michael rouba um carro, e passa o filme quase inteiro observando as garotas sem nada fazer. E tão lesadas são elas que nem lhes ocorre de chamar a polícia (ou mesmo avisar o pai de uma delas que É policial!) quando avistam, vez ou outra, esse cara estranho às seguindo ao longe.

A partir de mais ou menos a sua metade, “Halloween” explode nas sequências explícitas de morte que vinha sugerindo desde o começo –ainda que, de novo, na comparação com o que veio depois, ou mesmo com obras anteriores, ele se mantenha bastante ameno.

Pode-se afirmar que o tempo transformou “Halloween” em algo que ele não é: Não se trata de um dos mais terríveis e aflitivos filmes de terror jamais feitos, nem de possuir um dos mais sanguinários e mortais vilões já concebidos no cinema. Essas certamente não eram as intenções de John Carpenter aqui. O que ele queria, era a chance de construir uma atmosfera, valendo-se de técnicas simples mas objetivas. Estabelecer um filme com identidade de gênero sem necessariamente forçar os limites. Criar um bom e eficiente filme de terror e suspense com a mesma maestria que seu grande mestre, Hitchcock, havia feito antes. E nesse sentido, ele acertou em cheio.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Incubus 1966 e 1981


 Existem  dois filmes com o nome “Incubus” –até aí nada de mais, uma vez que inúmeros filmes partilham o mesmo título, seja nacional ou em língua estrangeira; acontece que, sendo um desses filmes a famigerada produção que passou a ser conhecida como ‘o filme mais amaldiçoado da história do cinema (!)’, isso me confundia muito: Eu havia assistido, ainda jovem em alguma reprise na TV, ao “Incubus” de 1981, quando na verdade, os críticos se referiam ao “Incubus” lançado em 1966. São dois filmes diferentes, como mais tarde, eu descobri. O problema é que o “Incubus” de 81 é um filme um bocado raro (a ponto de, numa determinada época, ser difícil até mesmo provar para algumas pessoas a sua existência!), enquanto que o de 66 é bastante famoso –ou seria melhor dizer, infame? De qualquer modo, vamos dar uma olhada nessas duas produções que partilham o mesmo título e, claro, o mesmo gênero, o terror.

As tragédias e, assim chamadas, maldições a cercar o filme de 1966 realmente impressionam por serem numerosas e contundentes, até mais do que em filmes clássicos, famosos por contratempos e acidentes mirabolantes em suas produções como "O Exorcista" e "Poltergeist-O Fenômeno". A lista que segue dá conta de alguns desses trágicos acontecimentos relacionados ao filme “Incubus”:

– A atriz Ann Atmar, intérprete da irmã do protagonista, vivido por Willian Shatner, cometeu suicídio 12 dias antes do filme estrear;

– A atriz Eloise Hardt (de “Something’s Got To Give”, o filme inacabado estrelado por Marilyn Monroe), que interpretou a líder demoníaca Amael, teve a filha sequestrada e morta por um psicopata;

–Misteriosos incêndios destruíram os cenários do filme tão logo as filmagens foram terminadas;

– O ator Milos Milos, intérprete do próprio Incubus da história, matou sua namorada Barbara Ann Thompson Rooney, ex-mulher do ator Mickey Rooney, e em seguida cometeu suicídio com um tiro na têmpora, seis meses depois, no mesmo fatídico ano de 66;

–Ao longo dos anos, o filme original acabou sendo destruído por um incêndio e suas cópias foram perdidas: por isso por muito tempo o público não teve mais a oportunidade de assistir “Incubus”. No entanto, em 1996 foi encontrada uma cópia na Cinémathèque Française de Paris. Essa cópia foi legendada em francês e distribuída em DVD no ano de 2001.

– A terceira esposa de William Shatner, Nerine Kidd Shatner, se afogou em uma piscina na mesma semana em que o filme foi lançado em DVD.

Muitos críticos atentaram para o elemento curioso que é a observação arguta, contundente e cruel na dicotomia entre homens e mulheres embutida no enredo, o que aproxima o estilo do filme da visão sombria e expressionista de Ingmar Bergman sobre os relacionamentos. O roteiro, escrito pelo diretor Leslie Stevens (criador das séries de TV “A Quinta Dimensão” e “Stoney Burke”), se debruça sobre essas questões: Num vilarejo conhecido como Nomen Tuum, uma lenda afirma que a água contida dentro dos poços é mágica, capaz de curar doenças e ferimentos, e proporcionar a almejada juventude.

Por conta disso, Nomen Tuum é muito visitada por homens maus e ganaciosos, os quais, por sua vez, atraem criaturas demoníacas em forma feminina (chamadas Súcubos, ou no original Succubus) sedentas por atrair esses indivíduos corrompidos e despachar suas almas diretamente para o inferno.

Uma dessas criaturas é Kia (Allyson Ames, de “O Colecionador”) que, farta das almas inescrupulosas de sempre, deseja desafiar-se ao enviar para o inferno a alma de um bom homem. Kia encontra o alvo ideal em Marc (William Shatner), um soldado valoroso e honesto em regresso da guerra que aparece em Nomen Tuum para hospedar-se com a irmã Arndis (Ann Atmar que, na curta carreira de atriz, fez o filme “O Vento Frio de Agosto”) e valer-se das águas milagrosas para curar suas feridas de batalha. Entretanto, ao se aproximar de Marc, Kia se apaixona, o que a conduz à sua perdição. Num pacto com sua irmã e líder, Amael, Kia invoca em Nomen Tuum a presença de um Íncubo (ou, no original, Incubus), um demônio em forma de homem vivido por Milos Milos (de “Os Russos Estão Chegando! Os Russos Estão Chegando!”), que promove uma sucessão de tragédias macabras no lugar. A sequência final, mostrando um confronto entre Kia e o Incubus transformado em um bode preto às portas de uma igreja é antológica.

