Existem
dois filmes com o nome “Incubus” –até aí nada de mais, uma vez que
inúmeros filmes partilham o mesmo título, seja nacional ou em língua
estrangeira; acontece que, sendo um desses filmes a famigerada produção que
passou a ser conhecida como ‘o filme mais amaldiçoado da história do cinema (!)’,
isso me confundia muito: Eu havia assistido, ainda jovem em alguma reprise na
TV, ao “Incubus” de 1981, quando na verdade, os críticos se referiam ao
“Incubus” lançado em 1966. São dois filmes diferentes, como mais tarde, eu
descobri. O problema é que o “Incubus” de 81 é um filme um bocado raro (a ponto
de, numa determinada época, ser difícil até mesmo provar para algumas pessoas a
sua existência!), enquanto que o de 66 é bastante famoso –ou seria melhor
dizer, infame? De qualquer modo, vamos dar uma olhada nessas duas produções que
partilham o mesmo título e, claro, o mesmo gênero, o terror.
As tragédias e, assim chamadas, maldições a
cercar o filme de 1966 realmente impressionam por serem numerosas e
contundentes, até mais do que em filmes clássicos, famosos por contratempos e
acidentes mirabolantes em suas produções como "O Exorcista" e
"Poltergeist-O Fenômeno". A lista que segue dá conta de alguns desses
trágicos acontecimentos relacionados ao filme “Incubus”:
– A atriz Ann Atmar, intérprete da irmã do
protagonista, vivido por Willian Shatner, cometeu suicídio 12 dias antes do
filme estrear;
– A atriz Eloise Hardt (de “Something’s Got To Give”, o filme inacabado estrelado por Marilyn Monroe), que interpretou a líder
demoníaca Amael, teve a filha sequestrada e morta por um psicopata;
–Misteriosos incêndios destruíram os cenários
do filme tão logo as filmagens foram terminadas;
– O ator Milos Milos, intérprete do próprio Incubus da história, matou sua namorada
Barbara Ann Thompson Rooney, ex-mulher do ator Mickey Rooney, e em seguida
cometeu suicídio com um tiro na têmpora, seis meses depois, no mesmo fatídico
ano de 66;
–Ao longo dos anos, o filme original acabou
sendo destruído por um incêndio e suas cópias foram perdidas: por isso por
muito tempo o público não teve mais a oportunidade de assistir “Incubus”. No
entanto, em 1996 foi encontrada uma cópia na Cinémathèque Française de
Paris. Essa cópia foi legendada em francês e distribuída em DVD no ano de 2001.
– A terceira esposa de William Shatner, Nerine
Kidd Shatner, se afogou em uma piscina na mesma semana em que o filme foi
lançado em DVD.
Muitos críticos atentaram para o elemento
curioso que é a observação arguta, contundente e cruel na dicotomia entre
homens e mulheres embutida no enredo, o que aproxima o estilo do filme da visão
sombria e expressionista de Ingmar Bergman sobre os relacionamentos. O roteiro,
escrito pelo diretor Leslie Stevens (criador das séries de TV “A Quinta
Dimensão” e “Stoney Burke”), se debruça sobre essas questões: Num vilarejo
conhecido como Nomen Tuum, uma lenda afirma que a água contida dentro dos poços
é mágica, capaz de curar doenças e ferimentos, e proporcionar a almejada
juventude.
Por conta disso, Nomen Tuum é muito visitada
por homens maus e ganaciosos, os quais, por sua vez, atraem criaturas
demoníacas em forma feminina (chamadas Súcubos, ou no original Succubus) sedentas por atrair esses
indivíduos corrompidos e despachar suas almas diretamente para o inferno.
Uma dessas criaturas é Kia (Allyson Ames, de “O
Colecionador”) que, farta das almas inescrupulosas de sempre, deseja
desafiar-se ao enviar para o inferno a alma de um bom homem. Kia encontra o
alvo ideal em Marc (William Shatner), um soldado valoroso e honesto em regresso
da guerra que aparece em Nomen Tuum para hospedar-se com a irmã Arndis (Ann
Atmar que, na curta carreira de atriz, fez o filme “O Vento Frio de Agosto”) e
valer-se das águas milagrosas para curar suas feridas de batalha. Entretanto, ao
se aproximar de Marc, Kia se apaixona, o que a conduz à sua perdição. Num pacto
com sua irmã e líder, Amael, Kia invoca em Nomen Tuum a presença de um Íncubo
(ou, no original, Incubus), um
demônio em forma de homem vivido por Milos Milos (de “Os Russos Estão Chegando!
Os Russos Estão Chegando!”), que promove uma sucessão de tragédias macabras no
lugar. A sequência final, mostrando um confronto entre Kia e o Incubus transformado em um bode preto às
portas de uma igreja é antológica.