O diretor Stevens decidiu rodar “Incubus” falado em esperanto (língua artificial desenvolvida para ser uma língua franca, um idioma com o qual todos conseguissem se comunicar sistematicamente, hoje o esperanto é até usado em alguns subúrbios norte-americanos), com o objetivo de fornecer ao filme uma atmosfera particular, surreal e assustadora. Conseguiu: “Incubus” exala uma sensação onírica de pesadelo que faz dele um dos filmes mais estranhos que você poderá assistir.


 Este outro “Incubus” data de 1981 (possivelmente a data de produção enquanto o lançamento foi provavelmente em 1982), tendo com o tempo tido o mesmo destino que todos os demais filmes de terror obscuros dos anos 1980: Virar uma reprise constante em madrugadas da TV –onde, aliás, eu terminei assistindo-o. Por eu ser ainda um adolescente na época, seu clima tétrico me apavorou bastante, no entanto, hoje acredito que suas restrições técnicas e seu orçamento limitado típico de filme B seriam bem mais gritantes aos meus olhos.

Dirigido por John Hough (esteta de terror britânico que realizou, entre outros, “As Filhas de Drácula”, com a gêmeas Collinson), este outro “Incubus” é adaptado do livro escrito por Ray Russel em 1976 (e, ao que tudo indica, completamente ignorante da existência do filme de Leslie Stevens), e roteirizado por Sandor Stern (diretor do cult “Pin-Uma Jornada Através da Loucura”), no entanto, o script sofreu tantas alterações movidas por seu protagonista, o ator (e diretor conceituado) John Cassavettes, que o pseudônimo Jorge Franklin foi quem recebeu o crédito de roteirista.

Nos arredores da cidade de Wisconsin, a população é abalada por um trágico e inexplicado ataque à um casal de namorados nas margens de um lago perto da zona rural: Enquanto o rapaz foi brutalmente assassinado, a garota foi violentamente estuprada. Ao mesmo tempo em que seguem as investigações –capitaneadas pelo médico-legista Sam Cordell (Cassavettes) e pelo xerife local Hank Walden (John Ireland, de “Rio Vermelho”) –acompanhamos a aflição do jovem Tim Galen (Duncan McIntosh) que, a medida que os crimes se sucedem, começa a relacionar seus sonhos, vívidos e horripilantes, com esses acontecimentos. Tim começa a suspeitar que esses crimes, sem sombra de dúvidas, perpetrados por algo de origem sobrenatural, podem estar sendo provocados por seus sonhos.

Para tornar ainda mais pessoal a busca do Dr. Cordell por respostas, Tim começa a namorar sua filha, Jenny (Erin Noble, de “Caindo Na Própria Armadilha” e “Sindicato da Violência”). Completando o núcleo de protagonistas –rodeado por um sem-fim de coadjuvantes palermas, em especial, as sucessivas vítimas da criatura em ataques planejados para inspirarem pavor, mas que soam estranhamente sádicos e fetichistas –está a repórter Laura Kincaid (Kerrie Kane, do drama erótico “Spasms”) que curiosamente lembra, e muito, a falecida esposa do Dr. Cordell.

Concebido na esteira obscuramente comercial do filmes de terror daqueles anos 1980 de então –a influência-mor de “O Exorcista” e toda a sorte de produções com tema satanista, e as produções de slasher daquela década (com o diferencial de que as mortes, aqui, veem acrescidas do elemento um tanto quanto sórdido do estupro) –e ainda buscando, no caráter despojado de sua produção, uma ousadia (para não dizer sensacionalismo) herdada dos filmes de exploitation da década anterior, este “Incubus” reserva algumas surpresas um bocado sinistras no seu desfecho, incluindo ali um final-surpresa muito mais desconcertante pelo seu grau de crueldade e pessimismo do que por seu viés inesperado.

Na sua trama abarrotada de elementos pouco compatíveis –como detalhes da investigação criminal, o mistério em torno do demônio sobrenatural e um inusitado background envolvendo caçadores de bruxas –e nas atuações predominantemente apáticas (mesmo o veterano Cassavettes se mostra pouco inspirado), podemos encontrar muitos dos motivos que levaram este “Incubus” ao esquecimento: Apesar de uma ideia relativamente promissora no seu horror palpitante (podemos apenas imaginar o que mestres como Mario Bava ou Lucio Fulchi teriam feito com o material), é um filme arrastado, editado com desleixo e dirigido com certa burocracia, não obstante um ou outro momento de iluminação do diretor Hough –entre eles, certamente, seu marcante final.

P/S: Em pesquisas internet afora, é possível encontrar pelo menos outros três filmes, também com o nome “Incubus” (!), todos de procedência do cinema poeira com orçamento de fundo de quintal (!!), e pelo menos um –este intitulado “Inkubus” com ‘K’ –estrelado pelo célebre Robert Englund, o cultuado ator de “A Hora do Pesadelo”.