O diretor Stevens decidiu rodar “Incubus”
falado em esperanto (língua artificial desenvolvida para ser uma língua franca, um idioma com o qual
todos conseguissem se comunicar sistematicamente, hoje o esperanto é até usado
em alguns subúrbios norte-americanos), com o objetivo de fornecer ao filme uma
atmosfera particular, surreal e assustadora. Conseguiu: “Incubus” exala uma
sensação onírica de pesadelo que faz dele um dos filmes mais estranhos que você
poderá assistir.
Este outro
“Incubus” data de 1981 (possivelmente a data de produção enquanto o lançamento
foi provavelmente em 1982), tendo com o tempo tido o mesmo destino que todos os
demais filmes de terror obscuros dos anos 1980: Virar uma reprise constante em
madrugadas da TV –onde, aliás, eu terminei assistindo-o. Por eu ser ainda um
adolescente na época, seu clima tétrico me apavorou bastante, no entanto, hoje
acredito que suas restrições técnicas e seu orçamento limitado típico de filme
B seriam bem mais gritantes aos meus olhos.
Dirigido por John Hough (esteta de terror britânico
que realizou, entre outros, “As Filhas de Drácula”, com a gêmeas Collinson),
este outro “Incubus” é adaptado do livro escrito por Ray Russel em 1976 (e, ao
que tudo indica, completamente ignorante da existência do filme de Leslie
Stevens), e roteirizado por Sandor Stern (diretor do cult “Pin-Uma Jornada Através da Loucura”), no entanto, o script sofreu tantas alterações movidas
por seu protagonista, o ator (e diretor conceituado) John Cassavettes, que o
pseudônimo Jorge Franklin foi quem recebeu o crédito de roteirista.
Nos arredores da cidade de Wisconsin, a
população é abalada por um trágico e inexplicado ataque à um casal de namorados
nas margens de um lago perto da zona rural: Enquanto o rapaz foi brutalmente
assassinado, a garota foi violentamente estuprada. Ao mesmo tempo em que seguem
as investigações –capitaneadas pelo médico-legista Sam Cordell (Cassavettes) e
pelo xerife local Hank Walden (John Ireland, de “Rio Vermelho”) –acompanhamos a
aflição do jovem Tim Galen (Duncan McIntosh) que, a medida que os crimes se
sucedem, começa a relacionar seus sonhos, vívidos e horripilantes, com esses
acontecimentos. Tim começa a suspeitar que esses crimes, sem sombra de dúvidas,
perpetrados por algo de origem sobrenatural, podem estar sendo provocados por
seus sonhos.
Para tornar ainda mais pessoal a busca do Dr.
Cordell por respostas, Tim começa a namorar sua filha, Jenny (Erin Noble, de
“Caindo Na Própria Armadilha” e “Sindicato da Violência”). Completando o núcleo
de protagonistas –rodeado por um sem-fim de coadjuvantes palermas, em especial,
as sucessivas vítimas da criatura em ataques planejados para inspirarem pavor,
mas que soam estranhamente sádicos e fetichistas –está a repórter Laura Kincaid
(Kerrie Kane, do drama erótico “Spasms”) que curiosamente lembra, e muito, a
falecida esposa do Dr. Cordell.
Concebido na esteira obscuramente comercial do
filmes de terror daqueles anos 1980 de então –a influência-mor de “O Exorcista”
e toda a sorte de produções com tema satanista, e as produções de slasher daquela década (com o
diferencial de que as mortes, aqui, veem acrescidas do elemento um tanto quanto
sórdido do estupro) –e ainda buscando, no caráter despojado de sua produção,
uma ousadia (para não dizer sensacionalismo) herdada dos filmes de exploitation da década anterior, este
“Incubus” reserva algumas surpresas um bocado sinistras no seu desfecho,
incluindo ali um final-surpresa muito mais desconcertante pelo seu grau de
crueldade e pessimismo do que por seu viés inesperado.
Na sua trama abarrotada de elementos pouco
compatíveis –como detalhes da investigação criminal, o mistério em torno do
demônio sobrenatural e um inusitado background
envolvendo caçadores de bruxas –e nas atuações predominantemente apáticas
(mesmo o veterano Cassavettes se mostra pouco inspirado), podemos encontrar
muitos dos motivos que levaram este “Incubus” ao esquecimento: Apesar de uma
ideia relativamente promissora no seu horror palpitante (podemos apenas
imaginar o que mestres como Mario Bava ou Lucio Fulchi teriam feito com o
material), é um filme arrastado, editado com desleixo e dirigido com certa
burocracia, não obstante um ou outro momento de iluminação do diretor Hough
–entre eles, certamente, seu marcante final.
P/S: Em pesquisas internet
afora, é possível encontrar pelo menos outros três filmes, também com o nome
“Incubus” (!), todos de procedência do cinema poeira com orçamento de fundo de
quintal (!!), e pelo menos um –este intitulado “Inkubus” com ‘K’ –estrelado
pelo célebre Robert Englund, o cultuado ator de “A Hora do Pesadelo”.